Citações de José Mourinho

A execução da autoridade vai-se esbatendo com o tempo e com a empatia que se cria. Uma pessoa chega e mostra quem é e o que pode fazer, afirma-se e estabelece regras. A liderança toda a gente deve senti-la e ninguém a ver.

Às vezes, vemos pessoas bonitas sem cérebro. Outras vezes, encontramos pessoas feias que são inteligentes. Como os cientistas. O meu campo é igual. É um pouco assim. Vistos de cima são uma desgraça, mas a bola rola a uma velocidade normal.

Como é que se diz batota em catalão? Barcelona é uma cidade cultural, com mutos teatros grandiosos e este rapaz aprendeu bem. Aprendeu a ser ator.

Cristiano joga sempre no limite da sua capacidade, dá tudo pela equipe. Não é como o outro.

É como ter uma manta que é demasiado pequena. Puxas a manta para cima para manter o peito quente, mas os pés ficam de fora. Eu não posso comprar uma manta maior porque o supermercado está fechado. Mas pelo menos a manta é feita de caxemira.

É so um golo. Tenham calma. Vamos comê-los em Atenas.

Estou preparado. Quanto maior a pressão, mais forte sou. Em Portugal dizemos que quanto maior for o barco, maior a tempestade. Por sorte sempre estive em grandes barcos. Agora estou no Real, que é considerado o maior barco do planeta.

Eu acho que ele é uma daquelas pessoas que é um voyeur. Ele gosta de observar as outras pessoas. Há uns homens que, quando estão em casa, têm um grande telescópio para ver o que acontece nas outras famílias. Ele fala, fala, fala sobre o Chelsea.

Eu não sou um provocador. Sou um trabalhador que trabalha muito, muito, muito, e como todos os que trabalham comigo trabalham muito, muito, muito, queremos respeito. Se temos respeito, perfeito. Se não, devo defender o meu grupo. Mas não sou um provocador.

Eu sou a nona pessoa mais importante do mundo, à frente do Obama? Em que lugar está a minha mulher? Tem que estar pelo menos em oitavo. Eu nem em minha casa mando.

Eu sou um treinador, não sou o Harry Potter. Ele é um mágico, mas no mundo real não existe magia. A magia é ficção e o futebol é real.

Isto é omeletes e ovos. Sem ovos, não há omeletes! Isto depende da qualidade dos ovos. No supermercado há ovos de classe um, de classe dois ou de classe três. Alguns são mais caros que outros e alguns fazem melhores omeletes. Quando os ovos de classe um estão no Waitrose e não podes ir lá, então tens um problema.

Londres voltou a ser uma cidade tranquila, agora que a grande ameaça está longe.

Medo, entre aspas, só de Deus. Sou um católico profundo, creio muito. Creio no Seu poder e da Sua justiça. Se tiver tranquilidade, saúde e alegria de viver, não tenho medo de mais nada.

Não diria que sou o melhor treinador que existe, mas estou no topo. Adoro essa frase.

Não importa a forma como jogamos. Se tu tens um Ferrari e eu tenho um carro pequeno, para te derrotar numa corrida tenho de te furar um pneu. Ou então pôr açúcar no depósito do combustível.

Não metemos um autocarro à frente da baliza, metemos um Airbus 340 e com as asas abertas.

Não preciso de dinheiro, nem de títulos, nem de prestígio. Não preciso de provar nada, só preciso de dar satisfação a mim próprio. Não preciso do Real para chegar a nível nenhum.

Não quero vencer a Liga Europa. Seria uma enorme desilusão para mim.

No meu país nós dizemos: The dogs bark and the caravan goes by.

Nós queremos seguir um sonho, isso é verdade, mas uma coisa é seguir um sonho e outra é seguir uma obsessão. Um sonho é mais puro do que uma obsessão. Um sonho tem a ver com o orgulho.

O Mundo é tão competitivo, agressivo, desgastante, egoísta e durante o tempo que passamos aqui temos que ser tudo menos isso.

Oito anos sem troféus, isso é um fracasso. É um especialista no falhanço. Se eu fizesse isso no Chelsea, eu deixava Londres e nunca mais voltava.

Os jogadores jovens são como os melões. Só quando abres e provas os melões é que tens 100% de certeza sobre se o melão é bom. Uma coisa é futebol jovem, outra é futebol profissional. A ponte é difícil de passar e eles têm de jogar e treinar connosco para saborearmos o melão.

Para mim, pressão é a gripe das aves. Sinto muita pressão por causa da situação na Escócia. Não tem piada e estou mais assustado com isso do que com o futebol. O que é o futebol comparado com a vida?
Penso que posso utilizar os meus contactos com a comunicação social para poder condicionar determinados pensamentos.

Por favor, não me chamem arrogante só porque digo a verdade. Mas eu sou campeão europeu e penso que sou especial.

Preferia jogar só com 10 homens que esperar por um jogador que está atrasado para o autocarro.

Quando perdermos será feriado nacional.

Quando vou a uma conferência de imprensa antes de um jogo, na minha cabeça, o jogo já começou.

Se eu quisesse um trabalho simples teria ficado em Portugal. Lá temos belas cadeiras azuis, a Champions League, Deus e depois, logo a seguir a Deus, eu.

Se fizessem um filme sobre a minha vida, acho que deviam por o George Clooney a interpretar-me. Ele é um ator fantástico e a minha mulher também acha que ele seria perfeito.

Se tens um Bentley e um Aston Martin em casa, se sais sempre só com o Bentley e deixas sempre o Aston Martin na garagem, só podes ser um pouco estúpido.

Se um clube decidir despedir-me porque houve maus resultados é parte do jogo. Se acontecer eu vou ser milionário e conseguir outro clube uns dois meses depois.

Se vocês não falam com o meu adjunto, eu também só falo com os vossos diretores.

Só respondi que, se ele não me compreendia, tinha que fazer um teste de QI.

Só tive um problema com o Cristiano, muito simples, muito básico e foi de um aspeto tático que reparei. Disse-lhe que melhorasse. E na altura ele não levou muito a bem porque talvez pensa que sabe tudo e que o treinador não consegue ajudá-lo a desenvolver mais.

Sou um português que não quer regressar. Não quero trabalhar em nenhum clube português, não quero viver em Portugal. Mas sou um português que gostava de fazer algo importante pelo país com as minhas capacidades.

Também cortei o cabelo para influenciar os jovens, que estão no Chelsea e na equipa de reservas, a terem um cabelo mais apropriado, sem rastas e outros penteados que eles apresentam.

Todas as vezes que defronto o Pep acabo o jogo com 10 homens. Deve ser alguma regra da UEFA.

Citações de Alexandre Herculano

A hipocrisia, suprema perversão moral, é o charco podre e dormente que impregna a atmosfera de miasmas mortíferos e que salteia o homem no meio de paisagens ridentes: é o réptil que se arrasta por entre as flores e morde a vítima descuidada.

A indiferença silenciosa, grave, quase benévola, é a manifestação legítima da morte de toda a crença.

A ingratidão é o mais horrendo de todos os pecados.

A providência tempera as coisas deste mundo de modo que se podem simbolizar todas as felicidades dele numa ameixa saragoçana. Doçura, suco, beleza externa, sim senhor; tudo quanto quiserem: mas, no fim de contas, travo e mais travo ao pé do caroço.

As lágrimas de piedade consolam quando é um amigo que as derrama.

Das definições possíveis do homem, uma só é verdadeira: o homem é o animal que disputa.

É erro vulgar confundir o desejar com o querer. O desejo mede os obstáculos; a vontade vence-os.

É o progresso das ideias que traz as reformas, e não o progresso dos males públicos quem as torna inevitáveis.

Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar as minhas opiniões, porque não me envergonho de raciocinar e aprender.

Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar de opinião, porque não me envergonho de raciocinar e aprender.

Examina a consciência e diz-me qual é para os corações puros e nobres o motivo imenso, irresistível das ambições, do poder, da abastança, do renome? É uma só mulher: é esse o termo final de todos os nossos sonhos, de todas as nossas esperanças, de todos os nossos desejos.

Examina bem a consciência e diz-me qual é para os corações puros e nobres o motivo imenso, irresistível das ambições de poder, de opulência, de renome? É um só – a mulher.

Feliz a alma vulgar e rude que crê, e nem sempre sabe que a dúvida existe no mundo!

Há épocas de tal corrupção, que, durante elas, talvez só o excesso do fanatismo possa, no meio da imoralidade triunfante, servir de escudo à nobreza e à dignidade das almas rijamente temperadas.

Haverá paz no túmulo? Deus sabe o destino de cada homem. Para o que aí repousa sei eu que há na terra o esquecimento.

No amor a ingratidão é filha primogénita da abnegação e da fraqueza.

Nunca vereis viúva que muito chore a falta do marido, que não case cedo.

O amor do poeta é maior que o de nenhum homem; porque é imenso, como o ideal, que ele compreende, eterno, como o seu nome, que nunca perece.

O género humano assemelha-se a uma pirâmide cujo vértice – um homem, o primeiro homem – se esconde nas alturas quase inacessíveis de sessenta séculos sobrepostos uns aos outros, e cuja base, de miríades de indivíduos, poisa no abismo incomensurável de um futuro desconhecido.

O gozo é sempre o desengano das fascinações do desejo.

O homem é mais propenso a contentar-se com as ideias dos outros, do que a reflectir e a raciocinar.

O medo é o pior dos conselheiros.

O segredo da felicidade é encontrar a nossa alegria na alegria dos outros.

Para secar as lágrimas de uma viúva jovem não há como as mãos do amor.

Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais.

Que fora a vida, se nela não houvesse lágrimas? Os desgraçados na sua miséria conservam sempre olhos que saibam chorar. A dor mais tremenda do espírito quebrantam-na as lágrimas.

Querer é quase sempre poder; o que é excessivamente raro é o querer.

Realidade ou desejo incerto, o amor é o elemento primitivo da actividade interior; é a causa, o fim e o resumo de todos os defeitos humanos.

Saber resistir à violência é forte, mas vulgar; saber resistir à calúnia e aos motejos é maior esforço e mais raro.

