Manoel de Oliveira

Citações de Manoel de Oliveira

A arte é especial. Há uma só lei: o tempo. O tempo é o grande juiz, é o grande juiz de tudo.

A boa-fé é muito perigosa, é uma abertura a todo o tipo de vigarices. Por boa-fé, a gente confia, e o finório aproveita-se sempre dessa circunstância.

A crítica é indispensável. Mais importante ainda é um complemento. Por isso, o filme só está acabado depois de ser visto. Por algum público e de preferência pelos críticos. São eles que vão acabar o filme. Como há muito de inconsciente no trabalho de um artista, é o crítico que vai buscar esse lado, de que o artista nem se deu conta.

A imagem é uma coisa muito concreta, mas serve para mostrar coisas imateriais. Veem-se fantasmas, personagens que deixaram de existir, que talvez já estejam mortas, mas que têm ali uma aparência de corpos concretos. (…) O cinema é um fantasma da vida que não nos deixa senão uma coisa sensível, concreta: as emoções.

A juventude é um tempo extraordinário em que as pessoas desconhecem que estão verdadeiramente a viver. Só com o passar dos anos é que nos apercebemos dos momentos extraordinários já vividos.

A memória é muito caprichosa, fixa umas coisas e não fixa outras. Fixa uma coisa que aparentemente não vale nada e esquece uma coisa que é muito forte. O que retemos na memória é aquilo que o capricho dela reteve, não aquilo que a gente quis reter. Outras vezes há passagens de que a gente não gostaria de falar. Há sempre um segredo, cada um tem um segredo, qualquer coisa que não gosta de ver revelado.

A nossa memória está nos livros, nas pinturas e nos filmes. Dizia Arturo Ripstein, um realizador mexicano, que os governos deviam ajudar os realizadores não por favor mas por obrigação, porque o cinema é o espelho da vida, não temos outro.

A paixão é uma perturbação, o amor é real, é absoluto, é uma coisa estranha. A paixão dá sempre força a um lado, ou é da mulher ou é do homem. O desejo é fazer dos dois, um.

A política é uma coisa que tem de interessar as pessoas, porque nós vivemos debaixo dela, portanto estamos interessados na acção dela: que não nos incomode, que não nos perturbe, que não nos chateie…

A santidade está ligada ao sentido verdadeiro de liberdade, é o desprendimento total das coisas terrenas. Agora, se está preso pelo dinheiro, por uma paixão, pelo desejo de uma mulher, por isto, por aquilo, anda sempre agarrado a esta porcaria que é o campo terreno.

A televisão é diferente. A televisão é pública e o cinema é cativo, privado. A televisão pode passar o cinema ou uma peça de teatro, mas a sua função é pública, é mostrar os acontecimentos que correm, como um jornal, quase.

A televisão, que mostra sobretudo pornografia, ou violência, tiros, “mata e esfola”. As mulheres trabalham e não estão ao lado dos filhos que ficam, sozinhos, a ver televisão. Hoje em dia há uma perda enorme de valores.

A vida é uma derrota. A gente vive na derrota. Nasce contra vontade, e não é senhor do seu destino.

A vida não mudou absolutamente nada, é exactamente aquilo que era antes. O que evoluiu, que tem evoluído, e muito, é o progresso. O progresso é que evoluiu extraordinariamente.

As conquistas mais importantes, depois da Segunda Guerra Mundial, são as trágicas, as que destroem a natureza. Essa porcaria dos transgénicos, por exemplo, que estão sobrecarregados de químicos para que os bichos não lhes peguem. E quando os bichos não pegam, isso é um péssimo sinal.

As telenovelas são muito ricas, muito bonitas, e eu gosto da diversidade. Não sou nada contra o filme comercial. A gente dos filmes comerciais é que é sempre contra o cinema como arte. Mas eu não. Sou apologista da variedade, mesmo no cinema artístico. Penso que a personalidade do realizador é que é a marca da originalidade. Não há outra.

