Agustina Bessa-Luís

Citações de Agustina Bessa-Luís

A amizade exige a cortesia. Não é como o amor, que, pela sua áurea mudança, se adapta à confidência e ao desembaraço narrativo.

A arte de oprimir os povos foi-se modificando. A ambição sofreu grandes alterações. Agora os homens usam de conteúdo cultural, violador de multidões na sua conduta; não é a força do braço nem o nome de família que alimentam o seu prestígio – é antes a energia duma convicção que se imponha pela utilidade que prometem.

A arte não pode ser política, nem sujeição social, nem glosa duma ideia que faz época; nem mesmo pode estar de qualquer forma aliada ao conceito «progresso». É algo mais. É o próprio alento humano para lá da morte de todas as quimeras, da fadiga de todas as perguntas sem solução.

A competição é só civilizadora enquanto estímulo; como pretexto de abater a concorrência, é uma contribuição para a barbárie.

A criança que é despojada da sua riqueza de convivencialidade incrementa a frustração do adulto de amanhã.

A crueldade é um dom, se corresponde a uma denúncia da cobardia no seu todo, mas é um vício se é a consagração da parcialidade. A vingança é uma parcialidade. A desmesura é parcialidade. A grandeza é o todo.

A cultura é o que identifica um povo com a sua finalidade.

A essência das coisas não está na filosofia, nem na política, nem em qualquer função intelectual. Está na reciprocidade do inconsciente que não encadeia só o que é humano, mas até o que é apenas vegetal ou inerte.

A existência do homem adulto não encerra senão monotonia. A paixão não procede das pessoas, mas de algo a que elas têm de obedecer para não cumprirem apenas uma vida sem impulso e sem fantasia.

A frivolidade é também uma forma de hipocrisia porque as pessoas não são aquilo. A pessoa, quanto mais frívola nos parece, mais esconde a sua natureza profunda.

A grandeza dum espírito está na pluralidade e plenitude da sua sensibilidade. Todo o vasto espírito é sempre um tanto santo e outro tanto demoníaco. Todo o artista exagera ou dilui, aviva ou simplifica.

A guerra é apetecível. Não me venham dizer que a guerra é obra de generais e de caudilhos. A multidão sabe perfeitamente que vai para uma orgia.

A infância vive a realidade da única forma honesta, que é tomando-a como uma fantasia.

A intimidade excessiva desencadeia a hostilidade.

A leitura responsabiliza muito menos que a palestra; e esta menos do que a imagem. Na imagem aparece a lógica do conteúdo com mais intensidade.

A melhor impressão que a poesia nos pode dar é esta: ficar de coração vagabundo, deixando a vareja estalar na janela as asas grossas, e não dar por isso, como um cão surdo.

A melhor prova duma real amizade está em evitar os compromissos entre aqueles que se estimam.

A moral consta duma certa dose de cortesia para parecermos bons.

A mulher e o poder é uma má mistura; torna-as rancorosas e briguentas.

A mulher, até pelo seu grande poder de insignificância, é muito menos vulnerável que o homem.

A paz não tem figura nem desejo absoluto; viver em paz não é viver; (…) a paz é um absurdo, como a realidade concreta é um absurdo que é preciso recriar para que se torne afecto do homem, obra sua.

A rapidez que as pessoas imprimem às suas vidas faz com que simplifiquem a realidade e fabriquem o que se chama a «personalidade do momento». Sobretudo nos políticos e homens à escala governativa, isso exprime-se por manifestações impulsivas, peculiares a cada hora, vinculadas às situações proteiformes.

A razão é como a mulher honestíssima e sem parentes, que em tudo está falta de auxílio e de liberdade.

A sabedoria seduz mais do que a mulher; até porque mais depressa se atinge a sabedoria, do que se encontra uma mulher perfeita.

A sociedade prosseguirá em estado de violência, porque o homem não prescinde da sua enfermidade moral que é achar-se inútil num mundo que não criou.

A solidão, quando é vivida na infância em completa disponibilidade, sem constrangimento, como um estado semelhante ao do primeiro homem e da primeira mulher, tem tendência a tornar-se crónica.

Acabarei como aquele que disse que pouco louvou na vida e se arrepende de não ter louvado ainda menos.

