Fernando Pessoa

Citações de Fernando Pessoa

A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação.

A arte é a auto-expressão lutando para ser absoluta.

A arte mente porque é social.

A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas. O pudor vale sobretudo para a sensibilidade como o obstáculo para a energia.

A bondade é a delicadeza das almas grosseiras.

A característica comum de todos os artistas representativos é que incluem todas as espécies de tendências e correntes.

A celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e enfraquece.

A certeza – isto é, a confiança no carácter objectivo das nossas percepções, e na conformidade das nossas ideias com a «realidade» ou a «verdade» – é um sintoma de ignorância ou de loucura. O homem mentalmente são não está certo de nada, isto é, vive numa incerteza mental constante; quer dizer, numa instabilidade mental permanente; e, como a instabilidade mental permanente é um sintoma mórbido, o homem são é um homem doente.

A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são. O essencial na arte é exprimir; o que se exprime não tem importância.

A ciência é o querer adaptar o menor sonho ao maior.

A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro. Manufacturamos realidades.

A civilização é a criação de estímulos em excesso constantemente progressivo sobre a nossa capacidade de reacção a eles. A civilização é pois a tendência para a morte pelo desequilíbrio.

A coerência, a convicção, a certeza são demonstrações evidentes – quantas vezes escusadas – de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.

A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes – brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias – que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.

A consciência é o maior prodígio da inconsciência.

A coragem que vence o medo tem mais elementos de grandeza que aquela que o não tem. Uma começa interiormente; outra é puramente exterior. A última faz frente ao perigo; a primeira faz frente, antes de tudo, ao próprio temor dentro da sua alma.

A delicadeza deve concluir-se, e não ver-se. (…) A grosseria só começa quando começa a delicadeza; e o impudor desde que o pudor exista.

A diferença entre Deus e nós deve ser não de atributos, mas da própria essência do ser. Ora tudo é o que é. Portanto Deus é não só o que é mas também o que não é. Confunde-nos de Si com isso.

A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz.

A essência do progresso é decadência. Progredir é morrer, porque viver é morrer.

A experiência directa é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação. Os homens de acção são os escravos dos homens de entendimento. As coisas não valem senão na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que os outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas. Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.

A fé é o instinto da acção.

A felicidade está fora da felicidade.

A filosofia é a lucidez intelectual chegando à loucura.

A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar.

A fome só se satisfaz com a comida e a fome de imortalidade da alma com a própria imortalidade. Ambas são verdadeiros instintos.

A força sem a destreza é uma simples massa.

A ignorância é a verdadeira inocência. O maior pensador é o maior debochado.

A inspiração poética é um delírio equilibrado (mas sempre «um delírio»).

A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente.

A justiça é para a bondade como a castidade para a timidez sexual.

A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. Talhar a obra literária sobre as próprias formas do que não basta é ser impotente para substituir a vida.

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.

A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito.

A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.

A meio caminho entre a fé e a crítica está a estalagem da razão. A razão é a fé no que se pode compreender sem fé; mas é uma fé ainda, porque compreender envolve pressupor que há qualquer coisa compreensível.

A memória é a consciência inserida no tempo.

A minha vida é como se me batessem com ela.

A moral desinteressada, pela moral só, é misticismo, não é natural nem normal.

A natureza é a diferença entre a alma e Deus.

A obra de arte é primeiro obra, depois obra de arte.

A obra de arte, fundamentalmente, consiste numa interpretação objectivada de uma impressão subjectiva. Difere, assim, da ciência que é uma interpretação subjectivada de uma impressão objectiva, e da filosofia, que é, ou procura ser, uma interpretação objectivada de uma impressão objectiva.

A percepção é o pensamento do pensamento alheio.

A poesia é a emoção expressa em ritmo através do pensamento, como a música é essa mesma expressão, mas directa, sem o intermédio da ideia.

A renúncia é a libertação. Não querer é poder.

A sensibilidade conduz normalmente à acção, o entendimento à contemplação.

A sinceridade é o grande obstáculo que o artista tem a vencer. Só uma longa disciplina, uma aprendizagem de não sentir senão literariamente as coisas, podem levar o espírito a esta culminância.