Tirai do mundo a mulher e a ambição desaparecerá de todas as almas generosas.

Citações de Vergílio Ferreira

A «firmeza de princípios», de «opiniões», pode ser uma forma vistosa de camuflar a estupidez. Ser inteligente é ser disponível.

A admiração pode ser uma forma de compensarmos a nossa pequenez.

A alegria do que nos alegrou dura pouco. A dor do que nos doeu dura muito mais. Vê se consegues poupar a alegria e esbanjares o que te dói. Vive aquela intensamente e moderadamente. E atira a outra ao caixote. Talvez chegues a optimista profissional e tenhas uma bela carreira de político.

A arte deve servir-se fria. Pode ter álcool por dentro. Mas tem de ser álcool que se tirou do frigorífico.

A arte não serve para nada. A filosofia também não. Excepto como extensão da pessoa que se é, ou seja do homem que se é. O que se segue e importa saber é se o homem serve para alguma coisa.

A avareza pode ser uma expressão de humildade, como o esbanjamento o é de megalomania.

A crença seja no que for é um resíduo de tudo o que falhou.

A cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se dialogar com ele.

A diferença que vai de ti aos outros, é que quando os outros morrerem, o universo continua.

A espécie compromete-se com um casal a que haja amor entre os dois. Mas logo que se apanha servida, vira-lhes as costas e eles que se arranjem.

A extensão do ‘nunca mais’ com a tua morte vai até à morte do universo. E é sobretudo isso que a torna incompreensível.

A fé é uma esperança terrorista como a esperança é uma fé democrática. A fé é um acto solitário. A esperança tem de ter em conta o que a excede. Mas na primeira está a certeza e na outra a dúvida.

A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a «criar».

A força de um problema tem que ver com a força de que dispomos.

A grande fraqueza da razão: ser incapaz de demonstrar a sua excelência. A grande força da razão: termos de servir-nos dela para demonstrar isso mesmo.

A grande sociedade sem classes é a do cemitério. Das diferenças aí impostas, os mortos não sabem.

A grande virtude da esquerda, afinal, é que força a uma melhoria a direita.

A História é feita de máximos que só o são porque quando o foram não calhou haver outro ou pôde haver outro que os relativizasse.

A honestidade é própria das classes médias. As de baixo não a ignoram, mas não sabem para que serve. As de cima não a ignoram, mas não sabem para que ainda serve.

A honestidade é uma forma de se ser conscientemente modesto.

A imagem de um intelectual, mormente de um escritor, não está bem nos livros que lê mas naqueles que relê. A leitura revela aquele que deseja ser; a releitura, aquele que é.

A importância de um romance está nos seus valores estéticos e humanos. O resto é para a bisbilhotice.

A justiça está voltada para aquele com quem se é justo. A caridade está voltada para quem a pratica.

A liberdade. Como é difícil. Numa carroça, quem tem menos problemas é o cavalo.

A maior tragédia para o homem é saber que tem de morrer. Mas a sua maior grandeza é justamente ter consciência. Assim a sua maior grandeza é a sua maior tragédia.

A melhor forma de não ouvires o que ouves e te incomoda é não o ouvires.

A melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira.

A moda é uma variante oblíqua de se lutar contra a morte. Ora na velhice tal luta é mais problemática. E é por isso que no velho a moda é mais ridícula.

A morte nunca se aprende, mas pode-se saber-se de cor. As guerras sabem-no. E as epidemias. E um simples agente funerário.

A mulher escolhe sempre o homem que a escolhe a ela, como é da sabedoria das nações. A verdade também.

A mulher mais ciumenta é talvez a que mais facilmente atraiçoa o marido e menos tolera que ele a atraiçoe. Porque o ciúme é a afirmação de um direito de propriedade. E esse direito reforça-se com a traição dela e diminui-se com a dele.

A nossa vida é toda ela feita de acasos. Mas é o que em nós há de necessário que lhes há-de dar um sentido.

A obra de arte cria-se com o seu contexto histórico, como uma estátua se cria com a pedra de que se faz.

A originalidade é uma forma de se ser e ninguém pode ser por nós.

A partir de certa qualidade já não podemos dizer que um autor é melhor do que outro. Podemos apenas dizer qual é que preferimos.

A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.

A paz. Procura-a. Mas uma paz que te trespasse todo e não a que te descanse apenas a superfície como a um pedinte que dorme num banco de jardim.

A piedade pelos doentes ou pelos mortos é uma forma de esconjuro: a paga ao destino para nos não atingir.

A proclamada sabedoria da velhice não resulta fundamentalmente da experiência acumulada. Resulta apenas do arrefecimento do sangue.

A psicologia é o instinto consciencializado.

A razão é um elástico. Vê se consegues não a esticar muito para não rebentar.

A razão é um formulário para se provar o que já provámos para nós próprios. E é por isso que a metafísica continua e a filosofia analítica vai ficando para trás.

A saudade não está na distância das coisas, mas numa súbita fractura de nós, num quebrar de alma em que todas as coisas se afundam.

A superstição é mais forte do que a religião – disse alguém. Naturalmente porque a religião é uma superstição mais civilizada. E a barbárie sempre teve mais força.

A vaidade do artista é uma defesa contra os que o negam.

A vanguarda do amor chama-se a conveniência. E a rectaguarda também.

A verdade «sou eu». Quando o outro disse «o Estado sou eu», disse a mesma coisa. Só que meteu a polícia para não haver dúvidas e outros a dizê-lo também.

A verdade absoluta, que coisa aflitiva, afinal. Porque se se não tem, como ordenar a vida que é nossa? Mas se se tem, como não anular a vida dos outros que são contra ela?

A verdade de hoje é o erro de amanhã – todo esse saber se afundará e a glória e a petulância que vinha nele.

A verdade é amor.

A verdade é muitas vezes um produto artificial da autoridade ou persistência. Um velho tem mais probabilidades de a estabelecer do que um novo. E um teimoso também.

A verdade és tu. O que mais que se segue já não interessa à conversa. Excepto para demonstrares essa verdade, em movimento de recuo.

A verdade faz-se com a força ou o desplante com que se nega ou afirma; com a razão faz-se apenas um parecer.

A verdade primeiro ama-se, depois demonstra-se.

A verdade só é perfeita nos instantes de fulgor.

A verdadeira amizade é a disponibilidade inteira de nós e só na juventude se está inteiramente disponível.

A verdadeira pergunta é inocente e é por isso mais própria da criança. A resposta perdeu já a inocência e é assim mais própria do adulto.

A verosimilhança de uma obra de arte (de um romance, por exemplo, que é o que mais me importa) é a coerência interna dos seus elementos.

A vida é o valor máximo de que dispomos para pagar seja o que for. E é por isso que o suicídio valoriza por extensão o que se tiver realizado. Se escreveste um livro ou dois que não levantam grandes aplausos e desejas naturalmente que sim, mete uma bala na cabeça.

Admiram-se às vezes certas pessoas de que um autor medíocre seja normalmente o triunfador do seu tempo. Mas o autor medíocre é que é admirado pelos medíocres. E a mediocridade é o que há de melhor distribuído pelos homens.

Afirma com energia o disparate que quiseres, e acabarás por encontrar quem acredite em ti.

Ama o impossível, porque é o único que te não pode decepcionar.

Ama o próximo como a ti mesmo. É um grande risco. Eu, por exemplo, detesto-me.

Amanhã é dos loucos de hoje, diz Pessoa. E dos loucos de amanhã? Se é depois de amanhã, os tipos com juízo nunca mais têm uma oportunidade. E serão loucos sem amanhã nenhum.

Amas ou não uma mulher, mas não sabes porquê. Como hás-de poder saber a razão do bem e do mal?

Ama-se a vitória difícil, porque a derrota lhe preenchia quase todo o espaço possível. E foi com o que restava que se venceu em todo ele.

Aprofundar os sentimentos, aprofundar o homem, é como aprofundar as raízes de uma árvore: para lá de certo limite perdemo-nos em filamentos. É aí que trabalha o charlatão da «psicologia».

As leis criam-se, como sabemos, segundo aquilo que nos interessa. Mas aquilo que nos interessa, como sabemos também, adianta-se sobre as leis. E então é preciso criar outras.

Atenção. Já o devo ter dito, mas não há mal em repetir: O «estilo» não é da ordem do enfeite mas da operacionalidade.

Chora aos berros como as crianças até te estafares. Verás que depois adormeces.

Colher na moral a virtude em face dos outros. Vou-me sentindo amoral.

Como é que um tipo que é medíocre há-de saber que é medíocre, se ele é medíocre?

Como é subtil, milimétrico o desequilíbrio do que escrevemos. Um breve desvio e é logo o insuportável para o leitor. Tudo porque a sua liberdade é o seu mais alto privilégio. E é assim difícil que se nos submeta.

Como saber que se falhou, se não sabendo como não falhar? Mas então porque se falha? E se saber que se falha é realmente ignorar como se não falharia? Sabemos de outros que não falharam, porque sabemos então neles o que é não falhar.

Conheci um tipo muito débil, mas essa era a sua defesa. Conheci um tipo muito forte e essa era a sua defesa. Conheci um tipo da classe média física e esse fartava-se de levar porrada.

Crer para ver.

Da cinta para baixo nenhuma mulher envelhece. É justamente da cinta para baixo que mais envelhece o homem.

Da distracção da maioria se faz a profundeza de alguns. Ser profundo é assim não estar distraído quando todos os outros o estão.

De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia – talvez vá mesmo para a cama contigo.

De que te serve a inteligência, se não tens inteligência para a usar com inteligência?

De todos os sonhos do homem, a única coisa que não falhou foi o sonho. E é por isso que ele continua.

De um velho para um jovem uma verdade pode ser a mesma. Mas para cada um, ela varia ao menos nas pulsações por minuto.

De vez em quando a eternidade sai do teu interior e a contingência substitui-a com o seu pânico. São os amigos e conhecidos que vão desaparecendo e deixam um vazio irrespirável. Não é a sua ‘falta’ que falta, é o desmentido de que tu não morres.