Animais – eles são a medida da nossa paz com o mundo criado; eles são um dado de consolação porque não mudam para como quem tanto muda como nós, humanos.

Ao longo da minha experiência foi-me dado observar o comportamento das pessoas, e com isso fiz romances. Eles ficam, no entanto, muito aquém do que aconteceu, porque há uma coisa que se chama a timidez da alma, e o que nos é revelado pode ser-nos proibido também.

As cidades não são pátrias. É na província que se encontra o carácter e a mística duma nação, e os grandes escritores deixam-se amarrar ao espírito das terras nulas e sensatas a que extraem um brilho que a pedra polida da capital não tem.

As coisas simples são indissolúveis. Não havendo nelas contradição, a tendência é para serem duráveis.

As guerras não surgem por motivos económicos ou passionais. É uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo interior isolada do mundo exterior.

As mais belas civilizações tiveram um rápido declínio, exactamente porque elas foram demasiado longe na dissimulação.

As palavras não significam nada se não forem recebidas como um eco da vontade de quem as ouve.

As primeiras impressões não são decisivas. Às vezes são fatais mas não decisivas.

As revoluções só se detêm com as guerras. As nações, cada vez mais enredadas nas suas embaraçosas decisões, hão-de por fim querer sair delas através dum risco cego, duma experiência que pareça resumir a verdade conjuntural.

Casamento – é muito difícil conhecer uma pessoa com quem se vive muito próximo, porque há um fenómeno de desfocagem, porque se está tão próximo não há uma perspectiva para conhecer, só para amar.

Cólera – liberta o coração para razões que prolongam o desejo de viver. Quem não se encoleriza acaba por pedir socorro por meio de doenças, obsessões e livros de viagens.

Como artista, tenho que crer que não há ideias irrefutáveis. A Inteligência sempre se contradiz. O homem de espírito é um eterno devir, a negação das ideias irremovíveis. Se eu julgasse as minhas ideias nítidas e categóricas, faria testamento delas, e, depois, deitar-me-ia entre círios, para morrer.

Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito, ainda que a obra, relativa à nossa exigência, nos pareça medíocre.

Demasiada lucidez é culpada num mundo de cegos, que com a cegueira se contemplam sem desastre de maior.

Disciplinar os povos é sempre a ilusão frenética dos grandes revolucionários. Falham continuamente. Não se dominam as energias sociais do mundo senão na medida em que elas tendem a uma rotina que, por sua vez, deixe tranquila a «espontaneidade negativa» do homem.

Dizem mal de tudo com uma insinceridade genial. Os Portugueses são a gente mais insincera que há. Por isso são raramente grandes artistas.

É extraordinário como nos tornamos violentos quando queremos agradar ao mundo. Agradar ao mundo resume o comportamento da sociedade nos seus aspectos mais retóricos.

Em toda a pergunta há uma ociosidade. Quem pergunta, esconde alguma coisa; quem muito fala, esconde o coração dos curiosos e despede-os com entretenimentos de vozes.

Em todos os grandes vencedores e nos que amam o poder encontra-se a seriedade que se explica por uma sobriedade de desejos. A aspiração mata o desejo. E a aspiração é um dos pontos cardeais do poder.

Entre a obra de arte e a crítica há um abismo, porque a crítica é inteligência, e a obra é, mais ou menos esquivado ou completado, o impossível.

Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração.

Escrevo para desiludir com mérito, que é a maneira de se fazer lembrar com virtude.

Eu acho que não há inteligência sem coração. A inteligência é um dom, é-nos concedida, mas o coração tem que a suportar humildemente, senão é perfeitamente votado às trevas.

Eu admiro os grandes parados. Em geral são pessoas de grande perspicácia. O movimento produz calor, mas não aguça a inteligência.

Eu digo-lhes o que é a marca dos vencedores: uma solidão moderada e moderada procura de prazeres e de louvores.

Fim – o que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa.

Goza de alegria o que não encontra no mundo atractivo maior do que a virtude desconhecida.

Há três maneiras de viver numa civilização: com as convicções partidárias, com o julgamento dinâmico do homem livre, ou com os impulsos do coração. Todas elas podem ser honrosas ou infames; depende da inspiração que sofrem umas das outras. Pois nada é completamente necessário senão na medida em que depende duma outra realidade.

Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida – e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar a sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus.

Mãe: profundamente cumpridora e formal, nas suas relações com os seus filhos, na sua relação com a casa e com o lar, sempre presente e movida do bem-estar material, mas com um certo puritanismo, talvez até um pouco incómodo. Um puritano quer dizer um rebelde que se ignora.

Mas o que são os vaidosos senão os que temem a sua nudez? Os que evitam o retrato da alma para não lhes descobrir tormento e debilidade?

Na experiência humana não há unidade, tudo são esforços inéditos; só que muito frequentemente o fracasso os torna iguais entre si.

Na nossa sociedade, que se entende por permissiva, não há afinal homens exemplares. Há só leis que substituem o exemplo; há só alíneas morais que estão em vez dos actos reais e da sua humanidade.

Na sabedoria há qualquer coisa de estéril.

Nada se aprende das recordações; são um manjar frio que só os gulosos devoram.

Nada, na natureza, sofre; só suporta. Desse modo, a natureza comporta-se politicamente. Será justo imitá-la de vez em quando.

Não é difícil o sucesso político se tivermos em conta que é uma área pouco cobiçada e onde não há adversários muito convictos.

Não há exemplo duma ideia que, por excelente que seja, se desenvolva ao nível do quotidiano. Sofre de toda a espécie de mutações antes de entrar na carreira do lugar-comum, que é onde acabam todas as grandes ideias.

No fundo, agradece-se que não haja grandes governantes; eles trazem a ordem, portanto a proibição de escolha a uma consciência em estado de profunda reprovação. Um governante iluminado causa mais males do que duzentos que estejam pouco empenhados na felicidade humana.

Nós, as mulheres, o que nos faz amar um homem é aparentá-lo com tudo o que amamos – o tempo da crise, da puberdade, da gestação, do enigma; os primeiros rostos, as primeiras carícias, os primeiros medos.

O aforismo deve ser a última colheita do uso da vida, e não uma impertinência ou uma afronta.

O amor dos animais contém muito da desaprovação pelos seres humanos e é próprio dum melindroso estado de revolta que não encontrou a sua linguagem.

O amor é o invisível no habitual.

O fenómeno mais herético é o amor. Ele não é bem recebido nem tolerado porque é uma força sem desistência e que não se revoga a si mesma.

O homem de Deus é menino pela confiança e é adulto pelo reconhecimento da paz do coração.

O homem faz tentativas duma obra, a mulher opera sem necessidade de completar alguma coisa. Ela é um ser completo, princípio e fim, lugar, caso, dispersão do conflito em que a própria morte se descreve, se anuncia.

O humor é, nas pessoas, um elemento terrivelmente desconhecido. Pode unir um povo inteiro como o não fazem os costumes e a própria língua.

O humor ilude-nos como uma faísca num campo escuro. A verve um tanto imoderada, uma corrupção do sentimento que se faz galhofa, um medo de ganhar nome de suspeita virilidade. Quem não troça é beato ou é eunuco.

O importante é não perder o estilo, e, se possível, não perder o dinheiro também. Porque o estilo sem dinheiro é uma infiltração do mau gosto.

O medo faz as pessoas extravagantes, mas não as faz originais.

O mundo exige mais do que a média, para dar em troca menos do que é justo.

O mundo não precisa de originais, mas de criaturas livres para além de todas as possibilidades humanas.

O ódio do poder, o ódio duma civilização vitoriana ou outra qualquer, é ainda uma forma de reconhecer-lhe direitos. Não se empurra pelas escadas abaixo uma imagem e o seu santuário, sem estarmos a declarar-lhes a sua virtude feudal.

O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo.

O prazer da reflexão deriva duma condição que se presume essencialmente masculina, a da interrogação. O homem interroga, a mulher escolhe. Isto estabelece a mútua dependência dos sexos.

O privilégio de se ser uma vítima do nosso sentimento de superioridade, é difícil de suportar. Assusta muita gente, parece uma heresia em tempos como os nossos. E, no entanto, é fundamental, para que uma obra seja feita.