A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrência intermitentes. Cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes.

A solidão desola-me; a companhia oprime-me.

A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção.

A timidez é o mais vulgar de todos os fenómenos. O que há de mais vulgar em todos nós é termos medo de sermos ridículos…

A tolerância é falha da falta de fé. Crer é não distinguir.

A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.

A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova.

A única vantagem de estudar é gozar o quanto os outros não disseram.

A vaidade é a confiança no «efeito» do nosso valor, o orgulho a confiança em que temos valor.

A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final.

A vida é cousa tão séria, os seus problemas são tão graves, que a ninguém assiste o direito de rir. Quem ri é estúpido – de momento, pelo menos. A alegria é a forma comunicativa da estupidez.

A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.

A vida é um mal digno de ser gozado.

A vida prejudica a expressão da vida. Se eu vivesse um grande amor nunca o poderia contar.

A visão é o tacto do espírito.

A volúpia do ódio não pode igualar-se à volúpia de ser odiado.

A voluptuosidade de fazer justiça a um adversário.

Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?

Alague o seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.

Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.

Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).

Amor não se conjuga no passado, ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente.

Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.

As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.

As ideias são prodigiosas – elas e a maneira como se associam. Num momento, descobrimos que atravessámos o mundo, e que transpusemos o infinito entre dois pensamentos.

As nações são todas mistérios. Cada uma é todo o mundo a sós.

Assim como lavamos o corpo devíamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa.

Benditos os que não confiam a vida a ninguém.

Busco-me e não me encontro. Pertenço a horas crisântemos, nítidas em alongamentos de jarros. Deus fez da minha alma uma coisa decorativa.

Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual.

Cansa tanto viver! Se houvesse outro modo de vida!

Citar é ser injusto. Enumerar é esquecer. Não quero esquecer ninguém de quem não me lembre.

Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?

Como em todo o homem existem as qualidades universais da humanidade toda em baixo grau que seja, todos são até certo ponto orgulhosos e até certo ponto vaidosos.

Compreendo que um homem seja orgulhoso; não compreendo que mostre sê-lo.

Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue.

Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer – eu sou eu ?

Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria.

Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam dessa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida.

Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu sinta excessivamente – perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e me despersonaliza.

Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror.

Criador de anarquias sempre me pareceu o papel digno de um intelectual – dado que a inteligência desintegra e a análise estiola.

Cultura não é ler muito, nem saber muito; é conhecer muito.

Custa tanto ser sincero quando se é inteligente! É como ser honesto quando se é ambicioso.

Dar a cada emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma.

Dar bons conselhos é insultar a faculdade de errar que Deus deu aos outros. E, de mais a mais, os actos alheios devem ter a vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça conselhos aos outros para saber bem, ao agir ao contrário, que somos bem nós, bem em desacordo com a Outragem.

De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.

Definir o belo é não o compreender.

Desceu sobre nós a mais profunda e a mais mortal das secas dos séculos – a do conhecimento íntimo da vacuidade de todos os esforços e da vaidade de todos os propósitos.

Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos?

Desde o momento em que nos sentimos consciência-criadora-do-universo, sentimo-nos Deus.

Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade.

Despreza tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso.

Deus é o existirmos e isto não ser tudo.

Deus é o Seu melhor gracejo.

Deus é um conceito económico. À sua sombra fazem a sua burocracia metafísica os padres das religiões todas.

Digo-vos: praticai o bem. Porquê? O que ganhais com isso? Nada, não ganhais nada. Nem dinheiro, nem amor, nem respeito, nem talvez paz de espírito. Talvez não ganheis nada disso. Então por que vos digo: Praticai o bem? Porque não ganhais nada com isso. Vale a pena praticá-lo por isto mesmo.

Dizer uma cousa falha, não porque sugerir seja melhor, mas porque ser é melhor.

Do indivíduo temos que partir, ainda que seja para o abandonar.

Dois bons poemas não valem mais juntos do que o melhor dos dois.

Duvido, portanto penso.

E assim como sonho, raciocino se quiser, porque isso é apenas uma outra espécie de sonho.

