Agostinho da Silva

Citações de Agostinho da Silva

A acção só vale quando é feita como um exercício, e um exercício com amor, quando é feita como uma ascese, e uma ascese por amor de que se liberte o Deus que em nós reside. E se a acção implica amargura, o que há a fazer é mudar de campo: porque não é a acção que estará errada, mas nós próprios.

A atitude inteligente e largamente humana não é a de aceitar dilemas, mas ou a de mostrar que são falsos ou a de se encarreirar a terceiras soluções de que o lógico se não lembrou, a não ser que lhe não fosse conveniente pô-las.

A bondade cria problemas quando é fraqueza e não força.

A busca do perfeito é a consciência do perfeito a que se dirige, atinja-o ou não, sempre, no entanto, nele morando o processo do mundo, que não é processo senão a nossos olhos.

A filosofia pode perfeitamente ter sido um fenómeno puramente histórico. E acabar. Deixando o campo às aspirações puramente religiosas, que são as eternas do homem. E, na realidade, as únicas que poderão conduzi-lo a uma plena vitória sobre o mundo; e sobre si próprio, que ainda é o mais difícil.

A grande diferença entre o inteligente e o estúpido – entre o chamado inteligente e o chamado estúpido – é que o primeiro se esforça.

A História vai ser simples quando for entendida; o homem vai ser humilde quando entender a História; quando ela, para ser entendida, se tiver feito geometria.

A ideia de deus que aparece em todas as religiões, me parece a mim, que poderia ser substituída (…), que era muito mais interessante que se visse na palavra, na ideia em que se inspira a palavra deus, por exemplo, a criatividade absoluta. Porque se aparecem as coisas criadas, em que hei-de acreditar, se não existisse a criatividade? Não acha esquisito acreditar que existem coisas criadas e não acreditar na criatividade?

A juventude engana: às vezes há um simples ímpeto animal, um rebentar de Primavera, mas sem fruto.

A liberdade para os partidos é uma coisa, e essencial; o governo pelos partidos outra, e dispensável.

A liberdade que há no capitalismo é a do cão preso de dia e solto à noite.

A liberdade só existe quando todos os nossos actos concordam com todo o nosso pensamento.

A lógica é uma fidalguia: é preciso trazê-la bem, sem uma falha. Mas a lógica é uma fidalguia tão grande que nunca se consegue trazer bem.

A meditação sem objecto é a seta que se dispara sem que o arco a solte.

A mulher está muito perto da Natureza; há nela os mesmos encantos e os mesmos perigos.

A paixão é, de facto, passiva; na paixão há um domínio do amado sobre o amante. Ter a paixão da física significa que somos inferiores à física. Ter o amor da física significa que somos nós a criar a física. Apaixona-se o fraco, o forte cria. Quando se ama, inventa-se inteiro o objecto amado, e daí o espanto de muitas das mulheres que homens grandes amaram; porque me escolheu ele, porque reparou em mim, porque me quis tanto?

A perfeita cortesia é também uma forma de indiferença.

A pior coisa que pode suceder a alguém é possuir a Verdade. A melhor é sê-la.

A pluralidade e a maior ou menor exactidão das notícias, em grande parte contribuídas pelo desejo um pouco mórbido de correspondentes e de público de se referir ao que de mais trágico sucede no mundo, veio mostrar como na realidade, e se excluirmos três ou quatro pontos onde, se não pesquisarmos muito, uma certa luz existe, o resto do globo é uma espécie de selva onde campeiam à vontade miséria, fome, doença e, como mais terrível de todos os males, o desespero.

A política tem sido a arte de obter a paz por meio da injustiça.

A posse de ócio pressupõe uma perfeição de domínio sobre a natureza que se não poderá conseguir senão à custa do sacrifício de muitas gerações, como o ócio de Atenas se alcançou à custa do sacrifício dos escravos.

A psicologia é uma ciência pela qual tive sempre a maior das desconfianças porque sempre me pareceu uma detestável e condenável intervenção na vida alheia, uma quebra do que existe de mais sagrado, a intimidade espiritual de cada um.

A publicidade é uma fábrica de perfeitos fregueses, ávidos e estúpidos; a educação, que lhe é paralela, fabrica cidadãos servis e crentes.

A questão portuguesa não é de se falar ou não falar português. É de ser ou não ser à maneira portuguesa, que é ser variadíssimas coisas ao mesmo tempo, e por vezes coisas que parecem contraditórias, e é a possibilidade de tomar um tema e olhar de várias maneiras, conforme o temperamento da pessoa, a época em que viveram, a linguagem de que usavam, a maneira como se sentiam na vida.

A sociedade tem direitos sobre nós como seres sociais, não como homens.

A teologia está certa quando parece louca, louca a política quando parece certa.

A tradição mais profunda é a que vem da pré-história; noção alguma de propriedade; nenhuma instituição do sagrado; acordo sim, chefia não; de escola nem sinal.

A tua aproximação da liberdade passa pela tua solidão.

A única revolução definitiva é a de despojar-se cada um das propriedades que o limitam e acabarão por o destruir, propriedade de coisas, propriedade de gente, propriedade de si próprio.

A vida material é exactamente como o dinheiro, seu símbolo, que apenas é bom enquanto serve para que se não pense nele.

A vida, para a vida, é sempre longa; mas para a arte é sempre breve; só quando se não faz nada há sempre tempo.

Acreditar num Deus provado seria tão relevante como acreditar na tabuada.

Admirar a Natureza e não admirar a mulher que é a sua obra mais bela e não a admirar, querendo-a, em tudo que ela é, espírito e corpo, é ser um poeta que faltou, na sua alma, à amplitude do mundo.

Amar alguém ou alguma coisa é primacialmente instalá-lo num clima de plena liberdade, com todos os riscos que a liberdade comporta: desejar é limitar na liberdade; a nós e aos outros.

Amar é querer que seja nós e outrem o máximo de nós.