Deixa que uma ideia, um sentir espontâneo livremente se manifestem. Antes que a razão se apodere deles como o gendarme do irregular ou o chefe político de uma heterodoxia.

Desconfia da tua mulher, se ela diz bem de ti.

Deus é a invenção do excesso de nós.

Deus inventou o sexo, nós inventámos o amor. Ele tinha razão.

Deus morreu. Não digas que isso é absurdo e ininteligível, só porque as seitas religiosas enxameiam hoje o mundo. Porque é quando uma doença é incurável que há mais abundância de remédios para a curar. Como a proliferação de religiões no fim do império romano era o sinal de que a religião de Roma estava a acabar.

Disse eu atrás que o saber embaraça a criatividade. Na realidade talvez não embarace. Mas ele opera como os sinais de trânsito e canalizam a criação para um terreno já percorrido.

Disseste ou escreveste milhões ou muitos milhares de palavras. E deve haver nessa nebulosa uma estrela que seja a tua. Não a saberás nunca.

Diz-se que nós, os portugueses, não somos romancistas ou filósofos. A razão deve ser essa – a de sermos dispersivos, preguiçosos, avulsos. E é por essa razão que somos poetas líricos.

Do amor se diz que é frágil. Da amizade se não diz que o é também. Só que a razão de o ser ou não ser não é tão visível. Nem tão chocante.

É curioso. Cheguei já a uma idade em que a deferência dos outros não sei se é por aquilo que realizei, se pelos anos que tenho.

E eu disse-lhe: o melhor da vida é o seu impossível. E ela disse-me: isso não tem sentido nenhum. E eu dei-lhe razão, mas não sabia porquê. Ou seja, pela melhor razão que podia ter.

É fácil que um escritor se não pareça com os outros. O que é difícil é que ele se pareça consigo.

É muito difícil conhecer as nossas limitações. Porque dentro de uma casa não se vê essa casa.

É preferível um erro fértil a uma verdade estéril.

Em política, a «honestidade» não conta nem como estratégia nem como índice para avaliação dos outros. Ser «honesto» em política actuante é ser parvo.

Erguer-me de sob a montanha de tudo quanto o meu tempo acumulou e descobrir a virgindade do sentir. É a primeira relação com os outros e com o mundo, antes de a razão a engaiolar.

Escrever bem, escrever mal. Assentemos neste princípio: nem todo o tipo que escreve mal é estúpido; mas todo o tipo que é estúpido escreve mal.

Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve.

Falar alto para quê? Poupa as forças, fala baixo. Poderás talvez assim ser ouvido ainda, quando os outros que falam alto se calarem estoirados.

Falhaste a vida, é evidente. Mas não o digas. Porque haverá logo quem venha proclamar em alvoroço que tu mesmo afinal confessas que falhaste para o cretino trombeteiro se julgar menos falhado e os cretinos como ele.

Fecha os olhos para não seres cego.

Frente a uma situação difícil, o Português opta pela espera de um milagre ou pela descompressão de uma anedota. O grave disto é que o milagre não vem e a anedota descomprime de tudo. Ficamos assim à mercê do azar e nem restos de razão para mexer um dedo.

Fugir dos lugares da opressão, do vexame, do aplauso, do mínimo interesse exterior que fale em ti. E então saberás o que é que em ti é imperioso.

Guarda o passado, se não tens já futuro. Porque se também o perderes, o presente que te restar é o da pia, que não tem tempo algum.

Há a coragem física que se chama robustez, e há a coragem moral que se chama fortaleza. De uma a outra vai a distância de um homem.

Há dentro de nós a exigência absoluta de sermos eternos e a certeza de o não sermos. O absurdo é a centelha do contacto destes dois opostos.

Há duas formas de se ser monstruoso. Uma é a da absoluta perfeição.

Há em nós um segredo que nós mesmos não sabemos. Mas é bom isso. Porque sabê-lo era decerto perder a alma.

Há erros tão grandes que são quase do tamanho da verdade. A verdade, aliás, é um erro à espera de vez.

Há homens que não suportam a ideia da amizade por verem nela apenas uma submissão ao de quem são amigos.

Há muita gente que é um poço de orgulho. Só não tem águas para o alimentar.

Há mulheres que é assim: se suspeitam do marido, têm-lhe ódio; se não suspeitam, têm-lhe asco.

Há o desejo, que não tem limite, e há o que se alcança, que o tem. A felicidade consiste em fazer coincidir os dois.

Há o que tem limite e o que é sem-limite. A arte é a forma perfeita da consciência destes opostos.

Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se lêem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos e não deixam e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre.

Há tipos que só conhecem a morte por ouvirem dizer. São exactamente os mesmos que só por ouvirem dizer conhecem também a vida.

Há um belo dito popular que é assim: Deus nos livre do que um homem pode aguentar. Lembrei-me de lhe contrapor outro: Deus nos não dê tudo o que um homem pode desejar. Num caso e noutro o limite seria a morte.

Haverá alguém de espírito humilde que tenha convicções fortes?

Ingenuidade é um modo de se ser inocente. Infantilismo é um modo de se ser idiota. Faz a sua diferença.

Interrogar-me sobre o destino humano não tem resposta. Mas já é uma resposta a importância do interrogar.

Já deve ter sido dito mas não há mal em repetir: o livro banal é o que perde à segunda leitura; o bom livro é o que ganha.

Jovens e nus frente ao mar, estão presentes em cada célula do seu corpo. Mas a vida que têm é demais para eles e não sabem que fazer dela. Emergem da água rutilantes e riem. Depois deitam-se na areia, gastam o dia e a noite a amar-se, a embebedar-se, a estoirar todo o prazer e forças que têm. E ficam ainda com vida por gastar. É desses sobejos já com bolor que terão de viver depois na velhice.

Lamentares a sorte dos que morreram é uma forma oblíqua e subtil de te julgares imortal.

Mas de vez em quando ergues-te ainda frenético, como esse velho de que se conta que fazia amor uma vez por ano…

Mau sinal quando nos dizem que estamos «na mesma». Significa isso que devíamos estar «na outra».

Morrer é uma dignidade que nem todos merecem. Porque alguns merecem apenas que a morte os suprima.

Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima.

Morreremos sem conhecer uma fracção grande de nós. E isto apenas porque ela não teve oportunidade de se manifestar. Eis porque, por exemplo, nem todos sabem de si que são heróis, ou cobardes.

Muitas vezes o problema não é o de se não ter talento mas apenas o de se não saber ter. Porque uma coisa é ter qualidades e outra ter o instinto da sua exacta aplicação.

Na juventude os chamados ideias orientadores da vida, mesmo os grandes projectos que excedam os de se subsistir, não fazem muita falta. Porque ser jovem é ter já tudo isso como substituto de tudo isso.

Na mulher amada não está só a mulher amada mas também aquela que o homem leva consigo. Quando esta se absorve na outra, o amor acabou.

Não afirmes o erro de uma verdade, antes de mudar o seu contexto. A menos que te dê gozo levar pedradas.

Não consideres petulante um autor quando diz que os outros lhe não interessam nada. Pensa apenas que não é o que os outros fazem que ele quereria fazer. E não o julgues petulante mas honesto. Ou humilde.

Não corras atrás da glória, porque só ela é que pode correr atrás de ti.

Não é o problema que nos fascina mas o mistério. Porque não nos fascina o que tem resolução mas o que a não pode ter. E para o homem só o que é demais é que é bastante.

Não é só a moda e o capital que nos forçam o gosto e inventam necessidades. É também o homem de ideias. Por isso umas e outros todos passam.

Não é tão grande a desgraça de não ter talento quando se sente o talento dos outros.

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba.

Não exibas tanto o esplendor dos teus dentes. Eu sei que são postiços. Mas há quem não sabe, dizes. Pois. Mas ainda que eu não soubesse, sabia-lo tu. Fecha a boca.

Não forces uma verdade a dizer mais do que diz. Porque o limite a que vai dar toda a verdade é o silêncio.

Não há amor como o primeiro, mesmo que esse primeiro seja o último.

Não há argumentos que bastem para a segurança de uma adesão. O último argumento somos nós. E esse é que é decisivo.

Não há uma verdade «em si». Há é uma verdade «em nós». Tudo o mais já não interessa à conversa.

Não imaginamos a extensão do «faz-de-conta». É a forma de alargarmos os limites do possível.

Não importa o que os outros fazem de nós, mas o que nós fazemos disso que os outros de nós fazem.

Não mudamos com a idade na estrutura do que somos. Apenas, como na música, somo-lo noutro tom.

Não penses que a sabedoria é feita do que se acumulou. Porque ela é feita apenas do que resta depois do que se deitou fora.

Não perguntes a ninguém se tem certezas. Pergunta-lhe apenas pelo seu boletim médico.

Não perguntes a uma verdade se ela é verdadeira. Pergunta a que clube pertence.

Não poderás vencer a morte. Mas impõe-lhe a vida como um bandarilheiro e verás que muitas vezes ela marra no vazio.

Não procures a verdade, porque nunca a encontras. Espera que ela te encontre a ti.

Não queiras conhecer tudo, deixa um espaço livre para te conhecer.

Não queiras saber tudo. Deixa um espaço livre para te saberes a ti.

Não se faz arte com bons sentimentos. Mas com os maus também não. Porque quando se entra em arte, a moral fica à porta e só entra nela a inocência que se ignora.

Não se pode verdadeiramente admirar senão quem está longe. Porque só a distância nos garante que não cheire mal da boca.

Não se procura uma doutrina para acharmos a verdade nela, mas para acharmos nela a verdade que é nossa.

Não se tem simpatia se não houver seja o que for de admiração: tem-se apenas tolerância ou piedade.

Não será difícil ser humilde quando se é grande. Difícil é ser humilde quando se é medíocre. Como é fácil ser generoso quando se é rico e não quando se tem pouco.

Não te coíbas de repetir o que já disseste, porque és pequeno e só assim talvez será possível que te ouçam.

Não te diminuas diante dos outros. Aqueles que te admiram podem sentir-se vexados. E tens a obrigação de ser amável com eles.