Às vezes acusam-me de que meus os filmes são muito falados. Ora, falados são os filmes americanos, e falam sem dizer nada. Ao menos os meus filmes dizem alguma coisa porque eu escolho textos ricos, bons, profundos, mais difíceis naturalmente. Mas a imagem é formidável.

Chegámos a este momento, ao problema económico do capitalismo e dos bancos. É um obstáculo da vida e da sociedade mundial. Um obstáculo bastante alto mas devemos dar o pulo e saltar para o outro lado.

Como realizador, estou preso ao contexto. Posso fazer tudo o que quiser, mas sempre dentro do contexto. E do contexto dos filmes da Agustina eu nunca saí. Como do Régio ou do Camilo, também nunca saí. Esse é o meu respeito pelos autores, que é muito forte. Mas eu faço cinema, não faço literatura.

Como sopa, de legumes. Porque um cientista, que fez um exame à nutrição dos americanos que deixaram de comer sopa às refeições, declarou que se eles retomassem a sopa diminuiriam o cancro em mais do que 50 por cento. Também gosto de sopa de peixe…

Creio que o amor por uma paisagem pode ser sensual. Muitas coisas relevam da sexualidade. É um abismo. Mesmo a morte é um ato sexual, o mais virtuoso, o mais belo, o último.

Da vida vem o teatro e do teatro vem o cinema. Mas na vida já se representa.

Desconfio sempre da imaginação. (…) Todos os meus filmes são histórias de agonia, da agonia no seu sentido primeiro, no sentido grego, “a luta”.

É mais importante a saúde do que o dinheiro. Uma pessoa com saúde pode dormir na soleira de uma porta. E um ricalhaço doente pode não ter posição na cama.

É preciso que as pessoas estejam profundamente bem-educadas. A Educação é fundamental. No aspecto das prioridades governamentais, por exemplo, penso que o que deve estar em 1º lugar é a Saúde. Um país sem Saúde não vale nada. Em 2º lugar está a Educação e a seguir a Arte porque é o complemento da Educação, é a condição humana. É essencial conhecer isto, sem isto não se pode funcionar. E depois vem o resto…

É um desejo utópico, é um desejo profundo no homem: um bem-estar, e não esta inquietude permanente de guerras.

Estive agora no México e vi escrito nas paredes de um museu um pensamento dos maias, muito simples, muito correcto, mas ao mesmo tempo perfeito, profundo. Dizia: “Semeia para colheres, colhe para comeres, come para viveres”. É um fundamento da vida. A gente vive no sentido inverso: vive para comer, come para colher e colhe porque semeia. Aqui põe-se o problema do que transcende isso.

Estou a fazer filmes há uns bons anos e muito do que levo para o cinema nasce de uma reflexão generosa, de aprendiz, que faço da literatura. Tudo nesta vida que levamos tem uma duração estabelecida, um momento para acabar, incluindo os valores monetários, menos as histórias que contamos. As histórias que os livros nos contam duram para sempre e o mesmo espero das histórias trazidas pelo cinema.

Estou habituado a que recebam mal os meus filmes e isso não me altera, nem altera nada do que penso sobre o cinema. Eu reprovo o prémio da competição.

Estupidamente, agora as governações proíbem o milho e acaba por se passar fome. Aqui há tempos faltava o milho e ficou tudo aflito. Agora já se pode cultivar milho outra vez. É incompreensível este desprezo pela natureza, da qual nós dependemos inteiramente.

Eu acho que no artista, e mesmo fora do artista, na vida, o subconsciente resolve muita coisa e trabalha tudo. E de vez em quando atira uma coisa para o consciente. Está tudo guardado nessa grande mala que herdamos, que vem no sangue.

Eu admiro os santos, muito mais do que os revolucionários. (…)Porque os santos jogam no abstracto.

Eu era muito tímido, reservado, tinha medo daquilo que dizia, medo que aquilo não fosse certo. Mas sobre o que era cinema, sabia muito bem o que queria e o que não queria, muito mais do que agora! Agora tenho mais dúvidas. O mundo mudou, as coisas mudaram e eu também mudei.

Eu não me prendo aos objetos. Prendo-me mais às pessoas. Quando viajo levo só o computador, não tenho nenhum fetiche.