Ame sem poder e verá o que lhe acontece; verá como a vida se vinga; o melhor que lhe poderá suceder é casar. Mas isso é um mal elementar.

Apaixonar-se é passivo; amar activo; o perfeito está no que não é nem isto nem aquilo.

Aqui tem você um conselho que lhe poderá servir para a sua filosofia: não force nunca; seja paciente pescador neste rio do existir. Não force a arte, não force a vida, nem o amor, nem a morte. Deixe que tudo suceda como um fruto maduro que se abre e lança no solo as sementes fecundas. Que não haja em si, no anseio de viver, nenhum gesto que lhe perturbe a vida.

As faltas dos outros de ti vêm: de não seres os outros e de seres os outros.

Boa leitura é aquela que leia o que não há entre página e página da mesma folha.

Bom tempo mesmo aquele que imagino ter sido.

Cabe a cada um de nós não fazer o mesmo que outrem tem de fazer, mas sim o deixar feito o que nenhum outro fez, por muito que tal perturbe a ordem estabelecida. Somos cada um de nós poeta único (…) não aceitando, portanto, que tenhamos outro dever além de o sermos.

Cada homem que vem no mundo, por mais miserável que apareça, por mais desprezível que pareça, pode ser um deus disfarçado.

Cada um só vê do universo aquilo que a sua sensibilidade ou a sua maneira de ser lhe permite. O universo pode ser muito mais vasto e muito mais diferente do que aquilo que é apenas o nosso mundo.

Cede ao amor e deixa que os outros lhe chamem vontade.

Chamo liberdade à minha ignorância do destino; e destino ao meu ignorar da liberdade.

Com a verdade da minha vida me posso condecorar ou me condenar; sinal de que a vivo bem vivo.

Como criador é-se egoísta; sempre egoísta, o mais possível egoísta; talvez, de resto, o egoísmo seja aparente; talvez o artista, em vez de dar a um, se esteja reservando para dar a milhões.

Como nada entenderam do passado nada podem sonhar para o futuro.

Como tudo é possível, ousemos fazer rumo ao impossível.

Como vemos agonizar o capitalismo, veremos agonizar o socialismo ou o sistema que lhe suceda, afogado pela mediocridade: esta a luta real entre o herói, que sempre se arrisca a ser crucificado, e a maioria que tão facilmente se resigna à colmeia, com a sua comida assegurada, a sua temperatura constante, a sua perfeita disciplina, até com o sacrifício dos que fecundam no azul e morrem.

Considero-me uma pessoa que tenta ser o mais simples possível e deixar que a vida lhe traga os problemas que ele vai tentar resolver se puder, mais nada. Nunca me considerei coisa nenhuma senão como uma pessoa qualquer à qual a vida apresentou uma série de circunstâncias que ele tratou de uma certa maneira, que me parece a mim que deram resultado, mas que efectivamente pode parecer aos outros diferente.

Consiste o livre-arbítrio em voluntariamente cumprir o fado.

Consiste o progresso no regresso às origens: com a plena memória da viagem.

Contradizer-me me dá segurança de que atingi a verdade possível.

Crê com todo o teu ser; só assim terás atingido o máximo da dúvida.

Creio que o mundo em nada nos melhora, que nascemos estrelas de ímpar brilho, o que quer dizer, por um lado, que nada na vida vale o homem que somos, por outro lado, que homem algum pode substituir a outro homem.

De um modo geral, o filósofo só deve ter uma preocupação quanto a seu estilo: que ele seja tão exacto como uma página de matemática; o que não quer dizer facilmente compreensível e claro: porque nada há de menos compreensível para o não-iniciado de que uma página de exacta e compreensível matemática.

De uma maneira geral, todas as ideias que visam ao futuro são utópicas, ainda não estão realizadas em parte alguma, por isso são tanto mais activas quanto menos realizadas são.

Desocupação, eis o sinal do homem nosso contemporâneo; abandono, eis o sinal do mundo que nos rodeia. Um homem que espera pelo seu mundo, um mundo que espera pelo seu homem.

Detesta o cientista toda a contradição; o artista não a julga; o religioso a absorve no melhor do seu deus.

Deus é imanente e transcendente ao homem; o homem é imanente e transcendente a Deus.

Deus não se afirma nem se nega: Deus É, mesmo quando não é, numa plena manifestação da sua suprema liberdade.

Deve-se estar atento às ideias novas que vêm dos outros. Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efectivamente a verdade. Fujo da verdade como tudo, porque acho que quem tem a verdade num bolso tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém; então livro-me de toda a espécie de poder – isso sobretudo.

Do que precisa o adulto não é de que lhe talhem felicidade ou paz dando-lhe coisas de que ele talvez nem necessite; só precisa de poder escolher o seu destino; o que hoje plenamente lhe impede, excepto para almas de eleição, a obediência económica a outros homens que por aí mesmo se corrompem e corrompem.

É a bondade um supremo entender.

É a posse mais terrível de todas, a escravatura mais completa, aquela que uma obra exerce sobre o seu criador. (…) Se você for um criador não dará a felicidade nem a si nem aos que estão imediatamente à sua volta.

É ilusória toda a reforma do colectivo que se não apoie numa renovação individual; ameaça a ruína a todo o movimento que tornarem possível a ignorância e a ilusão.

É melhor aprender latim ou melhor aprender matemática? É melhor não ser estúpido.

É necessário que um dia todos os homens vejam que o desejo de chegar mais longe, a atenção à crítica, a calma ante o que fere, nada têm com a força e a fraqueza: são qualidades da alma.

É o grande perigo das pessoas que falam bem: são as serpentes de si próprias, saem dos cestinhos para ouvir a música deliciosa e o que podia ser uma manifestação esplêndida de humanidade transforma-se em espectáculo de rua.

É o insatisfeito, como era natural, que junta alguma coisa à realidade; desde que o homem se encontre bem na vida a força que o levava a criar, seja qual for o domínio, afrouxa e estaca.