Não te entristeças por não poderes já ver o que verão os que vierem depois de ti. Porque depois de mortos, terão visto exactamente o mesmo que tu.

Não te perguntes se és feliz para não começares logo a não sê-lo.

Não te queixes tanto das falhas de memória. Porque se soubesses tudo o que soubeste, não te poderias mexer. E então é que não terias nenhuma.

Não te rales de te dizerem que andas sempre cabisbaixo. É o modo mais prático de encontrares uma moeda.

Não, um romance não se destina a «contar» – destina-se a «presentificar».

Nasce-se todo inteiro, mas morre-se apenas a parcela do todo que nos foi morrendo ao longo da vida e nos tinha em pé. Por isso a morte mais natural de um velho é cair para o lado.

Negar a subjectividade ou o «eu» é pretender cortar uma das mãos com essa própria mão.

Nenhum vício se pode combater pelos malefícios que traz, mas sim, por não ser aceitável para a opinião que dele têm os outros. Se queres combater o tabaco, não digas que faz mal. Diz apenas que parece mal.

No amor nunca os pratos da balança estão equilibrados. E como a essência do amor é etérea, quem pesa mais é quem ama menos.

No grande artista há uma falha a preencher e no pequeno uma falha a compensar. O primeiro nunca o consegue.

No que se conquista há que descontar o que se sofre para conquistar. E o saldo é normalmente negativo.

Normalmente o autodidacta é um tipo que pode saber tudo. Excepto o essencial. Porque o essencial é a alma que isso anima. E esse tudo é o que por fora se manifesta.

Num mundo de cegos quem tem um olho é aleijado.

Numa epidemia a morte é desvalorizada. Porque se não desvaloriza no nosso quotidiano, que é como se houvesse também uma epidemia, embora ao retardador?

Numa situação intensa não sabemos que dizer. Para isso é que há o formalismo do silêncio, traduzido num abraço de emoção ou nos «sentidos pêsames» sem emoção nenhuma.

O amor acaba quando acaba o que há nele de impossível.

O amor acrescenta-nos com o que amarmos. O ódio diminui-nos. Se amares o universo, serás do tamanho dele. Mas quanto mais odiares, mais ficas apenas do teu. Porque odeias tanto? Compra uma tabuada. E aprende a fazer contas.

O amor afirma, o ódio nega. Mas por cada afirmação há milhentas de negação. Assim o amor é pequeno em face do que se odeia. Vê se consegues que isso seja mentira. E terás chegado à verdade.

O amor destrói. A amizade constrói.

O amor e o ódio são irmãos. Mas o ódio é um irmão bastardo.

O amor é um sentimento, ou seja uma coisa espiritual. Mas sem a parte material em ordem, ele não funciona. Como não funciona um aroma, sem o que for aromático.

O amor existe pelo que não existe. Porque há-de existir a pessoa que se ama?

O artista não cria a obra de arte mas só os seus sinais de trânsito. Quem a cria é quem por eles passa.

O autodidacta é um novo-rico. Sabe as coisas, mas não sabe como usá-las. Normalmente usa-as ao peito, que é onde supõe que apenas são visíveis. Mas onde elas se vêem não é onde se vêem.

O autodidacta pode saber tudo. Excepto o porque é que isso se deve saber.

O ciúme. Que irritante. Ele é uma expressão da avidez da propriedade. Ou da petulância do domínio. Ou do gosto da escravização.

O contrário da crença não é a descrença, mas a ignorância do problema.

O contrário da justiça é a caridade.

O contrário do pessimismo raramente é o optimismo. O contrário do pessimismo, se não é a boa intenção de injectar força nos fracos, o que é bonito e faz bem, é quase sempre a idiota.

O convívio com um artista não é a melhor forma de desvendar o mistério da sua obra. Mas é talvez a melhor forma de o destruir. Ou de supor que.

O democrata corrige a teoria pela prática. O ditador é ao contrário.

O difícil em arte é criar-se emoção sem se mostrar que se está emocionado. Ou estar emocionado para antes e depois de se estar. Ou ter a emoção ao lado para nela ir enchendo a caneta.

O difícil não é imitar a grandeza com a desmesura. O difícil é que a alma não seja anã.

O fantástico não está fora do real, mas no sítio do real que de tão visível não se vê.

O génio não é bem uma qualidade mas uma característica.

O grande paradoxo do artista é ter de tornar invisível a visibilidade do artifício com que torna visível esse invisível.

O grande segredo da «profundidade psicológica» é que a verdade de um homem aguenta tudo.

O historiador é um ficcionista que tira tudo da realidade.

O homem cristaliza a sua vida em torno das ideias que angariou até aos trinta ou quarenta anos.

O homem é capaz de dar a vida por um valor; só que não sabe que esse valor a merece, antes de ser capaz de a dar.

O homem é um animal racional. Mas a razão nem sequer chega para explicar porque é que se deve ser pela razão.

O homem não gosta da paz. Gosta só de conquistá-la. Entre uma coisa e outra há muita gente estendida. É a que tem a paz verdadeira.

O indeciso e flexível da imaginação é sempre mais fascinante do que a nitidez do real.

‘O inferno são os outros’ – disse Sartre. E é sobretudo por isso que se usam óculos escuros.

O maior mistério da morte é que só o podemos saber quando já o não podemos saber.

O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado.

O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos – é não termos já mesmo perguntas.

O mais importante não é ter inteligência, mas aquilo a que se há-de aplicar. Simplesmente para isso também ela é precisa.

O mais odioso da guerra é a paixão que por ela se tem.

O mais profundo duma palavra é o que há nela de sagrado. Deus tê-la-á dessacralizado quando com ela criou o mundo. Mas nós sacralizamo-la de novo quando o recriamos com ela.

O melhor de uma verdade é o que dela nunca se chega a saber.

O perigo de uma verdade depende da idade de quem a afirma.

O prazer que nos dá uma ideia de outrem com que concordamos, vem-nos da ilusão de que fomos nós que a inventámos. Até porque fomos. Mas só agora o soubemos.

O que as calças no homem ocultam, nas mulheres revela-o. E é por isso que elas as usam justas.

O que é difícil não é demonstrar que uma obra de arte é excepcional. O que é difícil é ela sê-lo.

O que é trágico na velhice é que a morte é normal. E a sua vantagem também.

O que em mim pensa está sentindo.

O que há de pior no erro é a sua verdade. E ao contrário.

O que importa num raciocínio não é que esteja certo consigo mas que esteja certo connosco.

O que mais importa não é o novo que se vê mas o que se vê de novo no que já tínhamos visto.

O que numa obra lê a sua época, nem sempre é o que lêem as épocas que se seguem. Daí que uma obra célebre á nascença não se saiba o que virá a ser depois.

O que o moralista mais odeia nos pecados dos outros é a suspeita acusação de cobardia por não ter coragem de os cometer.

O que se consegue no que se obtém é quase sempre a decepção. Não é que falte muitas vezes seja o que for nisso que se consegue. Mas falta a esperança ou o desejo de o conseguir.

O respeito pela liberdade do espectador só tem igual no respeito do autor por si próprio. Porque é por respeito por si próprio que ele não se comove nem se ri, a não ser pelo que sobra ou é um excedente da sua vontade de rir e de se comover. É da sua estabilidade ou «indiferença» que transborda o que há-de comover ou fazer rir os outros.

O silêncio só existe em contraste com o barulho. Se não há barulho a contrastar, é ele próprio barulhento. E então apetece o ruído para ele ser menos ruidoso.

O tempo é uma construção artificial que sobrepomos a nós e à qual nos submetemos como a um boneco de horror ou lascivo que pintássemos e que nos subjugasse na sua realidade exterior e inventada por nós. É quando perdemos a noção do tempo que medimos bem o seu artificialismo.

O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.

O valor do que é raro vem de nos querermos raros a nós.

O verdadeiro real é o que está para lá dele. E esse não existe. Mas sem ele não existia o outro.

O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.

Oh, a dedicação, a estima, a generosidade. A razão fundamental por que os cães são estimados é que a sua carne não é boa para comer.

Os grandes sistemas do pensar, da ciência, as grandes correntes literárias e artísticas, os grandes ideários políticos ou religiosos. Tudo passou. Restos detritos fragmentos. Toma o teu bocado e senta-te no vão de uma porta a comê-lo.

Os grandes valores não se definem como se não define uma simples dor de dentes.

Os outros. Não lhes abras a porta. E esquece, esquece. Têm o seu mundo de intrigas, estratégias, parceirismo, glórias fúteis, veneno. Sê tu apenas. Esquece.

Para ajuizar do que é inferior é preciso ser-se superior. É por isso que um imbecil facilmente se julga um génio.

Para o escritor que falhou o presente, o reconforto é a posteridade. E essa nunca falha porque nunca se sabe se falhou.

Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.

Para se ver o que é pequeno é preciso ter um tamanho maior. Porque se o tamanho é o mesmo, o pequeno tem o tamanho máximo, por nada ser visível para lá dele.

Para se ver seja o que for não basta que isso seja possível mas que ele se integre dentro da nossa óptica. Porque conhecer é relacionar e o que se não relaciona só existe por si, ou seja, não existe.

Pensar. E se o pensar fosse uma doença, mesmo que dela resulte uma pérola?

Perante quem é que somos homens? É uma pergunta simples. Mas ela revoluciona toda a história da humanidade. Experimenta fazê-la. Experimenta pensá-la.

Perguntar se se é feliz é começar a ser infeliz, como perguntar se Deus existe é começar a ser ateu.

Pois, A emoção é decerto uma forma de se subir mais alto. E quando cai, de se cair de mais alto. Aprende a serenidade. Porque mesmo que caias, não te magoas tanto.

Pois. Tiveste em jovem a tua ideologia. Mas envelheceste. E a velhice tem já as suas falhas de memória. E uma das maiores falhas de memória é persistires no que te torna já um maníaco.

Por detrás de um triunfo há sempre uma vingança. E é numa razão directa que varia a sua grandeza.