Eu não sou representante do cinema português. O cinema português é um conjunto de realizadores, e da soma deles – dos bons, claro – é que se retirará um efeito como o da literatura ou da pintura.

Fiz muitas asneiras. Nunca tive um desastre mortal de automóvel, e hoje surpreendo-me: o que tive, realmente, foi muita sorte. Tive o meu anjo da guarda protector, que é o destino. O anjo da guarda e o destino são uma e só coisa.

Fui simpatizante com as ideias comunistas. Mas isso era se elas se realizassem. Mas o que aconteceu foi o contrário.

Há (em Portugal) realizadores muitíssimo bons, e devia ser mais desenvolvido e exportado em força, o que dava entrada de dinheiro! Eu dizia, na proporção de um país pequeno, pobre e na situação em que está, que o nosso cinema merecia uma ajuda para que os filmes corressem mundo e fossem também uma entrada económica de resultados.

Há um poeta português que disse que o espírito é como o ar que se respira. Eu fiquei com essa ideia. E, ultimamente, há um outro escritor que diz que o espírito é como o ar que se respira. Fiquei muito emocionado nesse livro, que eu li era muito novo. Fiquei sempre a pensar… E agora, pensando melhor, realmente, quando se morre, solta-se o espírito. O espírito é como o ar que sai. E o espírito sai e junta-se. Ao sair, perde a personalidade, onde está todo o bem e todo o mal, liberta-se desse bem e mal e junta-se ao absoluto, que é a configuração do espírito, o absoluto. É Deus.

Há uma coisa que gostei de ouvir do Fellini: tinha uma grande admiração pelas pessoas que falham e persistem. Persistem com a mesma vontade, ou mais forte, com a ideia de alcançarem a finalidade última. Considero-me um pouco dentro dessa classe.

Hoje quer-se fazer a globalização, mas de quê? Fazer tudo por igual? Juntar tudo: um só rei, um só Papa, como nas palavras do Padre António Vieira. Há esse desejo utópico. Mas é difícil chegar lá. Perdem-se pelo caminho, tem-se hesitações e há um retorno à Idade Média, em inverso. Agora são os árabes a quererem destruir o mundo ocidental.

Hoje vai-se ver filmes cada vez mais à pressa, cada vez com menos atenção, não exatamente predisposto a confiar [na projeção], a não ser nos efeitos especiais e nos efeitos sonoros espetaculares. A projeção já não chega. A crença no cinema está muito diminuída, [e isso] é terrível porque o que há de mais belo no homem é a sua humanidade, a sua capacidade de confiar nos outros, de ver a imagem dos outros.

Hoje, depois de muitas décadas, já percebo que a minha vocação nesta vida é dirigir filmes. E os meus filmes falam sobre valores que vão além do dinheiro. O meu filme busca saber se existe alma. O tempo… o tempo eu sei que existe. E talvez eu filme como filmo para contemplar o tempo.

Na Europa há um mito histórico e religioso. A União Europeia tende para isso: um só comando genérico e uma só fé que é posta na democracia. Tira-se a religião um pouco para o lado e estabelece-se uma democracia generalizada, a união da Europa com um mesmo fim: um só rei e um só papa. É o mito que se está a tornar uma realidade actualmente com Bruxelas no centro da União Europeia. Acho que é óptimo mas é muito difícil porque há diferentes climas nas regiões, há diferentes idiossincrasias, diferentes línguas. É sempre muito difícil tornar uma coisa acessível a toda essa diversidade.

Nada é verdadeiramente satisfatório. Mesmo a arte a que um artista é vocacionado, e sobre a qual e para a qual vive, está sempre aquém do seu desejo.

Não é normal a ligação mulher com mulher e homem com homem. Mas é tolerável. Eles que façam lá o que entenderem. Mas o casamento tem um único fim: preservar a continuidade da espécie.

Não gosto até da palavra espectador. Ou melhor, da palavra eu gosto. Não gosto é do público, da palavra “público” é que não gosto muito. Porque públicas são as cadeiras do cinema; são públicas. Agora, as pessoas que se sentam nelas, são pessoas, verdadeiramente pessoas, e cada um é distinto do outro. Cada um é um ser autêntico, e, portanto, nem todos estarão aptos ou sensíveis a uma sinfonia, a um trabalho qualquer, seja de que ordem for.