É preciso estar sempre crítico diante daquilo que se vai admirar, o que é diferente do ser crítico daquilo que se ama. Diante o que se ama, não se deve ser crítico, deve-se deixar que o amor nos possua. Mas diante daquilo que se admira, muito cuidadinho – tem que se estar sempre com objecção pronta, a ver se podemos demolir aquilo que admiramos e que não serve afinal para nada.

Em geral, toma-se perante o que sucedeu não uma posição histórica, mas uma posição de absoluto; é à luz de uma metafísica ou de uma moral sobranceira ao tempo que se julgam os homens, os acontecimentos e as ideias.

Em todas as épocas da história a hora que se apresentou actual foi de indecisão e de escolha; em todas elas, para que alguma obra surgisse, foi necessário um projecto; o projecto parte do presente, só pode existir mesmo no presente, mas é uma condição de futuro; simplesmente, para que ele se realize, para que depois nele se baseiem outras organizações de ideias, é necessário um acto de vontade.

Entende-se o medíocre; não se entende, porém, que quem se ama nele mergulhe.

Entre as palavras e as ideias detesto esta: tolerância. É uma palavra das sociedades morais em face da imoralidade que utilizam. É uma ideia de desdém; parecendo celeste, é diabólica; é um revestimento de desprezo, com a agravante de muita gente que o enverga ficar com a convicção de que anda vestida de raios de sol.

Entre um homem e outro homem há barreiras que nunca se transpõem. Só sabemos, seguramente, de uma amizade ou de um amor: o que temos pelos outros. De que os outros nos amem nunca poderemos estar certos. E é por isso talvez que a grande amizade e o grande amor são aqueles que dão sem pedir, que fazem e não esperam ser feitos; que são sempre voz activa, não passiva.

Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros nos enriquece a nós. Leia.

Estarás certo mesmo quando fores a uns suspeito de seres os outros.

Eu acho que, para toda a gente, o que é necessário haver num país é os três S: S número um, sustento; S número dois, saber; S número três, saúde. Só a seguir ao sustento é que vem o saber. E perguntar às pessoas «o que é que querem aprender?» e eu digo isto para grandes e para pequenos.

Eu não voto por rótulos. (…) Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada. Eu quero saber das ideias que as pessoas têm e da maneira como depois as vão defender e praticar.

Eu procuro o mais possível ser como o gato, um gato bem manso de maneira que a vida venha, me pegue pelo cachaço e me leve onde isso for conveniente para a vida.

Exige-se, para o perfeito amor, que o amado ame o amante; que este ame, em si próprio, o amante que ama o amado e que o amado ama, o mesmo tendo de haver no correspondente. Que os amantes amem nos amados os amantes que a eles os amam. Ou, mais simples: que o amor se ame.

Existir-se é fundamentalmente amar.

Fala-se muito contra o analfabetismo e ele é porventura um grande mal; mas não se repara em que há outros analfabetismos ainda mais graves: o de um especialista de determinada matéria que nada conhece do que os outros estudam ou o dos que vão morrer inconscientes do espectáculo em que Deus os jogou.

Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos: aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do mundo físico e do mundo do proceder e toda a experiência que vamos fazendo, negativa mesmo para todos, a podermos transformar em positiva.

Filosofia é provocação e dúvida: jamais certeza e ensino. Platão se perdeu quando fundou a Academia. Virou dono da verdade e aprendiz de tirano.

Gaguejo porque entendo; só quem não sabe fala escorreito.

Há hoje quem esteja plenamente convencido de que nasceu mais engenheiro do que homem; como se já estivéssemos naquele tempo de pesadelo em que se fabricariam homens-máquinas de servir máquinas de servir homens-máquinas.

Há muito quem confunda tabuada com matemática.

Hipócrita quer dizer actor; por fraqueza faço de homem quando, fora do palco, seria Deus.

Homem com ócio tende a fazer o que não lhe aproveita nem a ele nem aos outros.

Imortais somos porque o tempo é consubstancial do eterno.

Lembrai-vos de viver antes de quererdes saber o para quê; e verificareis que, tendo vivido, a pergunta deixa de ter sobre vós o seu peso terrível.

Lerás bem quando leres o que não existe entre uma página e outra da mesma folha.

Liberdade só se pode perder por um acto supremo de liberdade: o da renúncia.

Mais custa quebrar rocha do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se encontra nos meios a empregar.

Mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não seus.

Mal vai, quando em todo o lugar surgem certezas; é o noivado com a morte.

Morre menos gente de cancro ou de coração do que de não saber para que vive; e a velhice, no sentido de caducidade, de que tantos se vão, tem por origem exactamente isto: o cansaço de se não saber para que se está a viver.

Muito do que escrevo pode parecer profundo por ser atrapalhado.

Muito me reprovo e o aprovo tanto quanto outrora aprovei o que hoje me reprovo.

Muito problema se tenta resolver por meio da política: a chave, no entanto, a tem a santidade.

Muitos dos êxitos que tive foram devidos aos defeitos que tenho.

Nada conseguiste pensar de válido se, ao fim de pensares, te não convenceste de que pouco pensas.

Nada peças nem perguntes, inventa o mundo.

Não creio que a coisa melhor do homem seja ser normal, como não me parece ser a fruta melhor do mundo a normalidade que agora Portugal está importando, ou a CEE (enquanto existe CEE, claro) vai obrigar a importar.

Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre.

Não é amar as raparigas tratá-las como seres que não entendem senão as suas lisonjas e as suas anedotas; só as amará e só elas o poderão amar a você, para além das enganadoras aparências, quando a sua alma se lhes abrir, e com todos os seus problemas, todas as suas angústias, toda a sua seriedade, toda a sua gravidade humana.

Não foram homens esmagados de trabalho que compuseram música ou poesia, conceberam e executaram pintura e escultura, ou, num domínio que mais interessa para solução do problema, fantasiaram a ciência que depois, transformada em técnica, contribuiria para progressivamente ir libertando o escravo.

Não há fim supremo para o homem que não seja o de se ver, se ainda se vê, absorvido pelo Deus que o habita.