O que é um poeta, afinal? Uma intacta opressão da alma.

O saber precisa de ser visto com a idiotia que ele próprio comporta, com o jogo de certezas que uma época tem por inevitáveis mas não por permanente. Um mundo sem idiotas é um mundo saturado de falsa dignidade.

O ser civilizado é uma aberração. É perverso.

O trabalho não é uma vocação, é uma inspiração. Para manter essa inspiração é preciso um espaço de criação, não só para o artista profissional como para o indivíduo em geral.

O viver multipolar entre o que se ama e o que nos comove, alimenta a vontade de sermos nós próprios sem afectar o amor do próximo.

Os escritores para crianças ou são chatos ou corruptores. De resto, só escreve expressamente para crianças quem não sabe fazer outra coisa.

Os homens têm necessidade da culpa porque ela funciona como um excitante para criar. Têm que criar as excitações da culpa. Têm que ser criminosos. É tão simples como isso.

Os maiores revolucionários foram conservadores em coisas de arte, e os maiores artistas foram quietistas em assuntos políticos. Entende-se por isto que no revolucionário há uma nostalgia do consumado, e no artista há um cepticismo da realização.

Os povos em busca de originalidade não existem; existem os funcionários da inteligência que julgam ir ao encontro das aspirações dos povos dando-lhes uma dimensão excepcional.

Os tempos são ligeiros e nós pesados, porque nos sobram recordações. Quem se alimenta delas sofre e descuida as alegrias, mesmo que sejam rápidas e se escondam da nossa razão.

Para se remeter ao extraordinário, o homem tem que criar a sua própria solidão repartida com os outros homens.

Parte da originalidade dum escritor depende das fontes dos seus plágios. É preciso dominá-las bem para poder usá-las da maneira mais convincente.

Pode-se não recordar os insultos; mas guarda-se deles um amargo de experiência, feia como uma cicatriz. E isso envelhece a alma, torna-a ruinosa e inútil.

Politizar sem primeiro instruir provoca a intervenção do mais grosseiro rosto dos desejos humanos. Aparece a cupidez e a insolência, e por aí adiante.

Quando alguém se entrega ao ofício de ensinar, com uma fé conspícua e soberana, acreditem que a desilusão vive nele, como as ondinas num lago, como no elemento que as criou.

Quase ninguém repara em ninguém. Em parte porque o espaço que nos circunda está cheio de chamadas, de perigos e de júbilos; o ser humano, longe do que se pensa, é o que menos se nota no mundo.

Que a extravagância não seja nada de prático é o que se acredita e se divulga. Mas, na verdade, trata-se duma virtude pela qual o homem prático, o autêntico, dará todo o sangue das suas veias.

Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a perfeição?

Quem faz a História de um país pertence-lhe para sempre, não pode ser repudiado por ele, não pode ser chamado um estranho.

Se há alguém que não se interessa pelos poetas, são as mulheres. As paixões que as palavras desencadeiam, isso as mulheres recebem no código que a poesia contém.

Se não há homens insubstituíveis, há palavras que são insubstituíveis. Elas, de resto, não exprimem nunca o conflito, mas o seu fantasma; e o fantasma duma realidade está subordinado à escolha estrita das palavras. Aí repousa o estrato da confiança humana.

Sendo que a vida humana é dominação organizada, e o princípio da realidade é adaptação a essa mesma dominação – há a rebeldia como actividade nobre.

Só se pode sentir a evidência das coisas até um certo ponto: além disso, ou nos rebaixamos ou nos aproximamos do sentimento superior que nos liberta. De facto, o verdadeiro estado de liberdade é o de ultrapassar a imaginação.

Toda a obra escrita é a expressão dum conhecimento limitado. Mas todo o conhecimento limitado está aberto a novas particularidades, até que se apresente a súbita vontade de não ir mais longe.

Um povo já não acredita nas promessas dos governantes, porque perdeu a vontade fanática que o levava a acreditar e a tecer razões para isso.

Uma nação não nasce de uma ideia nobre, embora esteja preparada para provar a sua nobreza em qualquer conjectura adversa aos seus direitos de justiça.

A amizade exige a cortesia. Não é como o amor, que, pela sua áurea mudança, se adapta à confidência e ao desembaraço narrativo.