É notável que toda a obra de fôlego, pelo qual um indivíduo se institui mestre na sua categoria, é, ao mesmo tempo, obra de emoção e de pensamento, contém tanto uma forma de arte como uma fórmula de filosofia.

Em certos casos, quanto mais nobre é o génio, menos nobre é o destino. Um pequeno génio ganha fama, um grande génio ganha descrédito, um génio ainda maior ganha desespero; um deus ganha crucificação.

Entre mim e a vida há um vidro ténue. por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida – umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Esperar pelo melhor e preparar-se para o pior: eis a regra.

Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.

Exteriorizar impressões é mais persuadirmo-nos de que as temos do que termo-las.

Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde.

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui.

Goethe diz, com verdade, que o Deus de cada homem é como esse homem; não será então o Deus do maior homem o maior Deus?

Gostava de estar no campo para poder gostar de estar na cidade.

Há dois processos de dominar ou vencer – captar e subjugar. Captar é o modo gregário de dominar ou vencer; subjugar é o modo antigregário de dominar ou vencer.

Há sensações que são sonos, que ocupam como uma névoa toda a extensão do espírito, que não deixam pensar, que não deixam agir, que não deixam claramente ser.

Há um cansaço da inteligência abstracta, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento e da emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar da alma.

Haja ou não deuses, deles somos servos.

Hei-de por força dizer o que me parece, visto que sou eu.

Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.

Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa para vencer.

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

Muitos não sabem propriamente distinguir a originalidade da excentricidade: uma caracteriza o génio, outra manifesta o louco.

Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiperexcitação.

Nada é, tudo se outra.

Nada há que tão notavelmente determine o auge de uma civilização, como o conhecimento, nos que a vivem, da esterilidade de todo o esforço, porque nos regem leis implacáveis, que nada revoga nem obstrui. Somos, porventura, servos algemados ao capricho de deuses, mais fortes porém não melhores que nós, subordinados, nós como eles, à regência férrea de um Destino abstracto, superior à justiça e à bondade, alheio ao bem e ao mal.

Nada revela mais uma incapacidade fundamental para o exercício do comércio que o hábito de concluir o que os outros querem sem estudar os outros, fechando-nos no gabinete da nossa própria cabeça.

Não criou Deus ao mundo, senão só ao mundo que criou.

Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do êxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: não fazer um esforço inútil, persistir no esforço até ao fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.

Não ensines nada, pois ainda tens tudo que aprender.

Não há critério seguro para distinguir o homem dos animais.

Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir.

Não há normas. Todos os homens são excepção a uma regra que não existe.

Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso, de altruísmo. Não há perigo desse excesso.

Não haver deuses é um deus também.

Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.

Não será a morte – até, talvez, fisiologicamente vista – uma espécie de nascimento – o nascimento, talvez, do que era incompleto numa forma completa ou pura?

Não sou assediado pela consciência, mas sim pela consciência do ser.

Não sou da altura que me vêem, mas sim da altura que os meus olhos podem ver.

Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.

Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita.

Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças.

Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento colectivo é estúpido porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo.

Ninguém entende ninguém. Tudo é interstício e acaso, mas está tudo certo.

Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas.

No teatro da vida quem tem o papel de sinceridade é quem, geralmente, mais bem vai no seu papel.

Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos – um poço fitando o céu.

Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.

Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.

Nunca tive dinheiro para poder ter tédio à vontade.

O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é.

O amor é uma amostra mortal da imortalidade.

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo.

O característico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo.

O catolicismo é uma religião da panaceia, como o ateísmo ou o livre pensamento é uma ilusão da farmácia.

O comerciante não tem personalidade, tem comércio; a sua personalidade deve estar subordinada como comerciante, ao seu comércio; e o seu comércio está fatalmente subordinado ao seu mercado, isto é, ao público que o fará comércio e não brincadeira de crianças com escritório e escrita.

O comércio é uma distribuição, centrífuga ou centrípeta, da produção material, ou indústria; e a cultura é uma distribuição, centrífuga ou centrípeta, da produção mental, ou arte. Os fenómenos são, pois, rigorosamente paralelos.

O dinheiro é belo, porque é a libertação.