Não há movimento sem tempo. Mesmo parado, o tempo passa, não é preciso que se mova, porque tudo se move, o tempo corre. O tempo é movimento em si. E a imagem…

Não há outra forma de arte que se aproxime mais da vida do que o cinema. E o cinema é também uma síntese de todas as artes – como a própria vida, que contém em si todos os aspectos –, seja a escultura, a pintura ou a própria música.

Não me sinto realizado. Estou a tentar realizar-me neste curto espaço que me resta.

Não uso telemóvel, felizmente. É um vício. Ao contrário do que pensam, as pessoas perdem capacidade de comunicação. Eu fiz um filme sobre isso [a curta-metragem Do Visível ao Invisível].

Não, não olho para o que fiz. Olho para o que vou fazer. Esta é a minha ocupação. Quando me perguntam sempre “qual é o filme que gosta mais”, respondo: é o que vou fazer agora.

Nenhuma arte simula a vida como o cinema. Todavia, não é uma vida. Também não é propriamente uma arte. Porque é uma acumulação, uma síntese de todas as artes. O cinema não existia sem a pintura, sem a literatura, sem a dança, sem a música, sem o som, sem a imagem, tudo isto é um conjunto de todas as artes, de todas sem exceção.

Ninguém nasceu por vontade própria. Somos lançados ao mundo, temos que gramar isto quer queiramos, quer não. Estamos submetidos às forças enigmáticas da natureza, ligados umbilicalmente com a natureza, somos do mesmo processo. Dentro de nós há o mesmo que aconteceu no sudoeste da Ásia: quando estamos irados, é uma tempestade. A natureza é extremamente caprichosa, dá a uns o que tira a outros. E a gente não sabe porquê. Eu mereço mais? Não mereço mais nem menos, sou como os outros, peco como os outros, gozo como os outros, vivo como os outros.

Ninguém tem medo da morte. Ao nascer, não há outra finalidade certa que não seja a morte. Hoje, na minha idade, penso que a morte, quer para um religioso e crente, como eu sou, quer para um leigo, será a única entrada para o absoluto.

Nos filmes, como em qualquer obra de arte, há sempre uma grande parte do subconsciente do artista do qual ele não se dá conta. Por isso, as obras enriquecem com o tempo, a crítica vai descobrindo partes mais ignoradas e as obras ficam mais ricas do que quando saem. Na verdade, o homem não mudou, apenas aquilo que fez: o progresso. A natureza do homem é a mesma: a inveja, a vingança, as paixões ou o amor são manifestações da natureza do homem que não mudaram nada. Há pessoas que, às vezes, mudam de partido. Eu pergunto: também mudam de natureza? Ela é a mesma, e é nela que está todo o bem e o mal do homem.

Nós somos impelidos por forças obscuras, não somos totalmente senhores de nós próprios.

Nunca trabalhei tanto na minha vida. Mas também durmo. Durmo bem, embora me deite sempre tarde.

O cinema dá-nos a possibilidade de, a partir da câmara, repor a vida além da Morte e simular a ressurreição, inclusive a dos grandes heróis da literatura.

O cinema é imaterial, o teatro é material: os actores têm carne e osso, estão lá, vivos, nos cenários. Mas o cinema, não – é um fantasma da realidade.

O cinema é mundano. E a santidade é a fuga do mundano. É o desprendimento – o sentimento de liberdade mais profundo – de tudo quanto é mundano, da vida, das atracções. É separar-se de tudo. Por trás do cinema e do autor está a vaidade. Basta isso para destruir tudo. Ele faz isto – gosta de receber prémios, de receber elogios, que compreendam os seus filmes. E isso é mundano – é deste mundo –, a santidade não é deste mundo.

O cinema é o espelho da vida. E não só é o espelho da vida como não há outro, é o único espelho da vida. E sendo-o é também a memória da vida.