A arte de oprimir os povos foi-se modificando. A ambição sofreu grandes alterações. Agora os homens usam de conteúdo cultural, violador de multidões na sua conduta; não é a força do braço nem o nome de família que alimentam o seu prestígio – é antes a energia duma convicção que se imponha pela utilidade que prometem.

A arte não pode ser política, nem sujeição social, nem glosa duma ideia que faz época; nem mesmo pode estar de qualquer forma aliada ao conceito «progresso». É algo mais. É o próprio alento humano para lá da morte de todas as quimeras, da fadiga de todas as perguntas sem solução.

A competição é só civilizadora enquanto estímulo; como pretexto de abater a concorrência, é uma contribuição para a barbárie.

A criança que é despojada da sua riqueza de convivencialidade incrementa a frustração do adulto de amanhã.

A crueldade é um dom, se corresponde a uma denúncia da cobardia no seu todo, mas é um vício se é a consagração da parcialidade. A vingança é uma parcialidade. A desmesura é parcialidade. A grandeza é o todo.

A cultura é o que identifica um povo com a sua finalidade.

A essência das coisas não está na filosofia, nem na política, nem em qualquer função intelectual. Está na reciprocidade do inconsciente que não encadeia só o que é humano, mas até o que é apenas vegetal ou inerte.

A existência do homem adulto não encerra senão monotonia. A paixão não procede das pessoas, mas de algo a que elas têm de obedecer para não cumprirem apenas uma vida sem impulso e sem fantasia.

A frivolidade é também uma forma de hipocrisia porque as pessoas não são aquilo. A pessoa, quanto mais frívola nos parece, mais esconde a sua natureza profunda.

A grandeza dum espírito está na pluralidade e plenitude da sua sensibilidade. Todo o vasto espírito é sempre um tanto santo e outro tanto demoníaco. Todo o artista exagera ou dilui, aviva ou simplifica.

A guerra é apetecível. Não me venham dizer que a guerra é obra de generais e de caudilhos. A multidão sabe perfeitamente que vai para uma orgia.

A infância vive a realidade da única forma honesta, que é tomando-a como uma fantasia.

A intimidade excessiva desencadeia a hostilidade.

A leitura responsabiliza muito menos que a palestra; e esta menos do que a imagem. Na imagem aparece a lógica do conteúdo com mais intensidade.

A melhor impressão que a poesia nos pode dar é esta: ficar de coração vagabundo, deixando a vareja estalar na janela as asas grossas, e não dar por isso, como um cão surdo.

A melhor prova duma real amizade está em evitar os compromissos entre aqueles que se estimam.

A moral consta duma certa dose de cortesia para parecermos bons.

A mulher e o poder é uma má mistura; torna-as rancorosas e briguentas.

A mulher, até pelo seu grande poder de insignificância, é muito menos vulnerável que o homem.

A paz não tem figura nem desejo absoluto; viver em paz não é viver; (…) a paz é um absurdo, como a realidade concreta é um absurdo que é preciso recriar para que se torne afecto do homem, obra sua.

A rapidez que as pessoas imprimem às suas vidas faz com que simplifiquem a realidade e fabriquem o que se chama a «personalidade do momento». Sobretudo nos políticos e homens à escala governativa, isso exprime-se por manifestações impulsivas, peculiares a cada hora, vinculadas às situações proteiformes.

A razão é como a mulher honestíssima e sem parentes, que em tudo está falta de auxílio e de liberdade.

A sabedoria seduz mais do que a mulher; até porque mais depressa se atinge a sabedoria, do que se encontra uma mulher perfeita.

A sociedade prosseguirá em estado de violência, porque o homem não prescinde da sua enfermidade moral que é achar-se inútil num mundo que não criou.

A solidão, quando é vivida na infância em completa disponibilidade, sem constrangimento, como um estado semelhante ao do primeiro homem e da primeira mulher, tem tendência a tornar-se crónica.

Acabarei como aquele que disse que pouco louvou na vida e se arrepende de não ter louvado ainda menos.

Animais – eles são a medida da nossa paz com o mundo criado; eles são um dado de consolação porque não mudam para como quem tanto muda como nós, humanos.