Por um lado não posso deixar de escrever. Por outro, reconheço que não tenho já nada a dizer. Então tiro a média e ponho-me sobretudo a imaginar o que deveria escrever.

Porque é que dizes quem me dera ser feliz e não dizes quem me dera ser medíocre? Porque dirias a mesma coisa. E o que provas ao dizê-lo é só que afinal já o eras.

Porque é que estranhas tanto que um deputado deixe o partido e vá ser deputado para outro lado? O jogador de futebol também muda de clube.

Porque é que o sonho é o símbolo do ideal e da beleza, se ele é quase sempre um pesadelo?

Porque é que queres ser feliz, se não queres ser medíocre? Tens de escolher.

Porque há-de envergonhar-te o pensares ‘eu’? Mas é a única forma de existirem os outros que te atiram à cara com essa vergonha.

Porque o que mais custa a suportar não é a derrota ou o triunfo, mas o tédio, o fastio, o cansaço, o desencorajamento. Vencer ou ser vencido não é um limite. O limite é estar farto.

Porquê? Para quê? Economiza os teus «porquê» e «para quê». Ou utiliza-os só até onde houver resposta. Porque a última resposta a eles é o impossível e o vazio. Ou então terás de mudar de universo. E estás cá tão bem…

Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si se cale para elas se ouvirem. As que talvez ignores por nunca as teres pensado. As que podem sobreviver quando o grande silêncio se avizinha.

Qual o verdadeiro sentido de um romance ou de um poema? Se se pudesse realmente dizer, o poema ou o romance possivelmente não existiam.

Quando nascemos, assinámos logo um contrato com a morte. Porque é que depois fazemos todo o possível por não cumpri-lo?

Quando se apanha um mentiroso, ele pode perguntar-nos – e o que é verdade? E o mais provável é termos de o deixar seguir.

Quando se dão dois beijos é sinal de amizade; quando se tem amor dá-se só um. O amor é exclusivista. Ou concentracionário…

Quando uma doença não tem cura, é que há muitos remédios para a curar.

Quanta explicação para a história do homem. Mas é tão simples, afinal. A história do homem é a história da importância de nós. O resto são maneiras ou expedientes ou condicionamentos de isso se efectivar.

Quantas vidas se fariam com o que a nossa não utilizou.

Quanto custa amadurecer. Felizes daqueles que amadurecem cedo. Coitados daqueles que amadurecem cedo. Quando é a altura de amadurecerem já estão podres.

Quanto maior se é, mais repetido se é. Platão, Aristóteles, Kant, quantos outros. Ainda se não calaram nos que deles falaram. E é possível que só se calem quando a espécie humana se calar.

Quanto mais alto se sobe, mais longe é o horizonte.

Quanto mais grave é uma doença, maior tem de ser a esperança. Porque a função da esperança é preencher o que nos falta.

Quanto mais intenso é um sentimento (de emoção ou de cómico) mais discretos têm de ser os meios que os promovem.

Quanto mais original é uma obra, mais banal ela se torna.

Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram. No Carnaval desmascaram-se.

Que importa o que erraste? Não haveria verdade nos outros sem o teu erro próprio. E assim colaboraste na harmonia da vida. Se no mundo houvesse só uma cor, não haveria sequer essa cor.

Que importa que já o saibas? Só se sabe o que já nos não surpreende.

Quem procura a glória não a merece, quem a merece não a procura.

Ri sempre de maneira que alguém fique, sem saberes, a chorar dentro de ti. Porque se o riso permanece, o que encontra dentro de ti é o idiota que lá estava à sua espera.

Rimos francamente, se a piada vem de um tipo do nosso nível. Rimos com deferência, se de um nível superior. E só por condescendência sorrimos, se vem de um tipo de nível inferior. É que o riso é uma concessão e nós somos muito ciosos da nossa importância.

Saber tudo de tudo. Ou tudo de algum saber. Decerto é impossível e mesmo indesejável. Mas que tu sintas que é bela a luz ou ouvir um pássaro cantar e terás sido absolutamente original. Porque ninguém pode sentir por ti.

Salvar a vida, até onde é possível, mesmo à custa da morte. É o acto do suicida.

Sê alegre apenas depois de dares a volta à vida toda. E regressares então a uma flor, ao sol num muro, a um verme no chão. A profunda alegria não é a do começo mas a do fim.

Se és artista, não fales em ser maior ou menor, para não confundires a tua obra com uma prova de atletismo.

Se fazes questão em reflectir sobre o enigma da vida e do universo, vê se te despachas depressa, que a espécie humana qualquer dia acaba.

Se não há amor como o primeiro, porque é que ele não é o último?

Se te é indiferente matar uma criança ou uma mosca, podes dizer com verdade que estão mortos todos os valores. Mas nesse caso e em coerência com essa verdade, deve ser-te indiferente continuares livre ou seres preso. Ou enforcado.

Se um argumento fosse decisivo, não havia partidos políticos.

Ser feliz é não saber que se o é. Como só se sabe da saúde quando se está doente.

Ser forte à custa alheia é ser fraco à custa própria.

Ser inteligente é ser desgraçado. O imbecil é feliz. Mas o animal também.

Ser tímido é dar importância aos outros. Ser desinibido é dá-la a si próprio. Mas normalmente o tímido tem-na. O desinibido não.

Só à distância se admira alguém, no tempo ou no espaço, porque nos não faz concorrência. Sinto que enfim começo a ser aceite. Sinal de que já vou sendo do passado.

Só numa situação concreta sabemos o que realmente somos.

Só o que é de mais é que é bastante.

Sobre poucas coisas, todos dizemos estar de acordo. Porque para todas, bastam os cemitérios.

Somos o que somos por efeito do que se é e não do que se acumulou sobre isso. O que se acumula apenas coordena o que já se é no nível a que se vai ser.

Tanto como já li e aprendi e guardei. E nada disso me serve para olhar uma simples flor.

Tem piada. Deus não tem moral nenhuma. O «tu deves» instaura uma distância entre o absoluto do dever e a finitude de quem é obrigado. Deus não pode ter distância de nada. E é porque ele é a-moral que nós não podemos julgá-lo imoral e pedir-lhe portanto satisfações.

Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.

Ter firmeza de carácter é ser fiel àquilo em que já se não acredita.

Ter firmeza de carácter não é dizer sempre que 2 + 2 = 4. É dizer por exemplo que são cinco – e persistir…

Teve uma ideia, tão original e tão esquematizada em máxima sentenciosa, que se tornou um lugar-comum e perdeu a originalidade. Mesmo para quem a criou.

Toda a cultura assenta na interpretação dos factos. Os factos em si permanecem, sujeitos embora a emendas como factos que são. Mas não a sua leitura.

Toda a cultura é um diálogo com o seu tempo.

Toda a explicação pressupõe o conhecimento do inexplicável, ou seja, do que seria mais interessante explicar.

Toda a obra de arte é datada. A diferença entre a grande e a pequena é a que sobra dessa data.

Toda a surpresa deixa de o ser quando integrada nos nossos hábitos. E é por isso que uma obra de arte do passado nos deixa quase indiferentes.

Toda a verdade cansa. A génese da História está aí.

Toda a verdade convicta cria logo discípulos. Porque o que seduz na força da verdade é a verdade da sua força. Com a verdade criou-se um sistema, com a força pode criar-se um império. E o domínio importa mais do que o saber. A verdade é impessoal, o domínio não.

Toda a verdade e todo o erro, se repetidos mil vezes, tendem a converter-se no seu contrário. Apenas pela razão de nos fatigarem.

Toda a vida mental é uma construção no abismo de nós com um real como pretexto ou rampa de lançamento.

Toda a virtude devia meter sacrifício. Mas a maior parte das pessoas é virtuosa por preguiça.

Toda a virtude é uma contrariedade. É por isso que os padres não são castrados.

Todo o animal tem uma alma à medida de si. Só o homem a tem infinitamente maior. E o seu drama, desde sempre, é o de querer preenchê-la.

Todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil.

Todos podemos saber uma coisa desagradável de alguém. E esse alguém pode saber que sabemos. E nós sabermos que sabe. No entanto não gosta que o digamos. Quem fica mais a sabê-lo se o dissermos?

Trabalhar um livro até à minúcia de uma palavra. E depois um leitor engolir tudo à pressa para saber ‘de que se trata’. Vale a pena requintar um vinho para se beber como o carrascão?

Tudo se pode aprender, excepto a morte. Porque só se aprende o que já está em nós. E a morte não está.

Um casal de velhos tem o mesmo sexo.

Um deles era muito inteligente e aprendeu tudo, entendeu tudo e levou isso tudo consigo quando morreu. O outro era razoavelmente estúpido e inventou um modelo aperfeiçoado de aguça-lápis. E existiu mais.

Um Deus faz-te muita falta? Mas não mais que um Deus a ele. E é para isso que existes. Para ele a não sentir.

Um génio é um tipo que vive intensamente seja o que for.

Um grande livro não é bem o tema e personagens e situações e escrita e tom e tudo o mais que se quiser: é o que sobra disso tudo e se não identifica com nada disso. E todavia tal grande livro é mesmo tudo isso com que se identifica.

Um homem cumpre-se melhor no corpo do que no espírito.

Um prazer não está só nele mas ainda e sobretudo em poder interromper-se.

Um sentimento define-se segundo a pessoa que se é. Quando jovem, o amor é um impossível que se deseja possibilitar e que quando isso acontece se desfaz. Na velhice o amor define-se como uma grande paciência. Como às vezes se define o génio.

Uma boa frase cria a sua verdade. É por isso que os políticos escolhem meticulosamente os seus slogans para criarem a deles.

Uma boa frase é como uma boa anedota: dá brilho a quem a inventa e sobra ainda para quem a repete.

Uma convicção é mais uma forma de estarmos com os outros do que connosco ou os argumentos que tivermos.

Uma convicção num jovem é a desordem, num adulto, um equilíbrio, num velho, uma mania.

Uma diferença entre uma grande obra de arte e uma obra medíocre é que a grande obra tende a tornar-se um lugar-comum e a medíocre não o consegue por já o ser.