O entusiasmo é uma grosseria.

O espírito é a inteligência concreta individualizada, tem a aparência e os gestos do génio. Por isso é que é tão fácil confundir grande espírito com génio positivo. O talento, por outro lado, está entre ambos e opõe-se por natureza a ambos.

O êxito está em ter êxito e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio senão o fizerem ali?

O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é libertar.

O génio é a insanidade tornada sã pela diluição no abstracto, como um veneno convertido em remédio mediante mistura.

O génio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.

O historiador é um homem que põe os factos nos seus devidos lugares. Não é como foi; é assim mesmo.

O homem é do tamanho do seu sonho.

O homem é um animal que quer existir.

O homem é um egoísmo mitigado por uma indolência. O animal é a mesma cousa.

O homem está acima do cidadão. Não há Estado que valha Shakespeare.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em acção.

O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar.

O inferno e o céu continuam a existir. São eternos. Quem os tira do céu tira-os para a terra.

O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo.

O mal está por toda a Terra e uma das suas formas é a felicidade.

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

O misticismo é apenas a forma mais complexa de se ser efeminado e decadente. O único lado útil da inutilidade.

O modo de encarar a vida, ou, pelo menos, certos aspectos da vida, varia de país para país, de região para região. A humanidade, sem dúvida, é a mesma em toda a parte. Sucede, porém, que em toda a parte é diferente.

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.

O mundo não é verdadeiro, mas é real.

O mundo tem o usufruto da realidade que pertence ao ser.

O nada sobrenatural do espírito.

O olfacto é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente.

O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros.

O pensamento ainda é a melhor maneira de fugir ao pensamento.

O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a acção sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.

O pensamento tem um vício. Cria um neologismo para o descrever – coisar.

O perfeito não se manifesta. O santo chora, e é humano. Deus está calado. Por isso podemos amar o santo mas não podemos amar a Deus.

O pessimismo é bom quando é fonte de energia.

O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente.

O poeta vale aquilo que vale o melhor dos seus poemas.

O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.

O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo.

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.

O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte do desenvolvimento superior dela – em segui-la pois mimeticamente com uma insubordinação inconsciente e feliz.

O sinal intelectual exterior da vaidade é a tendência à zombaria e ao rebaixamento dos outros. Só pode zombar e deleitar-se na confusão dos outros quem, instintivamente, se sente não vulnerável a semelhante zombaria e rebaixamento.

O sonho jovem do amor é muito velho.

O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o cepticismo não tem força para desconfiar.

O universo é o sonho de si mesmo.

O valor de uma obra de arte é tanto maior quanto é puramente artístico o meio de manifestar a ideia.

O valor essencial da arte está em ela ser o indício da passagem do homem no mundo, o resumo da sua experiência emotiva dele; e, como é pela emoção, e pelo pensamento que a emoção provoca, que o homem mais realmente vive na terra, a sua verdadeira experiência regista-a ele nos fastos das suas emoções e não na crónica do seu pensamento científico, ou nas histórias dos seus regentes e dos seus donos.

O verdadeiro sábio é aquele que assim se dispõe que os acontecimentos exteriores o alterem minimamente. Para isso precisa couraçar-se cercando-se de realidades mais próximas de si do que os factos, e através das quais os factos, alterados para de acordo com elas, lhe chegam.

O zero é a maior metáfora. O infinito a maior analogia. A existência o maior símbolo.

Obra suprema é aquela em que (a par, é certo, da rígida construção que assinala os mestres) pensamento original e emoção própria se reúnem e se fundem…

Odiamos o que quase somos.

Oportunidade, para o homem consciente e prático, é aquele fenómeno exterior que pode ser transformado em consequências vantajosas por meio de um isolamento nele, pela inteligência, de certo elemento ou elementos, e a coordenação, pela vontade, da utilização desse ou desses. Tudo o mais é herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada.

Os espíritos altamente analíticos vêem quase que só defeitos: quanto mais forte a lente mais imperfeita se mostra a cousa observada. O detalhe é sempre mau.

Os factos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente, existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por conveniência, aquele nome.

Os homens são fáceis de afastar. Basta não nos aproximarmos.

Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.

Os psiquiatras sabem (às vezes) como trabalha o espírito doente, mas não como trabalha o espírito são.

Os sonhos são como a tradução para uma língua de coisas intraduzíveis de outra; ou como a transposição para linguagem – forçosamente confusa ou complicada – de sentimentos vagos ou complexos, que a redacção normal não pode comportar.

Para cada filósofo, Deus é da sua opinião.

Para muitos a religião ainda é um culto do falo, desprimitivado já pela perversidade da consciência.

Para quem é guiado pelo sentimento, a solução de qualquer questão é fácil.

Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar.

Para vencer – material ou imaterialmente – três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte.

Pareço egoísta àqueles que, por um egoísmo absorvente, exigem a dedicação dos outros como um tributo.

Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela.

Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor.

Pensar é limitar. Raciocinar é excluir. Há muito que é bom pensar, porque há muito que é bom limitar e excluir.

Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.

Penso, muitas vezes, que não são os pensamentos que são demasiado profundos para as lágrimas, mas as lágrimas que são demasiado profundas para o pensamento.

Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia.

Podemos morrer se apenas amámos.

Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a vida, passa, mas a beleza com vida, que, como é beleza, não pode perecer.

Porque é bela a arte? Porque é inútil. Porque é feia a vida? Porque é toda fins e propósitos e intenções.

Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.

Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.

Primeiro sê livre; depois pede a liberdade.

Prouvera aos deuses, meu coração triste, que o Destino tivesse um sentido! Prouvera antes ao Destino que os deuses o tivessem!

Qualquer coisa se perdeu quando o Paraíso Perdido se ganhou.

Qualquer indivíduo é ao mesmo tempo indivíduo e humano: difere de todos os outros e parece-se com todos os outros.

Quando escrevo, visito-me solenemente.

Quando falo com sinceridade, não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe.

Quando puderes dizer o teu grande amor, deixa o teu grande amor de ser grande.

Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade.

Quanto mais universal o génio, tanto mais facilmente será aceite pela época imediatamente seguinte porque mais profunda será a sua crítica implícita da sua própria época.

Que a consciência da própria inimportância é o acume do conhecimento da vida.

Que homem de génio não é obcecado por um sentido de missão?

Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana! E que tragédia acreditar nela!

Quem escreve para obter o supérfluo como se escrevesse para obter o necessário, escreve ainda pior do que se para obter apenas o necessário escrevesse.

Quem não quiser sofrer que se isole. Feche as portas da sua alma quanto possível à luz do convívio.

Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma.

Quem sou eu para mim? Só uma sensação minha.

Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer.

Reduzir as necessidades ao mínimo, para que em nada dependamos de outrem.

Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista.

Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.

Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.

Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam o homem superior.

Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.

Se algum dia alguém deixasse de me achar ridículo, eu entristecia ao conhecer-me, por esse sinal objectivo, em decadência mental.

Se conhecêssemos a verdade, vê-la-íamos; tudo o mais é sistema e arrabaldes.

Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada.

Sê plural como o universo!

Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da inteligência que tem do que se julgar estúpido.

Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela.

Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias.

Sentir é estar distraído.

Sentir é existir a sós irreparavelmente. Pensar é existir com os deuses e com a substância visível e harmónica do mundo. Agir é existir com os homens e com a natureza criada.

Ser austero é não saber esconder que se tem pena de não ser amado. A moral é a má hipocrisia da inveja.

Ser compreendido é prostituir-se.

Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade, ou a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio.

Ser solitário para ser sincero e puro na alma. O homem ente colectivo – é um ser corrupto.

Sinto, por vezes, um temor espantado das minhas inspirações, dos meus pensamentos, compreendendo quão pouco de mim é meu.

Sinto-me nascido a cada momento. Para a eterna novidade do Mundo…

Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura.

Somos avatares da estupidez passada.

Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior.

Tão cansado de ter achado como de não ter achado. O fim e a soma do que somos, já o Pregador o disse: vaidade e aflição de ânimo.