Ao longo da minha experiência foi-me dado observar o comportamento das pessoas, e com isso fiz romances. Eles ficam, no entanto, muito aquém do que aconteceu, porque há uma coisa que se chama a timidez da alma, e o que nos é revelado pode ser-nos proibido também.

As cidades não são pátrias. É na província que se encontra o carácter e a mística duma nação, e os grandes escritores deixam-se amarrar ao espírito das terras nulas e sensatas a que extraem um brilho que a pedra polida da capital não tem.

As coisas simples são indissolúveis. Não havendo nelas contradição, a tendência é para serem duráveis.

As guerras não surgem por motivos económicos ou passionais. É uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo interior isolada do mundo exterior.

As mais belas civilizações tiveram um rápido declínio, exactamente porque elas foram demasiado longe na dissimulação.

As palavras não significam nada se não forem recebidas como um eco da vontade de quem as ouve.

As primeiras impressões não são decisivas. Às vezes são fatais mas não decisivas.

As revoluções só se detêm com as guerras. As nações, cada vez mais enredadas nas suas embaraçosas decisões, hão-de por fim querer sair delas através dum risco cego, duma experiência que pareça resumir a verdade conjuntural.

Casamento – é muito difícil conhecer uma pessoa com quem se vive muito próximo, porque há um fenómeno de desfocagem, porque se está tão próximo não há uma perspectiva para conhecer, só para amar.

Cólera – liberta o coração para razões que prolongam o desejo de viver. Quem não se encoleriza acaba por pedir socorro por meio de doenças, obsessões e livros de viagens.

Como artista, tenho que crer que não há ideias irrefutáveis. A Inteligência sempre se contradiz. O homem de espírito é um eterno devir, a negação das ideias irremovíveis. Se eu julgasse as minhas ideias nítidas e categóricas, faria testamento delas, e, depois, deitar-me-ia entre círios, para morrer.

Custa tanto escrever um bom livro como um mau livro; mas só merece respeito a Arte que é em nós uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito, ainda que a obra, relativa à nossa exigência, nos pareça medíocre.

Demasiada lucidez é culpada num mundo de cegos, que com a cegueira se contemplam sem desastre de maior.

Disciplinar os povos é sempre a ilusão frenética dos grandes revolucionários. Falham continuamente. Não se dominam as energias sociais do mundo senão na medida em que elas tendem a uma rotina que, por sua vez, deixe tranquila a «espontaneidade negativa» do homem.

Dizem mal de tudo com uma insinceridade genial. Os Portugueses são a gente mais insincera que há. Por isso são raramente grandes artistas.

É extraordinário como nos tornamos violentos quando queremos agradar ao mundo. Agradar ao mundo resume o comportamento da sociedade nos seus aspectos mais retóricos.

Em toda a pergunta há uma ociosidade. Quem pergunta, esconde alguma coisa; quem muito fala, esconde o coração dos curiosos e despede-os com entretenimentos de vozes.

Em todos os grandes vencedores e nos que amam o poder encontra-se a seriedade que se explica por uma sobriedade de desejos. A aspiração mata o desejo. E a aspiração é um dos pontos cardeais do poder.

Entre a obra de arte e a crítica há um abismo, porque a crítica é inteligência, e a obra é, mais ou menos esquivado ou completado, o impossível.

Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração.

Escrevo para desiludir com mérito, que é a maneira de se fazer lembrar com virtude.

Eu acho que não há inteligência sem coração. A inteligência é um dom, é-nos concedida, mas o coração tem que a suportar humildemente, senão é perfeitamente votado às trevas.

Eu admiro os grandes parados. Em geral são pessoas de grande perspicácia. O movimento produz calor, mas não aguça a inteligência.

Eu digo-lhes o que é a marca dos vencedores: uma solidão moderada e moderada procura de prazeres e de louvores.

Fim – o que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa.

Goza de alegria o que não encontra no mundo atractivo maior do que a virtude desconhecida.

Há três maneiras de viver numa civilização: com as convicções partidárias, com o julgamento dinâmico do homem livre, ou com os impulsos do coração. Todas elas podem ser honrosas ou infames; depende da inspiração que sofrem umas das outras. Pois nada é completamente necessário senão na medida em que depende duma outra realidade.

Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida – e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar a sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus.

Mãe: profundamente cumpridora e formal, nas suas relações com os seus filhos, na sua relação com a casa e com o lar, sempre presente e movida do bem-estar material, mas com um certo puritanismo, talvez até um pouco incómodo. Um puritano quer dizer um rebelde que se ignora.

Mas o que são os vaidosos senão os que temem a sua nudez? Os que evitam o retrato da alma para não lhes descobrir tormento e debilidade?

Na experiência humana não há unidade, tudo são esforços inéditos; só que muito frequentemente o fracasso os torna iguais entre si.

Na nossa sociedade, que se entende por permissiva, não há afinal homens exemplares. Há só leis que substituem o exemplo; há só alíneas morais que estão em vez dos actos reais e da sua humanidade.

Na sabedoria há qualquer coisa de estéril.

Nada se aprende das recordações; são um manjar frio que só os gulosos devoram.

Nada, na natureza, sofre; só suporta. Desse modo, a natureza comporta-se politicamente. Será justo imitá-la de vez em quando.

Não é difícil o sucesso político se tivermos em conta que é uma área pouco cobiçada e onde não há adversários muito convictos.

Não há exemplo duma ideia que, por excelente que seja, se desenvolva ao nível do quotidiano. Sofre de toda a espécie de mutações antes de entrar na carreira do lugar-comum, que é onde acabam todas as grandes ideias.

No fundo, agradece-se que não haja grandes governantes; eles trazem a ordem, portanto a proibição de escolha a uma consciência em estado de profunda reprovação. Um governante iluminado causa mais males do que duzentos que estejam pouco empenhados na felicidade humana.

Nós, as mulheres, o que nos faz amar um homem é aparentá-lo com tudo o que amamos – o tempo da crise, da puberdade, da gestação, do enigma; os primeiros rostos, as primeiras carícias, os primeiros medos.

O aforismo deve ser a última colheita do uso da vida, e não uma impertinência ou uma afronta.

O amor dos animais contém muito da desaprovação pelos seres humanos e é próprio dum melindroso estado de revolta que não encontrou a sua linguagem.

O amor é o invisível no habitual.

O fenómeno mais herético é o amor. Ele não é bem recebido nem tolerado porque é uma força sem desistência e que não se revoga a si mesma.

O homem de Deus é menino pela confiança e é adulto pelo reconhecimento da paz do coração.

O homem faz tentativas duma obra, a mulher opera sem necessidade de completar alguma coisa. Ela é um ser completo, princípio e fim, lugar, caso, dispersão do conflito em que a própria morte se descreve, se anuncia.

O humor é, nas pessoas, um elemento terrivelmente desconhecido. Pode unir um povo inteiro como o não fazem os costumes e a própria língua.

O humor ilude-nos como uma faísca num campo escuro. A verve um tanto imoderada, uma corrupção do sentimento que se faz galhofa, um medo de ganhar nome de suspeita virilidade. Quem não troça é beato ou é eunuco.

O importante é não perder o estilo, e, se possível, não perder o dinheiro também. Porque o estilo sem dinheiro é uma infiltração do mau gosto.

O medo faz as pessoas extravagantes, mas não as faz originais.

O mundo exige mais do que a média, para dar em troca menos do que é justo.

O mundo não precisa de originais, mas de criaturas livres para além de todas as possibilidades humanas.

O ódio do poder, o ódio duma civilização vitoriana ou outra qualquer, é ainda uma forma de reconhecer-lhe direitos. Não se empurra pelas escadas abaixo uma imagem e o seu santuário, sem estarmos a declarar-lhes a sua virtude feudal.

O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo.

O prazer da reflexão deriva duma condição que se presume essencialmente masculina, a da interrogação. O homem interroga, a mulher escolhe. Isto estabelece a mútua dependência dos sexos.

O privilégio de se ser uma vítima do nosso sentimento de superioridade, é difícil de suportar. Assusta muita gente, parece uma heresia em tempos como os nossos. E, no entanto, é fundamental, para que uma obra seja feita.

O que é um poeta, afinal? Uma intacta opressão da alma.