Uma dor de que se fala já não é dor sentida.

Uma forma de o medíocre convencido imitar a grandeza é não dizer mal de ninguém.

Uma guerra ganha-se com a razão da força. E o vencedor conta-a depois com a força da razão.

Uma história vivida não tem tempo de calendário – tem-no só no que se viveu.

Uma mulher bela concentra no rosto a atenção dos homens. Mas se essa mulher se despir, a atenção concentra-se noutro lado. E a razão é simples: é que esse lado é que é a razão do outro.

Uma obra de arte não é para «entender», mas só para «compreender». No segundo caso é muito menos limitada.

Uma opinião que se tem passa pela pessoa que somos e não pelas razões para a ter. É por isso que todos têm opinião e poucos informação para isso. Mas é por isso também que a mesma informação pode dar opiniões contrárias. Porque tudo se pode trocar, menos a pessoa que se é.

Uma verdade que se aceita começa logo a morrer. Ou seja, a ser erro. É a altura de outro erro começar a nascer. Ou seja, a ser verdade.

Uma verdade só é verdade quando levada às últimas consequências. Até lá não é uma verdade, é uma opinião.

Uma vida só tem história do princípio para o fim, se a tiver do fim para o princípio.

Vê se uma tua ideia se não torna um lugar-comum para te não dizerem que te serves de um lugar-comum quando por acaso a repetires.

Vir a morte e levar-nos. E não fazermos falta a ninguém. Nem a nós. Que outra vida mais perfeita?

Vive a vida o mais intensamente que puderes. Escreve essa intensidade o mais calmamente que puderes. E ela será ainda mais intensa no absoluto do imaginário de quem te lê.

Citações de Raul Brandão

A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomar cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda – imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus.

A vida é fictícia, as palavras perdem a realidade. E no entanto esta vida fictícia é a única que podemos suportar. Estamos aqui como peixes num aquário. E sentindo que há outra vida ao nosso lado, vamos até à cova sem dar por ela. Estamos aqui a matar o tempo.

Aqui não andam só os vivos – andam também os mortos. A humanidade é povoada pelos que se agitam numa existência transitória e baça, e pelos outros que se impõem como se estivessem vivos. Tudo está ligado e confundido. Sobre as casas há outra edificação, e uma trave ideal que o caruncho rói une todas as construções vulgares. Debalde todos os dias repelimos os mortos – todos os dias os mortos se misturam à nossa vida. E não nos largam.

Desde que se cumpram certas cerimónias ou se respeitem certas fórmulas, consegue-se ser ladrão e escrupulosamente honesto – tudo ao mesmo tempo. A honradez deste homem assenta sobre uma primitiva infâmia. O interesse e a religião, a ganância e o escrúpulo, a honra e o interesse, podem viver na mesma casa, separados por tabiques. Agora é a vez da honra – agora é a vez do dinheiro – agora é a vez da religião. Tudo se acomoda, outras coisas heterogéneas se acomodam ainda. Com um bocado de jeito arranja-se-lhes sempre lugar nas almas bem formadas.

É então um mundo de fórmulas a que eu obedeço e tu obedeces? Sem ele não poderíamos existir. Se víssemos o que está por trás não podíamos existir. O nosso mundo não é real: vivemos num mundo como eu o compreendo e o explico. Não temos outro. É a voz dos mortos insistente que teima e se nos impõe. Mais fundo: não existem senão sons repercutidos. Decerto não passamos de ecos.

Estamos enterrados em convenções até ao pescoço: usamos as mesmas palavras, fazemos os mesmos gestos. A poeira entranhada sufoca-nos. Pega-se. Adere. Há dias em que não distingo estes seres da minha própria alma; há dias em que através das máscaras vejo outras fisionomias, e, sob a impassibilidade, dor; há dias em que o céu e o inferno esperam e desesperam. Pressinto uma vida oculta, a questão é fazê-la vir à supuração.

Existe uma certa grandeza em repetir todos os dias a mesma coisa. O homem só vive de detalhes e as manias têm uma força enorme: são elas que nos sustentam.

Nenhum de nós sabe o que existe e o que não existe. Vivemos de palavras. Vamos até à cova com palavras. Submetem-nos, subjugam-nos. Pesam toneladas, têm a espessura de montanhas. São as palavras que nos contêm, são as palavras que nos conduzem. Mas há momentos em que cada um redobra de proporções, há momentos em que a vida se me afigura iluminada por outra claridade. Há momentos em que cada um grita: – Eu não vivi! eu não vivi! eu não vivi! – Há momentos em que deparamos com outra figura maior, que nos mete medo. A vida é só isto?

O hábito é que me faz suportar a vida. Às vezes acordo com este grito: – A morte! A morte! – e debalde arredo o estúpido aguilhão. Choro sobre mim mesmo como sobre um sepulcro vazio. Oh! Como a vida pesa, como este único minuto com a morte pela eternidade pesa! Como a vida esplêndida é aborrecida e inútil! Não se passa nada, não se passa nada. Todos os dias dizemos as mesmas palavras, cumprimentamos com o mesmo sorriso e fazemos as mesmas mesuras. Petrificam-se os hábitos lentamente acumulados. O tempo mói: mói a ambição e o fel e torna as figuras grotescas.

O respeito pelos pais só resiste enquanto os pais respeitem o interesse dos filhos.

Reduzimos a vida a esta insignificância… Construímos ao lado outra vida falsa, que acabou por nos dominar. Toda a gente fala do céu, mas quantos passaram no mundo sem ter olhado o céu na sua profunda, temerosa realidade? O nome basta-nos para lidar com ele.

Só a insignificância nos permite viver. Sem ela já o doido em que nós prega, tinha tomado conta do mundo. A insignificância comprime uma força desabalada.

Toda a gente forceja por criar uma atmosfera que a arranque à vida e à morte. O sonho e a dor revestem-se de pedra, a vida consciente é grotesca, a outra está assolapada. Remoem hoje, amanhã, sempre, as mesmas palavras vulgares, para não pronunciarem as palavras definitivas. E, como a existência é monótona, o tempo chega para tudo, o tempo dura séculos.

Citações de Miguel Esteves Cardoso

A alegria tem uma vergonha que é só dela e é malcriado proclamá-la. Ou, pelo menos, cria a impressão de dar azar. Parece existir, no contrato existencial, uma obrigação para com a tristeza que não destoe do mau estado do mundo e do sofrimento humana.

A amizade, entre um homem e uma mulher, é (o leitor que escolha): um bico de obra; uma coisa muito linda; ainda mais complicado que o amor; absolutamente impossível; amizade da parte da mulher e astúcia da parte do homem; astúcia da parte da mulher e amizade da parte do homem; só é possível se a mulher for forte e feia; impossível se o homem for minimamente atraente; receita certa para a desgraça; prelúdio certo para o romance; indescritível; inenarrável; sempre desejável; o que Deus quiser; o diabo.

A base de uma cultura gastronómica é sempre a pobreza – bem dizem os ingleses que a necessidade é mãe da invenção. Ou alguma vez o nosso receituário de bacalhau seria tão rico como é se o bacalhau, durante os séculos em que estimulou a criatividade caseira, estivesse ao preço que está hoje? Quem inventaria as iscas se pudesse comer sempre bifes do lombo?

A caligrafia – que é escrever bem, com beleza e legibilidade – continua a ser, por muito fútil que possa parecer, um triunfo gráfico da nossa alma.

A felicidade é não estar triste; não estar doente; não estar desempregado e não ser obrigado a pensar em todas as outras coisas que antecedem – e excluem, automaticamente, por questões básicas de necessidades – a consideração da felicidade. É entristecer com razão, mas sem resultado. Ser feliz é poder fingir, convincentemente, que se tem razão para andar triste ou não.

A felicidade, em Portugal, é considerada uma espécie de loucura. Porquê? Porque os Portugueses, quando vêem uma pessoa feliz, julgam que ela está a gozar com eles. Mais precisamente: com a miséria deles. Não lhes passa pela cabeça que se possa ser feliz sem ser à custa de alguém.

A lealdade e a inteligência – acho eu – não são divisíveis. Quem é inteligente, é leal. Compensa. Recompensa. Corresponde. É verdade que há pessoas leais que são estúpidas mas, nessa lealdade, há já uma irrefutável inteligência.

A minha mãe ensinou-me que, para uma mulher, os homens são um pouco simplórios e que, para mantê-los interessados, basta fazer como uma torneira, de onde ora sai a água quente ou água fria. Oscila-se entre as duas temperaturas do modo mais aleatório possível, para que eles jamais possam prever como vai correr o feitio das mulheres. O segredo das mulheres nunca contou. Era leal à causa.

A única solução que nos pode acompanhar até ao fim da vida é a mais complicada e saudável. É não querermos ser «eu» mas apenas mais inteligentes, tolerantes, sábios e interessantes; mais pensativos, mais abertos, mais divertidos, mais próximos do divertimento que é a vida – esse grande desvio (que é o autêntico significado de «divertimento»); uma distracção permanente.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Aldrabar não é só enganar. É enganar sem o devido cuidado; sem o mínimo esforço. Enganar é nobre, implica um mínimo de esforço e respeito pela vítima: ser enganado não é sinal de estupidez.

Ao menos o aldrabão, através das palavras que nos deixa, pode ser analisado e confrontado. O calado, em contrapartida, está protegido. Não tendo falado, não mentiu. Mantendo o silêncio, não induziu ninguém em erro. E, caso tenha induzido, a culpa obviamente não foi dele…

Aprender é a coisa mais inteligente que se pode fazer. Ensinar é um acto generoso mas, quando se limita à transmissão, é bastante mais estúpido.

As mulheres não são mais infiéis do que os homens. Por muito que gostassem que assim fosse (e assim se pensasse), estão impedidas de ser mais infiéis pela circunstância de serem humanas.

Às vezes – talvez sempre – são os mais lentos que aprendem as lições mais óbvias.