Tem a arte, para nascer, que ser de um indivíduo; para não morrer, que ser como estranha a ele. Deve nascer no indivíduo per, que não em, o que ele tem de individual. No artista nato a sensibilidade, subjectiva e pessoal, é, ao sê-lo, objectiva e impessoal também.

Tem duas formas, ou modos, o que chamamos cultura. Não é a cultura senão o aperfeiçoamento subjectivo da vida. Esse aperfeiçoamento é directo ou indirecto; ao primeiro se chama arte, ciência ao segundo. Pela arte nos aperfeiçoamos a nós; pela ciência aperfeiçoamos em nós o nosso conceito, ou ilusão, do mundo.

Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.

Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido – tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma num facto, de a materializar e tornar exterior.

Ter opiniões é a melhor prova da incapacidade de as ter.

Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.

Toda a arte se baseia na sensibilidade, e essencialmente na sensibilidade. A sensibilidade é pessoal e intransmissível. Para se transmitir a outrem o que sentimos, e é isso que na arte buscamos fazer, temos que decompor a sensação, rejeitando nela o que é puramente pessoal, aproveitando nela o que, sem deixar de ser individual, é todavia susceptível de generalidade, portanto, compreensível, não direi já pela inteligência, mas ao menos pela sensibilidade dos outros.

Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que se não sente.

Toda a poesia – e a canção é uma poesia ajudada – reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.

Toda a sinceridade é uma intolerância. Não há liberais sinceros. De resto, não há liberais.

Todas as frases do livro da vida, se lidas até ao fim, terminam numa interrogação.

Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho morto.

Todo o gesto é um acto revolucionário.

Todo o homem de acção é essencialmente animado e optimista porque quem não sente é feliz.

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.

Todos os problemas são insolúveis. A essência de haver um problema é não haver solução. Procurar um facto significa não haver um facto. Pensar é não saber existir.

Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.

Torturamos os nossos irmãos homens com o ódio, o rancor, a mal­dade e depois dizemos «o mundo é mau».

Trabalhar com nobreza, esperar com sinceridade, enternecer-se com o homem – esta é a verdadeira filosofia.

Trazem-me a fé como um embrulho fechado numa salva alheia. Querem que o aceite para que não o abra.

Tudo é ousado para quem nada se atreve.

Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.

Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.

Tudo quanto fazemos, na arte ou na vida, é a cópia imperfeita do que pensámos em fazer. Desdiz não só da perfeição externa, senão da perfeição interna; falha não só à regra do que deveria ser, senão à regra do que julgávamos que poderia ser. Somos ocos não só por dentro, senão também por fora, párias da antecipação e da promessa.

Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.

Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.

Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo.

Tudo que se passa no onde vivemos é em nós que se passa. Tudo que cessa no que vemos é em nós que cessa.

Um dos aspectos da desigualdade é a singularidade – isto é, não o ser este homem mais, neste ou naquele característico, que outros homens, mas o ser tão-somente diferente deles.

Um homem de génio é produzido por um conjunto complexo de circunstâncias, começando pelas hereditárias, passando pelas do ambiente e acabando em episódios mínimos de sorte.

Um paradoxo tem valor só quando o não é.

Um tipo frustrado é um homem demasiado inteligente para ser um homem meramente inteligente e não bastante inteligente para ser um homem de talento.

Uma das formas de saúde é a doença. Um homem perfeito, se existisse, seria o ser mais anormal que se poderia encontrar.

Uma espécie de anteneurose do que serei quando já não for gela-me o corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me dentro.

Uma família não é um grupo de parentes; é mais do que a afinidade do sangue, deve ser também uma afinidade de temperamento. Um homem de génio muitas vezes não tem família. Tem parentes.

Uma interpretação irónica da vida, uma aceitação indiferente das cousas, são o melhor remédio para o sofrimento, posto que o não sejam para as razões que há para sofrer.

Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar.

Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente, por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte.

Ver será sempre a melhor metáfora de conhecer.

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.

Viver não é necessário. Necessário é criar.

Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.


Dados Biográficos de Fernando Pessoa

Profissão: Escritor, Poeta, Filósofo
Nacionalidade: Portuguesa
Nascimento: 13 de Junho de 1888, Lisboa
Morte: 30 de Novembro de 1935, Lisboa