O cinema só trata daquilo que existe, não daquilo que poderia existir. Mesmo quando mostra fantasia, o cinema agarra-se a coisas concretas. O realizador não é criador, é criatura.

O computador tem possibilidades de mais para aquilo de que eu preciso. Não quero saber coisas de computadores. Quero apenas saber o necessário para escrever os meus textos e as minhas planificações. O resto das capacidades dos computadores só me atrapalha.

O homem é um bocado como o gato, fica preso às casas porque nelas se passaram histórias, e a casa é o guardião de todas essas histórias, problemas, alegrias, etc.

O homem tem um tecto, (que os gregos atingiram), para além disso, já não percebemos nada. Somos joguetes do destino. O Espinosa dizia: “Supomos que somos livres porque ignoramos as forças obscuras que nos manipulam”. E S. Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa crença é vã”. Não sabemos: nenhum dos nossos mortos disse qualquer coisa.

O meu público é aquele que vai ver os meus filmes. O cinema dá-nos uma visão da vida.E a vida é um mistério.

O mundo é complexo, incompreensível, talvez não tanto para quem tem uma crença nalguma coisa firme, mas para aqueles onde a dúvida prevalece. E o que proponho é a dúvida. A dúvida é uma maneira de ser.

O que é que nos dá o progresso? Uma coisa só: conforto. Só conforto. O homem da caverna tinha de matar o boi…

O que mais me marcou, no aspecto social e mundial, foi o 25 de Abril. Foi o acto que mais me marcou. Porquê? Porque o 25 de Abril, em si, tem um momento extraordinário: os militares, que fizeram o 25 de Abril, não desejavam tomar o poder. Fizeram-no para entregar o poder democrático ao país. Este é um caso raro e único.

O que nós hoje vemos numa literatura moderna e apressada é uma multiplicação elevada à sétima potência por muitos autores oportunistas, em trabalhos repetitivos da violência pela violência e da pornografia pela pornografia, apenas por estar em moda e de ser de rentabilidade fácil.

O sentimento religioso é uma coisa muito particular, de cada um.

O sexo é um prazer, um vício, como fumar, tomar café, beber uma droga.

O sexo, fonte de toda a pornografia, é cousa abissal, e esse abismo perverte e atrai o lado mais animal do homem. Desumanizando-o. Digo o lado mais animal do homem, porque entre os animais não há pornografia, nem vergonha.

O sofrimento é uma coisa terrível. Eu não tenho medo da morte, mas temo o sofrimento.

O teatro é mais honesto que o cinema, porque o cinema filma sonhos.

O teatro é mais rico. Os actores estão lá, em carne e osso. No cinema, só está a personagem. O actor já não se encontra lá quando o filme é exibido. O cinema é complementar mas tem uma vantagem perdura no tempo. Se houvesse cinema no tempo áureo das tragédias gregas saberíamos como elas eram. Como não há, apenas calculamos como seriam.

Os meus filmes têm histórias um pouco profundas, às vezes difíceis de compreender. Por isso, filmo-os da forma mais clara possível. É preciso que o cinema seja claro, porque tudo o resto (as paixões, a vida), não o é.

Os rituais são muito importantes. Sem eles, a vida seria indecifrável. O cinema não filma senão isso, um conjunto de signos, de convenções. A vida é um enigma, não é legível. São os rituais que nos permitem lê-la.

Para mim os poetas chegam mais longe do que os filósofos. As suas poesias contêm segredos que vão para além. A nossa inteligência não é capaz de os desvendar, a gente sente, mas não desvenda.

Para mim, a expressão mais rica é a literatura.

Para os budistas, quando morre uma pessoa, a alma sai e pode instalar-se num gato. Falei com o Dalai Lama e pus-lhe essa questão: se a pessoa morre e a alma passa de um humano para uma fera, não perde a evolução do raciocínio? Disse-me que não, pois o que conta é o esforço. Percebi que a vida, em si mesmo, é um esforço enorme em tudo que fazemos. Mas é ele que activa a imaginação.