Não há homem algum que não possa ser elogiado; às vezes os assassinos têm pontaria excelente; e não existe homem algum que não possa ser censurado; houve santos que não tomavam banho.

Não há homens perfeitos; há, quando muito, homens que querem ser perfeitos.

Não há liberdade minha se os outros a não têm.

Não haverá movimento nenhum definitivo para a Humanidade enquanto esse movimento novo aparecer como inovador, enquanto o que pretende ser revolução final, se apresentar como revolucionária.

Não julgues que pensas melhor que todos os que te precederam: o mais provável é que penses pior; principalmente quando tudo te parece mais certo.

Não me considero autor de coisa nenhuma por mim próprio.

Não me importa nada que me critiquem. Exactamente como não me importa nada quando me elogiam. Tanto me faz que uma pessoa me elogie como me censure – eu considero aquilo como uma opinião pessoal e não comparo com coisa nenhuma porque eu próprio não tenho opinião pessoal a meu respeito. Não me sinto nem herói, nem criminoso, sinto que vivo, sinto que sou.

Não me interessa ser original: interessa-me ser verdadeiro.

Não são as opiniões individuais, mas as opiniões de grupo, o que realmente separa o homem do homem; arregimentados, nos perderemos no melhor que temos: o ser irmão do mundo.

Não se pode pensar em virtude sem se pensar num estado e num impulso contrários aos de virtude e num persistente esforço da vontade. Para me desenhar um homem virtuoso tenho que dar relevo principal ao que nele é voluntário.

Não seja servil: não tenha servos.

Não sou um optimista. O que sou é determinado naquilo em que me apetece ser determinado, e continuo convicto até entender que a convicção estava errada e tenho que mudar. Mas isso não tem acontecido muito.

Não te deixes derrubar pela insignificância dos pequenos movimentos e serás homem para os grandes; se jamais te faltar a coragem para afrontar os dias em que nada se passa, poderás sem receio esperar os tempos em que o mundo se vira.

Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de a confundir com a vingança. A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do amor.

Não te satisfaças com o programa de um partido: inventa melhor.

Naquilo em que estou menos satisfeito só de mim me queixo.

Nem paz nem felicidade se recebem dos outros nem aos outros se dão. Está-se aqui tão sozinho como no nascer e no morrer.

Nem um momento ocioso, sempre, porém, com tempo livre.

Nenhum de nós poderá, num momento qualquer, garantir que a sua doutrina seja a que encerre a verdade; os desmentidos surgem a cada passo, as incertezas vão sendo mais fortes è medida que se penetra com maior informação e mais atenta inteligência no mundo que nos cerca.

Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam ou sequer lhe reconheçam o que faz; no fim de contas era ele quem devia agradecer pela ocasião que lhe ofereceram os outros homens de pôr em jogo as suas qualidades e de eliminar, se puder, os seus defeitos.

Nenhuma das grandes religiões se estabeleceu jamais por meio da intelectualidade. A ela acodem sempre mais tarde os intelectuais, não em busca de mais intelectualidade, mas na esperança de encontrar aquele caminho de vida e aquela ressurreição que os seus sistemas puramente filosóficos lhes não podem dar.

Nenhuma ideia de cada um de nós é realizável para todos. Somos todos diferentes. Cada um é um, de que não há igual entre os outros biliões de homens. Bem que nefasto seria se todas as ideias do mundo devessem ser para uso do próprio. (…) O ideal seria que cada pessoa pudesse viver a sua própria vida, da sua própria maneira, sem interceptar nada na vida dos outros. Nem modificar nada na vida dos outros, a não ser por aquilo que quisesse aceitar em virtude do próprio temperamento.

Nenhuma vida tem qualquer significado ou qualquer valor se não for uma contínua batalha contra o que nos afasta da perfeição que é o nosso único dever.

Ninguém reprovará o seu irmão por ele ser o que é; mas com paciência e persistência, com inteligência e com amor, procurará levá-lo ao nível mais alto.

No mundo só fantasia existe: está comigo decidir se ela é o tudo ou o nada, já que me não pode socorrer o exterior, tão interior como eu ou eu tão exterior como ele, os dois afinal num mundo em que também é a fantasia a distinção entre um e outro.

No partido, a intensa opinião fragmenta-se e apuramos aquilo em que diferimos dos outros homens, não aquilo em que lhes somos irmãos; guiamo-nos por um ser geral que nos supera e por ele nos substituímos; vive em nós a tribo, muito mais do que a Humanidade.

No seu ponto mais alto, a filosofia é uma criação perfeitamente similar à criação artística ou religiosa ou amorosa; quem não tem nervos de artista, força de imaginação e quem não tem ao seu dispor uma vida rica pode ser professor de Filosofia, mas duvido que chegue alguma vez aos planos em que vale realmente a pena ser filósofo.

Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre a ideia, embora vaga, de que se está representando e que o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro modo não aplaude o público.

Nunca vemos fenómenos puros; todo o fenómeno que nós observamos e que descrevemos para os amigos, excepto quando é matemática pura, nunca é um fenómeno. É uma autobiografia nossa, é uma confissão daquilo que nós somos e que vemos tal coisa desta ou daquela maneira, diferente de outros.

O bom historiador escreve do passado, criticando o presente e projectando o futuro. Toda a história que vale é do futuro.

O caos é impensável, já que a mistura é uma ordem e não há para o espírito do homem, ou no espírito do homem, nada que não seja relação. O que acontece é que chamamos desordem à ordem que nos não agrada, ao conjunto de relações em que não entendemos ou não aceitamos a relação connosco.

O criador é uma espécie de monstro em que há o homem e o outro; quem desanima, quem se abate, quem chora é o homem: o outro, se é grande, até os desesperos utiliza. O essencial é que nunca o homem traia o artista, que a troco de uma felicidade que tanta gente tem se perca a obra que ninguém mais poderia realizar.

O destino é muito curioso das liberdades que se tomam.