O saber precisa de ser visto com a idiotia que ele próprio comporta, com o jogo de certezas que uma época tem por inevitáveis mas não por permanente. Um mundo sem idiotas é um mundo saturado de falsa dignidade.

O ser civilizado é uma aberração. É perverso.

O trabalho não é uma vocação, é uma inspiração. Para manter essa inspiração é preciso um espaço de criação, não só para o artista profissional como para o indivíduo em geral.

O viver multipolar entre o que se ama e o que nos comove, alimenta a vontade de sermos nós próprios sem afectar o amor do próximo.

Os escritores para crianças ou são chatos ou corruptores. De resto, só escreve expressamente para crianças quem não sabe fazer outra coisa.

Os homens têm necessidade da culpa porque ela funciona como um excitante para criar. Têm que criar as excitações da culpa. Têm que ser criminosos. É tão simples como isso.

Os maiores revolucionários foram conservadores em coisas de arte, e os maiores artistas foram quietistas em assuntos políticos. Entende-se por isto que no revolucionário há uma nostalgia do consumado, e no artista há um cepticismo da realização.

Os povos em busca de originalidade não existem; existem os funcionários da inteligência que julgam ir ao encontro das aspirações dos povos dando-lhes uma dimensão excepcional.

Os tempos são ligeiros e nós pesados, porque nos sobram recordações. Quem se alimenta delas sofre e descuida as alegrias, mesmo que sejam rápidas e se escondam da nossa razão.

Para se remeter ao extraordinário, o homem tem que criar a sua própria solidão repartida com os outros homens.

Parte da originalidade dum escritor depende das fontes dos seus plágios. É preciso dominá-las bem para poder usá-las da maneira mais convincente.

Pode-se não recordar os insultos; mas guarda-se deles um amargo de experiência, feia como uma cicatriz. E isso envelhece a alma, torna-a ruinosa e inútil.

Politizar sem primeiro instruir provoca a intervenção do mais grosseiro rosto dos desejos humanos. Aparece a cupidez e a insolência, e por aí adiante.

Quando alguém se entrega ao ofício de ensinar, com uma fé conspícua e soberana, acreditem que a desilusão vive nele, como as ondinas num lago, como no elemento que as criou.

Quase ninguém repara em ninguém. Em parte porque o espaço que nos circunda está cheio de chamadas, de perigos e de júbilos; o ser humano, longe do que se pensa, é o que menos se nota no mundo.

Que a extravagância não seja nada de prático é o que se acredita e se divulga. Mas, na verdade, trata-se duma virtude pela qual o homem prático, o autêntico, dará todo o sangue das suas veias.

Que é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos convencem mais do que a perfeição?

Quem faz a História de um país pertence-lhe para sempre, não pode ser repudiado por ele, não pode ser chamado um estranho.

Se há alguém que não se interessa pelos poetas, são as mulheres. As paixões que as palavras desencadeiam, isso as mulheres recebem no código que a poesia contém.

Se não há homens insubstituíveis, há palavras que são insubstituíveis. Elas, de resto, não exprimem nunca o conflito, mas o seu fantasma; e o fantasma duma realidade está subordinado à escolha estrita das palavras. Aí repousa o estrato da confiança humana.

Sendo que a vida humana é dominação organizada, e o princípio da realidade é adaptação a essa mesma dominação – há a rebeldia como actividade nobre.

Só se pode sentir a evidência das coisas até um certo ponto: além disso, ou nos rebaixamos ou nos aproximamos do sentimento superior que nos liberta. De facto, o verdadeiro estado de liberdade é o de ultrapassar a imaginação.

Toda a obra escrita é a expressão dum conhecimento limitado. Mas todo o conhecimento limitado está aberto a novas particularidades, até que se apresente a súbita vontade de não ir mais longe.

Um povo já não acredita nas promessas dos governantes, porque perdeu a vontade fanática que o levava a acreditar e a tecer razões para isso.

Uma nação não nasce de uma ideia nobre, embora esteja preparada para provar a sua nobreza em qualquer conjectura adversa aos seus direitos de justiça.

Uma nação não nasce duma ideia. Nasce dum contrato de homens livres que se inspiram nas insubmissões necessárias ao ministério dos povos sobre os seus infortúnios.