Parar é morrer e isto é aplicável hoje. O pior de tudo é parar, quer dizer, não se fazerem coisas, não se fazer nada, ficar com medo, retrair-se, etc. Esta ideia do povo, diante da crise, correr a tirar o dinheiro dos bancos, com medo de o perder, agrava terrivelmente a situação. É um erro parar, não continuar a despertar as coisas.

Portugal é o país mais universalista do mundo. Os portugueses têm esse dom; se não o tivessem, não teriam feito os Descobrimentos.

Quem tem um sentimento político profundo é que toma posições. Mas o meu sentimento profundo é humanista, não político.

Sabe que esta história política é muito difícil, muito grave. Há uma desmobilização fortíssima, há uma perda de valores enorme! Hoje a aldrabice monta por aí com toda a força, e isso é triste.

Sem identidade não se é. E a gente tem que ser, isso é que é importante. Mas a identidade obriga depois à dignidade. Sem identidade não há dignidade, sem dignidade não há identidade, sem estas duas não há liberdade. A liberdade impõe, logo de começo, o respeito pelo próximo. Isto pode explicar um pouco os limites da própria vida.

Sinto que pertenço a uma deontologia cinematográfica que recusa mostrar o lado íntimo. Só filmo o que é público, embora possa sugeri-lo.

Sinto que precisava de viver mais 50 anos para concretizar todos os projectos que tenho. Se tivesse os meios, não me custava nada fazer dois filmes por ano. Ideias não me faltam, seja através de projecto escritos por mim ou por grandes escritores.

Somos movidos por impulsos que ignoramos da natureza: o ódio, o amor, a paixão, a bondade. Pode-se quase perguntar se somos dependentes porque ninguém nasceu por vontade própria. Seremos verdadeiramente responsáveis pelos nossos actos? Temos a justiça que nos torna responsáveis e a evolução que o homem tem engendrado, mas não somos independentes. Somos dependentes das circunstâncias (…). Tornamo-nos responsáveis perante a lei e pela justiça, mas na verdade somos um joguete do destino.

Somos todos escravos da tecnologia. Lembro-me da sabedoria desses grandes homens que viajavam pelo mundo e passavam por terras diferentes, diferentes línguas. Não conheciam e acabavam por conhecer aquelas gentes e os seus modos de vida diferentes, de um lado para o outro, até à China e por aí fora. Era admirável, não era? Hoje não, vai-se de avião, não se sente nada.

Sou crente e tenho fé. Mas, ao mesmo tempo, sou abordado por um certo pessimismo e frequentemente me lembro de um provérbio russo que diz: o pessimismo é a conclusão do optimista.

Sou um sobrevivente como qualquer outro. A arte é um ofício, uma paixão que as pessoas têm. O usurário tem uma paixão pelo dinheiro e junta o dinheiro para nada – é triste. O artista tende ao absoluto; pode também estar numa situação de revolta. Não é exactamente o meu caso, embora muitas vezes me revolte.

Tenho as minhas convicções, mas tenho sempre medo que essas convicções pareçam demasiado particulares, quando eu queria ter uma visão genérica do que é o cinema.

Toda a arte é um reflexo da vida. Se nós não sabemos a finalidade da vida, como é que vamos saber a finalidade da arte? É um segredo que nos é vedado.

Todos os efeitos especiais pertencem à técnica, não à arte. Para além disto, sugerimos o inacreditável. Onde podemos ir mais longe do que aquilo que somos? Li um realizador dizer que quando apresentava um filme novo, se ouvia que era o filme de um grande realizador, ficava triste. Mas se ouvia que era um grande filme, ficava contente. Isto é evidente: o realizador não deve mostrar-se. Mostra o inconcebível, mas não se mostra a ele próprio.

Todos os meus filmes mostram que, de facto, todos os homens entram em agonia no momento em que chegam ao mundo. Sou um grande lutador contra a morte. Passei a vida a observar a agonia, cada vez com mais experiência, com cada vez mais vontade de mostrá-la. Mas a morte acaba por chegar.

Vivo muito bem, concerteza. Se eu não tivesse atingido esta idade não apanhava esta quantidade de prémios que me começaram a dar agora, no final da vida.