Bendito o dia. Bendita a hora. Bem digo eu, com o mais doce amor, que a hora em que a conheci e me apaixonei por ela foi a hora da minha glória, o momento mais sentido, aberto e despreocupado da minha vida. Ela não é como o calor. Ela é rara ser como ele, embora possa. Ela é como o clima; ela é como Portugal, de norte a sul e de litoral a interior. O meu amor nasceu ontem. Eu nasci um segundo depois.

Dado o pouco a que se presta a TV em matéria de discussão de ideias, é natural que a atenção, aflita à procura de um foco, se concentre no espectáculo nada elevado mas divertido dos mútuos assanhamentos da política. Fazem bem jornalistas e realizadores em deixar chover as chapadas ao gosto dos pugilistas.

De repente, fugir tornou-se uma dignidade. Já ninguém aguenta uma derrota. A persistência; a determinação e, sobretudo, a bendita paciência são hoje qualidades desprezíveis. Aguentar e esperar pela próxima oportunidade consideram-se teimosias gananciosas; arrogâncias; estupidezes.

É incrível que ainda haja quem finja que são os programas e as ideias que decidem os votos. As pessoas votam em pessoas e em partidos e, se e quando coincidem os dois impulsos, maior e mais fácil é a festa.

É natural que os outros tenham sempre razão, pelo simples facto dos outros serem cinco biliões (ou lá o que é) menos um e de eu ser apenas esse um. Ser influenciado é assim um reconhecimento da nossa pequena participação no mundo e da riqueza interminável desse mundo; é um acto alegre de humildade; um sinal enérgico de dependência humana.

É um defeito particularmente português querermos distinguir-nos do empreendimento onde trabalhamos e de que fazemos parte. Preferimos falar, distantemente, do «lugar» ou «sítio» onde trabalhamos, como se fosse apenas uma questão utópica de localização.

Escrever é uma maneira de pensar que não se consegue pelo pensamento apenas. Todos os constrangimentos sintácticos e gramaticais da escrita, em vez de nos reprimirem, levam-nos a encontrar frases que não existiam antes de serem escritas, que não podiam existir de outra forma.

Esta insegurança é irritante. Um homem pode ser amado por cem mulheres bonitas e no dia em que uma feia lhe vira a cara desaba-se-lhe a confiança. Acha que as outras cem é que estavam enganadas e que só esta percebeu finalmente que ele não prestava para absolutamente nada. A uma mulher, em contrapartida, basta ser amada uma única vez para achar que os cem homens que a rejeitam são simplesmente parvos que não sabem o que perdem.

Façam o que fizerem na vida, para ganhar algum, os intelectuais verdadeiros são aqueles que preferem ler a escrever; ler a fazer; quase (quando não têm sorte), ler a viver. Mesmo que tenham de dizer o contrário. Ler vem sempre primeiro. Escrever vem depois.

Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram “em diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.

Hoje, ser-se egoísta é quase uma coisa boa – chega a ser elogiado como condição necessária – enquanto se vai tornando impossível ou, de qualquer modo, indecorosa, a maior das qualidades humanas, que é o altruísmo.

Mesquinho é o caso de amor que pode ser amavelmente resolvido com proveito para ambas as partes. Quando homem e mulher «ficam amigos» é porque nunca foram outra coisa. O amor verdadeiro é um desespero constante. Os problemas mais espectaculares só se resolvem com mortes. Não há conselhos que lhes valham.

Muito depende de sermos capazes de estar no momento em que estamos, sem pensar no que fizemos para ali estar ou nos preocuparmos para onde vamos a seguir. (…) Há um estado activo de recepção, de estarmos prontos para o que vier, sem termos nada marcado ou expectativa nenhuma.

Na verdade, não há amor sem insegurança. Quem tem a certeza de ter quem quer, ou não tem, ou não quer grande coisa. A segurança é mais para desodorizantes do que para paixões: “E se alguém vier para lhe oferecer flores e se estampar no chão à sua frente fracturando a cana do nariz e espirrando sangue para cima do seu vestido de seda branca… você sabe que é Impulse.”.

Não só não me importo como acho uma honra ser, como se diz, pirateado. Não só pelo facto de eu próprio ser pirata. É porque o mundo mudou.

No amor, somos todos meninos. Meninos, pequenos, pequeninos. Sentimo-nos coisas poucas perante a glória descarada de quem amamos. Quem ama não passa de um recém-nascido, que recém-nasce todos os dias.

No restaurante, se te recusares a comer uma iguaria, é a gerência que entra em neurose e a culpa é de toda a gente menos tua. Em casa, o facto de não gostares (e de não comeres) é julgado como uma falta de amor, de dignidade, de tento, de tudo.

Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que se quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar. O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.

O amor é uma coisa muito estranha, que todos os dias nos acorda, depois de sonhos inequívocos, a lembrar-nos que estamos condenados à pessoa que amamos. E ficamos, por estarmos apaixonados, convencidos. Que o nosso inteiro coração, por estar ocupado por ela, está entregue a expandir-se ilimitadamente por causa disso, por uma só pessoa.

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso «dá lá um jeitinho» sentimental.

O frio torna as paisagens mais nítidas. O calor esborrata-as.

O grande amor nunca pode acabar bem. Mesmo que ambos morram ao mesmo tempo, num desastre, será sempre uma tragédia. Assim é com todos os amores que temos: morremos enquanto os amamos. Morre quem amamos e, ao mesmo tempo, quem nos amava.

O poder só dá prazer ao princípio. Depois vicia. Com uma agravante: a partir de certa altura, não se consegue arranjar mais.

O ser humano, por natureza, prefere o passado ao futuro ou vice-versa, sempre à custa do presente. Tanto a ideia que as coisas vão melhorar (não podem piorar mais) como a ideia que não vão piorar (é triste ficar na mesma).

O tédio parece chato ao princípio, mas, caso leve a um saudável desespero, acaba sempre por ser fértil e criativo.

O tempo o amor começam enquanto continuam. É quando o amor continua que se está mais apaixonado.

O tempo que perdemos a fotografar ou a filmar onde vamos e o que fazemos: mais do que interrupções, são subtracções. O tempo perdido em apontamentos e fotografias é um estúpido virar-de-costas – um roubo – à riqueza daquela ocasião, sabida, à partida, finita.

Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, fachada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade.

Os casamentos estão para os números e para a sorte como as rifas e as lotarias. Havendo amor, passa-se a semana a pensar que se vai ganhar e depois há um dia em que se perde – quando há discussões – seguido de mais uma semana com uma nova esperança. O amor está lá sempre, quer se ganhe ou se perca. O amor corresponde ao jogo em si. Há jogos sucessivos com resultados diferentes, mas o jogo é sempre o mesmo. Aos jogadores apenas se pede o impossível, facilmente concedido: acreditar que podem ganhar.

Os homens convenceram-se de que, por natureza, são infiéis. Porque foram concebidos para cobrir todas as fêmeas do planeta. Vontade não lhes falta; o problema é não contarem com a colaboração das ditas, para além da falta de tempo e de paciência para seduzir as que, de certezinha, se deixariam levar.

Os homens são todos iguais, até na maneira de gostarem das mulheres. É a nossa única superioridade. Um homem, quando ama uma mulher adora-a. Uma mulher, quando ama um homem, aceita-o. Um homem vê todas as mulheres na mulher que ama. A mulher esquece os outros homens. Um homem ama e respeita uma só mulher. Uma mulher limita-se a amar só um.

Os homens são todos iguais. É este o (seu) segredo. Apesar das mulheres serem todas diferentes. Se os homens fossem todos diferentes, as mulheres seriam felizes. E os homens odiar-se-iam, como as mulheres se odeiam. E seriam ainda mais infelizes que as mulheres, porque são menos espertos.

Os livros são como amizades que se fazem. É um erro sentimental dizer que são amigos. Só as pessoas e os animais podem ser amigas – e mesmo os animais têm pouco voto na matéria, coitados. Se calhar, os livros nem amizades são. São mais conhecimentos que se travam e que, nalguns poucos casos, se aceleram, para se tornarem amizades.

Os melhores petiscos são aqueles que não podem ser comprados – por muito dinheiro ou amor que se tenha – mas somente adquiridos por ter nascido e vivido num determinado lugar; por ser filho, sobrinho ou compadre de determinadas pessoas.

Os melhores sonhos de todos são aqueles que nos põem a pensar e a mexer. Os únicos sonhos de que vale a pena falar são os que não nos deixam dormir.

Para se ser feliz é preciso ser-se um bocado parvo. Eu, por exemplo, sou. A felicidade é inversamente proporcional a uma série de coisas de boa fama, como a sabedoria, a verdade e o amor. Quando se sabe muito, não se pode ser muito feliz. A verdade é quase sempre triste.

Para termos uma noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que fica. Coisa pouca. Sozinho quase ninguém é quase nada. É somente juntos que podemos ser alguma coisa.

Para uma família ser feliz, é necessário haver sedução. Os filhos têm de ser charmosos para encantar os pais, os pais têm de se esforçar para educarem convincentemente os filhos. E marido e mulher, caso queiram permanecer juntos, têm de passar a vida inteira a engatar-se. O mal da família é a facilidade. É pensar que aquele amor já é assunto arrumado.

Por muito educados e esclarecidos que nos julguemos, o nosso metabolismo ainda vive nas cavernas. É um grunho; um troglodita; um bicho. Está desactualizadíssimo. Tem terror de morrer à fome. Daí que aproveite tudo o que papamos.

Por muito que se goste de chorar o passado ou preferir o presente, a História demonstra, em traços largos, que o futuro é sempre melhor para a maioria das pessoas. A sensação do dia-a-dia de estar tudo cada vez pior perde sempre quando é comparada com as condições há apenas um século atrás. Nem é preciso recuar no tempo – basta ver a facilidade com que se morre nos países muito mais pobres do que o nosso, que são muito mais do que metade dos que existem. Nos mais pobres, a expectativa média de vida é igual à nossa há dois séculos atrás.

Porque é que é sempre nos momentos em que estamos mais cansados ou mais felizes que sentimos mais a falta das pessoas de quem amamos? O cansaço faz-nos precisar delas. Quando estamos assim, mais ninguém consegue tomar conta de nós. O cansaço é uma coisa que só o amor compreende. A minha mãe. O meu amor. E a felicidade. A felicidade faz-nos sentir pena e culpa de não a podermos participar. É por estarmos de uma forma ou de outra sozinhos que a saudade é maior.