O divino deve ser adorado em toda a sua plenitude sem ser restrito a personagens que convêm a um momento ou a uma circunstância.

O drama da Igreja e do mundo de hoje é que pouca gente, dentro dela e dele, vai menos por uma metafísica da Providência do que por uma física, uma física muito pragmática, da Previdência.

O essencial é que não procure o pensador ser elegante; se o for, que venha a elegância da própria estrutura do pensar e da própria clareza meridiana das ideias a que lhe coube chegar.

O essencial na vida não é convencer ninguém, nem talvez isso seja possível; o que é preciso é que eles sejam nossos amigos; para tal, seremos nós amigos deles; que forças hão-de trabalhar o mundo se pusermos de parte a amizade?

O falar do concreto pode ser outra forma de retórica.

O futuro deve ser de tal maneira que nenhuma criança ao nascer se sinta torpedeada pela vida de maneira que julga que tem que desistir de ser para existir apenas como aquilo que a vida obriga a ser.

O futuro não é mais que provável porquanto o pensamento não só relaciona, mas cria.

O grande defeito dos intelectuais portugueses tem sido sempre o só lidarem com intelectuais. Vão para o povo. Vejam o povo. Vejam como eles reflectem, como ele entende a vida, como eles gostariam que a vida fosse para eles.

O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.

O homem olímpico não ignora o seu contrário, não foge à sua dor: utiliza-a como a um instrumento de perfeição.

O homem tem preguiça, em geral, de pensar todo o pensável e contenta-se com fragmentos de ideias, recusa-se a uma coerência absoluta. Não leva até ao fim o esforço de entender. E, exactamente porque não o faz, toma, em relação à sua capacidade de inteligência, uma absurda posição de orgulho. Compara o pouco que entendeu com o menos que outros entenderam, jamais com o muito que os mais raros puderam perceber.

O ideal da vida deve ser acima de tudo a serenidade.

O mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso.

O mal terrível que está a roer tudo e que poderá tornar toda a necessária transformação económica um mal ainda mais grave, se ela não for acompanhada de uma renovação religiosa, é que a vida se tornou inteiramente laica e, por consequência, inteiramente monótona: nenhuma hora se distingue de outra hora por um rito ou uma cerimónia especial.

O melhor será que não pertençamos a partido algum, porque a política não é uma essência de ser, como a religião, a ciência ou a arte, nas quais todos deveríamos estar: é uma pura fatalidade histórica, como a economia, ou a administração, como também a medicina ou a engenharia.

O mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza, apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vencer, nem ficar em boa posição; tornar alguém melhor — eis todo o seu programa.

O mundo acaba sempre por fazer o que sonharam os poetas.

O paradoxo fundamental do universo, aquele que inclui as galáxias e as antigaláxias, ser ele pensamento que a si próprio se pensa; para provar mais: que não tem sujeito pensador.

O passado que vale está nos livros e nas oficinas. Além de tudo, poucos serão os mestres que se não poderiam substituir por discos ou papagaios; e esses ensinam pelo viver, pelo escrever, pelo trabalho em seus laboratórios.

O pensador é bom na medida em que a audácia das suas explorações o leva a cada passo à beira da heterodoxia.

O pensador lança-se à tarefa de desembaraçar o enrolado novelo que o mundo lhe apresenta, mostrando como todo o fio não é mais do que a ligação entre dois extremos, o da eternidade e o do tempo, o da substância e o do acidente, o de Deus e o do homem. E neste trabalho de desenrolar o novelo se lhe vai a vida.

O Pensamento se move sem mudar de lugar.

O prémio ao malvado e o castigo ao bom servem para lembrar que nem um nem outro devem ser motivo de procedimento.

O presente é o futuro tentando ser; assim o meio e o fim.

O problema dos políticos é o de mudarem o governo: o meu é o de mudar o Estado. Contam eles com o voto ou a revolução. Conto eu com o curso da História e a minha vocação e o meu esforço de estar para além dela.

O professor deve sempre aparecer ao seu discípulo como uma pessoa de cultura perfeita; por cultura perfeita entenderemos tudo o que pode contribuir para lhe dar uma base moral inabalável, sem subserviências nem compromissos.

O que a vida apresenta de pior não é a violenta catástrofe, mas a monotonia dos momentos semelhantes; numa ou se morre ou se vence, na outra verás que o maior número nem venceu nem morreu: flutua sem norte e sem esperança.

O que é verdadeiramente tradicional é a invenção do futuro.

O que impede de saber não são nem o tempo nem a inteligência, mas somente a falta de curiosidade.

O que interessa na vida não é prever os perigos das viagens; é tê-las feito.

O que não se adquire pelo sofrimento para nada vale na ordem mais profunda das coisas.

O que nos interessa sobretudo na História seria dar conteúdo actual, ou melhor, conteúdo eterno ao que acaba por aparecer como um empoeirado, como um arqueológico episódio do passado.

O que se quer existe – só que está coberto: Por isso se chama à busca feita pelos Portugueses Descobrimentos.

O que se tem que dizer é que a pessoa nasce em determinadas circunstâncias, sem se dizer se elas são boas a olho. É um defeito muito grande que nós temos, aquele de dizer que tal pessoa tem tais qualidades e tem tais falhas, tais defeitos. O que se tem que dizer de qualquer pessoa, ou de qualquer situação no mundo, é que tem determinadas características. Porque muitas vezes o que nós verificamos é que são os defeitos que fazem as boas obras, e as qualidades aquelas que muitas vezes as abatem.

O sacrifício é para muitos uma despesa reembolsável, uma colocação sobre o futuro; estão dispostos a fazê-lo valer, não só no momento em que ainda imperam as circunstâncias que os levaram ao acto cometido, mas sobretudo quando a escala se inverter e o crime se transformar em glória.

O sofrimento ainda pode servir para alguma coisa, desde que o tomemos sobre nós com o espírito de amor que o torna fecundo; mas fazer sofrer deixa na história um rasto de satanismo que dificilmente poderemos apagar.

O teu espírito só poderia melhorar se tivesses diante de ti homens livres cujas resistências vencerias pela única arma da inteligência ou que te levariam a modificar as tuas opiniões, a alcançar porventura uma visão mais nobre e mais vasta da vida universal; a inteligência tem de incluir aquilo que não consegue eliminar.

O trabalho não é virtude, nem honra; antes veria nele necessidade e condenação; é, como se sabe, consequência do pecado original.

O triunfo da tua virtude sobre as faltas dos outros os envergonharia; esconde, pois, a luz.

Os casos excepcionais são todos os que há no mundo. Cada um de nós, como homem, é inteiramente excepcional. Não há ninguém igual a cada um de nós em todos os biliões de homens que existem, nem fisicamente nem psicologicamente. Tudo é excepção. E todas as coisas que existem no mundo deviam ser excepções aplicadas a esses seres excepcionais. Simplesmente, as condições da sociedade em que vivemos obrigam todos nós a, lentamente, nos irmos parecendo uns com os outros.

Os defeitos de que te acusas são o reverso das qualidades de que te orgulhas.

Os economistas tinham sobretudo a obrigação de não nos andarem a calcular inflacções e a taxa de juro e essas coisas, mas dizerem de que maneira é que nós podemos fazer avançar a gratuitidade da vida.

Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence.

Os políticos, em lugar de se ajudarem entre si e uns aos outros nesta tarefa difícil que é administrarem um país, em que se tem ao mesmo tempo que olhar o presente com todo o cuidado objectivo, e ter a maior confiança no que se pode concretizar de futuro, em lugar de os políticos se ajudarem uns aos outros, se auxiliarem, a realmente levar essa tarefa por diante, tantas vezes se entretêm, em todos os países, a lutar uns com os outros, a desacreditarem-se uns aos outros, como se isso pudesse fazer avançar seja o que for.

Os portugueses sempre adoraram o concreto, entendem o abstracto, mas procuram traduzir imediatamente em concreto.

Para o filósofo não há nunca os cegos que não querem ver, há sempre os cegos que não podem ver.

Para o que ama a Verdade não há descanso nem termo, porque a vê no próprio caminhar, a surpreende no esforço contínuo da marcha; o amor da Verdade não é um desejo de chegar, mas o anseio de superar. Não me importa o resultado, mas o método.

Para que ame alguém a Humanidade, se sinta disposto a guiar os mais pequenos no caminho do futuro e não duvide da eficácia do esforço, é sobretudo preciso que possua a longa perspectiva que só dá o conhecimento das grandes realizações humanas em todos os domínios.

Para que suceda o que vejo futuro, não preciso nada de convencer ninguém; virá, quer o queiram quer não, porquanto já existe.

Para quem não é imbecil o êxito constitui um grande risco.

Partido é uma parte: sê inteiro.

Pensar não tem mais transcendência em si próprio do que arrumar uma casa: trata-se de pôr em ordem, de organizar um meio em que nos possamos mover, o que não significa que o queiramos fixo para sempre, como nenhuma dona de casa supõe que a limpeza se fará para todo o sempre.

Penso, como ser pensante, que nada existe senão o pensamento, o qual me pensa como ser pensante.

Perante o que já avançaram ciência e técnica e, em cada um, o ideal de humanidade, são o capitalismo e o socialismo duas formas idênticas e por isso concorrentes de estupidez.

Poderia perguntar-se se é realmente a felicidade o valor máximo que a Humanidade procura e se não é a felicidade apenas um instrumento de alguma coisa mais fundamental do que ela.

Poderia talvez ver-se a inteligência como um dos instintos do homem. Outro, possivelmente, o de não entender; utilíssimo: livra de muito.

Podes, e deves, ter ideias políticas, mas, por favor, as «tuas» ideias políticas, não as ideias do teu partido; o «teu» comportamento, não o comportamento dos teus líderes; os interesses de «toda» a Humanidade, não os interesses de uma «parte» dela. E lembra-te de que «parte» é a etimologia de «partido».

Poeta é todo aquele que cria.

Por falta de vontade me apaixono; e assim me cumpro.

Por muito cuidado que se tenha, educar é podar; deixar crescer com toda a força o ramo que nos agrada.

Por um lado, o artista furta o seu tema ao tempo, tornando-o acessível a todos em todos os momentos, por outro lado, salva-o ainda da corrente do tempo, na medida em que faz convergir num só instante o que foi beleza em instantes sucessivos.

Porquê tolerar? Parece-me ainda pior do que perseguir. No perseguir há um reconhecimento do valor.

Posso mudar se me penso mudado.

Procura considerares-te inexistente e assim, ao contrário do que pensava Nietzsche, nunca serás, com teu interesse e serviço dos outros, um desprezador tirano de ti próprio. Procura realizar-te nos outros, em todos os outros, e só assim serás totalmente vário, como deves, em honra do Espírito que em ti habita.

Procura, diante dos acontecimentos ter as tuas reacções, não as dos outros.

Provavelmente todos nós nascemos com igual possibilidade de criar, só que muitas vezes não acertamos no campo em que poderíamos triunfar, ou a vida de uns põe em condições que não permitem de nenhuma maneira que a nossa poesia se afirme.

Quando entrares na violência vai até o fim; se não aguentas, não entres.

Quando julgo alguém apenas o defino em relação a mim, em sua semelhança ou sua diferença.

Quando se é amigo de uma pessoa que está na política, é para a ajudar, não para ser oposição. Porque a mania da política hoje é ser da oposição. Para mim, a verdadeira política não é essa, a verdadeira política é a da composição: ver o que é aproveitável no outro e o que parece ser aproveitável em nós e tentarmos então que essas duas coisas vão para a frente juntas, não é assim?

Quando um modelo de vida lhe parecer bem, siga-o, mas, por favor, não queira que os outros também o sigam; o pregador é intolerável.

Quanto trabalho me daria ser rico.

Que a imaginação te engorde e a matemática te emagreça.

Que não haja restrição a Amor algum; mas que o Amor restrinja.

Que o querer tenha sua origem e seu apoio em coração aberto à nobreza, à beleza e à justiça; de outro modo é apenas gume fino e duro de faca; por isso mesmo frágil, na sua aparente penetração e resistência. Vontade inteligente, e não manhosa, altruísta, e não virada ao sujeito, pedagógica, e não sedenta de domínio; a esta pertencem os séculos por vir: é a voz a que surgem; a outra estabelece os muros que ainda tentam defender o passado.

Quem fala de Amor não ama verdadeiramente: talvez deseje, talvez possua, talvez esteja realizando uma óptima obra literária, mas realmente não ama; só a conquista do vulgar é pelo vulgar apregoado aos quatro ventos; quando se ama, em silêncio se ama.

Quem insiste sobre o lado intelectual das religiões esquece-se de que só eleva e só é religiosa no sentido mais profundo da palavra aquela discussão ou disquisição de ideias que assenta sobre uma prévia aceitação.

Quem inveja vida boa de gato esquece que, se o fosse e a tivesse, jamais o saberia.

Quem se adivinha senhor de si melhor resistirá sem violência a tudo o que inventou a real fraqueza do contrário; vê-se num mundo superior; e só tem que se guardar dos perigos da altivez e do desprezo.

Quem tem a consciência de que é alto e o afirma a si próprio e aos outros com orgulho, efectivamente não o é, porque nem sabe o que é ser alto; que noção poderá ter de altura o que só olha para baixo?

Remédio é para o acidente, não para a essência.

Resumindo, diria pensar que a natureza humana, mais do que boa, é excelente; que a sociedade, e nela a educação, ajudando o homem a sobreviver, o tem limitado, e muito, no melhor, que é o seu ser livre.

São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de não se conformarem.

Se alguma vez te tornares conhecido, arrepende-te e volta à obscuridade; nela serás irmão dos melhores.

Se as pessoas me procuram não é por eu ser um génio coisa nenhuma. Sou uma pessoa inteiramente normal. É por de repente verem do lado de fora dito aquilo que elas pensaram sempre do lado de dentro, e, por exemplo, os tais processos de educação aprenderam a reprimir.

Se dizes «tens de ser livre» me prendes ao contrário.

Se és de uma religião, cumpre-a, tendo simultaneamente a certeza de que tudo aquilo é nada.

Se estás disposto a nunca usar da violência, e sempre resistindo, torna-te forte de corpo e de alma; é a mais difícil de todas as atitudes.

Se fazes és; se não fazes serias.

Sê fiel a todos pois todos são tu.

Se fosse possível explicar-te tudo não precisarias de perceber nada.

Se me julgas te julgas por julgares.

Se não apontares ao impossível te sairá baixo o tiro ao possível.

Se os comunistas fossem religiosos seriam frades; se os frades fossem políticos seriam comunistas.

Se pões sujeito ao pensar à parte o pões de pensar.

Se queres ser imparcial, não existas; se queres ser objectivo, existe mesmo; descobrirás talvez que a diferença é nenhuma.

Se te não decidires a resolver tudo acabarás por não resolver nada.

Se tiveres problemas com alguém nada mais precisas, para os resolver, do que lhe dar amor e liberdade.

Ser bem trajado no escrever é de certo modo um hábito social; uma condição de promoção social; mas a quem não tem como suprema ambição a de ser promovido lhe bastará ser limpo.

Ser companheiro vale mais do que ser chefe. É preciso que os homens à sua volta nunca tenham nenhuma angústia, não sofram nunca por o sentirem a você superior a eles; a sua superioridade, se existir, deve ser um bálsamo nas feridas, deve consolá-los, aliviar-lhes as dores. A sua grandeza, querido Amigo, deve servir para os tornar grandes, no que lhes é possível, não para os humilhar, para os lançar no desespero, no rancor, na inveja.

Ser intransigente com os outros não tem grande sentido; eles são o que podem ser e creio bem que seriam melhores se o pudessem; a Natureza ou o meio lhes tiraram as condições que os levariam mais alto; não os devo olhar senão com uma íntima piedade.

Ser mestre não é de modo algum um emprego e a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.

Ser verdadeiramente livre seria Deus porquanto nenhuma determinação poderia provir senão dele próprio.

Ser-se anti-especialista nada vale quando o que o for se deixa esmagar pelo que sabe e reparte a sua actividade pelos diversos campos, a cada passo um homem diferente.

Seria preciso não viver para negar que o mundo seja mau; mas é nessa mesma maldade que devemos procurar o apoio em que nos firmarmos para sermos nós próprios melhores e, como tal, melhorarmos os outros.

Só existe governo exterior a nós porque temos preguiça de nos governarmos a nós mesmos.

Só falando preservas o silêncio.

Só há espaço quando se vê e só há tempo quando se pensa.

Só pensar não é uma ilusão; logo, porém, se lhe procuro o sujeito me entro em ilusório.

Só persistindo no avanço terás a certeza de que te não deslocaste.

Só podes ser tu se fores de tudo ou de nada.

Só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação.

Só serei eu se for tudo o outro; as instituições mo impedem.

Só vale a pena discutir com as pessoas com as quais já estamos de acordo quanto aos pontos fundamentais; só aí se mantém, na pesquisa, a fraternidade essencial; tudo o resto é concorrência, batalha, luta pelo triunfo; não menos reais por serem disfarçados.

Só veneramos uma justiça que eleve o homem e seja a condensação de interesse benévolo que os outros homens têm por ele; só é justa a lei que lhe dá a possibilidade de se tornar melhor.

Somente como poeta, isto é, criador, na arte, na ciência, na técnica, na acção e na contemplação, será o homem verdadeiramente à imagem e semelhança do Divino: centelha em nós do pensamento eterno.

Somos, ao contrário do que é hábito dizer-se, não uma sociedade de consumo, visada ao consumidor, mas uma sociedade de produção, virada ao produtor e seus interesses.

Sou especialista da curiosidade não especializada.

Sou um homem modesto: não procuro, para as seguir, as opiniões dos grandes homens: bastam-me as minhas.

Talvez a maravilha do homem seja a de que seus sentidos lhe fazem tomar como real o que sua mente imagina. Chamo sua mente à mente do homem que é o conjunto dos homens.

Talvez mesmo todas as filosofias dos homens nada mais sejam do que expressão do horror pelo martírio, do que uma fraqueza inconfessada perante o duro existir, do que uma ilusão a que, para conseguirem viver, dão o nome de certeza.

Talvez não tenha cada um a sua mundividência: mais certo seria dizer-se que tem a sua mundinvenção, e que só essa é real.

Talvez o maior amor seja o dos místicos porque esse tem consigo a suprema qualidade de nunca ser plenamente realizável.

Tão amigo sou dele que até meu amigo se tornou.

Tem o mundo direito e tem avesso; a Verdade é o que está no meio.

Temos que levar gente, não a uma vida cómoda, a uma vida fácil, mas temos que ter a coragem de levá-la a uma vida difícil, a uma vida perigosa, pois só com uma vida difícil, rigorosa e perigosa, dá o homem o melhor de si próprio.

Temos, sobretudo, de aprender duas coisas: aprender o extraordinário que é o mundo e aprender a ser bastante largo por dentro, para o mundo todo poder entrar.

Tenho sido muito vítima do destino dos outros; ou instrumento, do que não me arrependo; outros, para o mesmo fim, poderiam ter sido muito piores.

Toda a grande obra supõe um sacrifício; e no próprio sacrifício se encontra a mais bela e a mais valiosa das recompensas.

Toda a propriedade se apropria do proprietário.

Toda a prova da existência de Deus o rebaixa a nosso próprio nível.

Toda a vida bem vivida, harmoniosamente vivida, vivida sem faltas, sem manchas, com felicidade, com serenidade, é uma vida medíocre. Tudo o que passe do medíocre tem em si o excesso e o erro.

Toda a vida quotidiana, toda a vida material, um dia deve ser inteiramente grátis. (…) O que ainda o menino imperador tem que fazer é abrir as cadeias, soltar todos os presos, e ter a certeza de que daí por diante, sendo o menino livre e sendo a vida gratuita, nunca mais se poderá contar, e ter medo, dessa figura terrível que não conseguem arredar, que é a figura do crime.

Todas as nossas escolas são escolas de guerra, pelo recrutamento, porque só queremos os mais aptos ou aqueles que julgamos mais aptos, pela disciplina do curso e do comportamento, e pelo nosso objectivo de, no final dos estudos, os repartirmos por armas.

Todo o concreto vem de imaginar.

Todo o esforço de manter a personalidade impede o vir a tê-la.

Todo o fim é contemporâneo de todo o princípio; só a nossos olhos vem depois.

Todo o homem é diferente de mim e único no Universo; não sou eu, por conseguinte, quem tem de reflectir por ele, não sou eu quem sabe o que é melhor para ele, não sou quem tem de lhe traçar o caminho; com ele só tenho o direito, que é ao mesmo tempo um dever: o de ajudar a ser ele próprio; como o dever essencial que tenho comigo é o de ser o que sou, por muito incómodo que tal seja, e tem sido, para mim mesmo e para os outros.

Todo o progresso tem como meta a entropia.

Tu podes, com certeza, conviver com os outros, mas nunca seres os outros. Eles podem ser muito bons, mas tu és sempre melhor porque és diferente e o único com as tuas características.

Tua inteligência te cumpre o fado; e pelo fado, se quiseres, te escapas à tua inteligência.

Tudo o que é interessante na vida deve ser sempre por opção. Não haver nada obrigado definido, porque é muito engraçado nós termos até o divertimento por obrigatório.

Tudo o que os outros me elogiam foi o fácil; foi o complicado e o misterioso tudo o que eles ignoram ou censuram.

Tudo vence uma vontade obstinada, todos os obstáculos abate o homem que integrou na sua vida o fim a atingir e que está disposto a todos os sacrifícios para cumprir a missão que a si próprio se impôs.

Um dia nada será de ninguém, pois todos acharão, por criadores, que têm tudo.

Um grande poeta não é uma construção de acaso, feita de blocos discordantes; a missão do crítico não está em inventar falhas que não existem, mas em encontrar o nexo íntimo, a espiritual cadeia de vértebras que liga e sustenta todas as fases, todas as produções da sua vida. Depois, é sempre de bom conselho verificar se as manchas da preparação se não encontram nas lentes do microscópio.

Um mundo arrumado é apenas o palco para o grande espectáculo, de que até hoje tivemos apenas um ou outro raro exemplo, da plena criação em todos os domínios, arte, ciência, filosofia, porventura vida também.

Um político não veio ao mundo para se satisfazer a si próprio: veio para se modelar, veio para se libertar do que lhe era inferior, e não representa num determinado campo senão o que devia ser feito por todos os homens, qualquer que seja a sua especialidade.

Uma aventura vale na medida em que é perigosa.

Uma boa definição de homem, para além de suas limitações físicas, seria a de que é um ser de embrionária liberdade, cujo dever, cujo destino e cuja justificação é o da liberdade plena; plena para ele, plena para os outros, plena para os animais, plena para ervas, plena talvez até para seixo e montanha.

Uma lista dos defeitos dos portugueses devia levar o político inteligente a elaborar projecto de sociedade em que eles passassem apenas a ser características, ou quem sabe se qualidades.

Uma pessoa fixada no presente, sem atender ao passado e ao futuro, fica naquela situação triste em que ficaram os gregos que nunca se livraram da presença do tempo e do espaço.

Vai sendo o que sejas até seres o que és, que é Deus sendo; e, cuidado, não te percas enquanto vais sendo.

Viver interessa mais que ter vivido; e a vida só é vida real quando sentimos fora de nós alguma coisa de diferente.