Quanto mais precisas para viver, mais tens de trabalhar e menos tempo tens para ti. O maior dos luxos é o tempo. O tempo é o meu maior património.

Quem não gosta de polémicas ou é mentiroso ou um monotomaníaco de primeira.

Sem um amor não vive ninguém. Pode ser um amor sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem de ser verdadeiro.

Ser português é ser capaz de ser igual a com quem se está. Se temos uma virtude e capacidade, é essa. Temos uma costela de todas as carcaças que há no mundo. Se não formos isso, não somos nada.

Tanto a ciência como a religião estão muito atrasadas e são, desproporcionalmente, arrogantes e ambiciosas de mais, querendo ou sonhando explicar tudo o que é, sempre foi e manter-se-á incompreensível. Para o nosso bem ou mal: não somos capazes de fazer ideia.

Temos este defeito estraga-prazeres de sermos incapazes de julgar e agradecer (ou amaldiçoar) os momentos que experimentamos, por causa da expectativa preconcebida do que vai acontecer a seguir.

Um homem nunca diz tão mal das mulheres como uma mulher. Um homem tem medo das mulheres. Corre atrás delas quando elas não o querem para nada e foge delas caso alguma delas o queira. Mas aprendeu a respeitar as mulheres. Isto é, a não compreendê-las e a levar no coco. Repetidamente.

Viver torna-se uma tão estúpida obsessão que dormir bem – sempre mais do que se precisaria, esticando a ronha até ao limite do olho fechado – é cada vez mais considerado como um abraço acamado que se dá à Morte. Que disparate: dormir é viver bem.

Citações de Manuel du Bocage

A frouxidão no amor é uma ofensa, / Ofensa que se eleva a grau supremo; / Paixão requer paixão; fervor e extremo / Com extremo e fervor se recompensa.

Ah! Se a vossa liberdade / Zelosamente guardais, / Como sois usurpadores / Da liberdade dos mais?

Amor em sendo ditoso / Costuma ser imprudente, / E nos gestos de quem ama / Logo o vê quem o não sente.

Aquele canta e ri; não se embaraça / Com essas coisas vãs que o mundo adora / Este (oh, cega ambição!) mil vezes chora / Porque não acha bem que o satisfaça.

Basta, cega paixão, loucos amores; / Esqueçam-se os prazeres de algum dia, / Tão belos, tão duráveis como as flores.

Da glória, que não é romper muralhas, /Tragar a natureza, / Ou nutrir ilusões, dar vulto ao nada, / Mas em jugo macio / Docemente prender geral vontade.

De Amor os gozos são como o diamante, / Que, sem o engaste que tocar-lhe veda, / Perdera a polidez, perdera o brilho.

De quantas cores se matiza o Fado! Nem sempre o homem ri, nem sempre chora, Mal com bem, bem com mal é temperado.

Dos homens ignoras / A índole errante? / Quem é muito amado / Não é muito amante.

Faço a paz, sustento a guerra, / Agrado a doutos e a rudes, / Gero vícios e virtudes, / Torço as leis, domino a Terra.

Ingénuo, tem conta de ti! / No mundo há muitos enganos / (Eu o sei, porque os sofri); / Os bons padecem mil danos / Julgando os outros por si.

Mas, ah tirano Amor! Ou cedo ou tarde / É forçoso aos mortais sofrer teu jugo; / Amor, tu és um mal que fere a todos: / Longa experiência contra ti não vale, / Ou Virtude, ou Razão, só vale a Morte.

Meus pensamentos se apuram, / Apuram-se os meus desejos / No ténue filtro celeste / De teus espontâneos beijos.

Morrer é pouco, é fácil; mas ter vida / Delirando de amor, sem fruto ardendo, / É padecer mil mortes, mil infernos.

Ó serena amizade! / Tu prestas mais que Amor: seus vãos favores / São caros, são custosos.

Os Homens não são maus por natureza; / atractivo interesse os falsifica, / A utilidade ao mal, e ao bem o instinto / Guia estes frágeis entes.

Política feroz, que sempre armada / De bárbaros pretextos, / À morte horrenda em lúgubre teatro / Dás vítimas sem conto, / Apoucas e destróis a Humanidade, / Afectando mantê-la.

Por entre a chuva de mortais peloiros / A nua fronte enriquecer de loiros / Eu procuro, eu desejo, / Para teus mimos desfrutar sem pejo, / Pois quem deste esplendor se não guarnece, / Não é digno de ti, não te merece.

Sacode o jugo, despedaça os ferros, / A vaidade te anime. / Quase tudo o que é raro, estranho, ilustre, / Da vaidade procede, / Móvel primeiro das acções pasmosas.

Só tu, meu bem, me arrebatas / A vontade, o pensamento; / Vivo de ver-te e de amar-te, / E detesto o fingimento.

Tu, de quantos dragões o Inferno encerra, / És o pior, Inveja pestilente! / Morde a virtude, ao mérito faz guerra / Teu detestável, teu maligno dente.

Um tímido pudor activos fogos / Contrariava em vão, em vão retinha / Ignotos medos, sôfregos desejos. / Suspensa e curiosa, eu esperava / Gostosa cena, em que prolixas noites / Pensando o que seria, despendera.

Vai sempre avante a paixão, / Buscando seu doce fim; / Os amantes são assim: / Todos fogem à razão.

Virtude os meios ama, odeia extremos; / Extremos são no mundo ou erro ou culpa. / Do mesmo que abrilhanta a Humanidade / Longe, longe, ó mortais, o injusto excesso!

Vós suspirais pela posse / Das externas perfeições; / Vós cobiçais os deleites, / Eu cobiço os corações.

Citações de Machado de Assis

A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal.

A melhor definição de amor não vale um beijo de moça namorada.

A mentira é muita vez tão involuntária como a respiração.

A moral é uma, os pecados são diferentes.

A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente.

A vida é uma enorme lotaria; os prémios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra.

Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões.

As melhores mulheres pertencem aos homens mais atrevidos.

Atrás de toda a acção, há sempre uma intenção.

Como a vida é o maior benefício do universo, e não há mendigo que não prefira a miséria à morte, segue-se que a transmissão da vida, longe de ser uma ocasião de galanteio, é a hora suprema da missa espiritual.

Creiam-me, o menos mal é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim.

Descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.

Escrever é uma questão de colocar acentos.

Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito.

Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar…

Está morto: podemos elogiá-lo à vontade.

Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores digestões da minha vida são as dos jantares em que sou brindado.

Eu sinto a nostalgia da imoralidade.

Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.

Há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos.

Importuna coisa é a felicidade alheia quando somos vítima de algum infortúnio.

Lágrimas não são argumentos.

Meu amigo, a imaginação e o espírito têm limites; a não ser a famosa botelha dos saltimbancos e a credulidade dos homens, nada conheço inesgotável debaixo do sol.

Não há decepções possíveis para um viajante, que apenas vê de passagem o lado belo da natureza humana e não ganha tempo de conhecer-lhe o lado feio.

Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem.

Não levante a espada sobre a cabeça de quem te pediu perdão.

Não se ama duas vezes a mesma mulher.

O amor é o egoísmo duplicado.

O amor é o rei dos moços e o tirano dos velhos.

O coração é a região do inesperado.

O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado.

O melhor drama está no espectador e não no palco.

O ridículo é uma espécie de lastro da alma quando ela entra no mar da vida; algumas fazem toda a navegação sem outra espécie de carregamento.

O tempo é um químico invisível, que dissolve, compõe, extrai e transforma todas as substâncias morais.

O tempo, que a tradição mitológica nos pinta com alvas barbas, é, pelo contrário, um eterno rapagão; só parece velho àqueles que já o estão; em si mesmo traz a perpétua e versátil juventude.

Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem que assim é que a natureza compôs as suas espécies.

Pensamentos valem e vivem pela observação exacta ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.

Porque não há raciocínio nem documento que nos explique melhor a intenção de um acto do que o próprio autor do acto.

Prefiro cair do céu a cair de um prédio de dois andares.

Se entendeste bem, facilmente compreenderás que a inveja não é senão uma admiração que luta, e sendo a luta a grande função do género humano, todos os sentimentos belicosos são os mais adequados à sua felicidade.

Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação ou de agradecimento.

Trata de saborear a vida; e fica sabendo, que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la.

Citações de Luís de Camões

Basta um frade ruim para dar que falar a um convento.

Coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las.

Contra o céu não valem mãos.

É fraqueza entre ovelhas ser leão.

E sou já do que fui tão diferente / Que, quando por meu nome alguém me chama, / Pasmo, quando conheço / Que ainda comigo mesmo me pareço.

Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.

Não há alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este purgatório a que chamais honra: onde muitas vezes os homens cuidam que a ganham, aí a perdem.

Nos perigos grandes, o temor / É muitas vezes maior que o perigo.

Nunca vi coisa mais para lembrar, e menos lembrada, que a morte: sendo menos aborrecida que a verdade, tem-se em menos conta que a virtude.

Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta vaidade a que chamamos fama!

O verdadeiro sábio está seguro / De leves alegrias e de espanto / De dor, que turba da alma o licor puro.

Porque é tamanha bem-aventurança / O dar-vos quanto tenho e quanto posso, / Que quanto mais vos pago, mais vos devo.

Quanto mais pode a fé que a força humana.

Que o de que vive o mundo são mudanças. / Mudai, pois, o sentido e o cuidado. / Somente amando aquelas esperanças / Que duram para sempre com o amado.

Quem não sabe a arte, não a estima.

Quem quis, sempre pôde.

Quem siso quer ter não tenha amores.

Sempre por via irá direita / Quem do oportuno tempo se aproveita.

Um baixo amor os fortes enfraquece.

Verdade, amor, razão, merecimento / Qualquer alma farão segura e forte, / Porém, fortuna, caso, tempo e sorte / Têm do confuso mundo o regimento.

Citações de Júlio Dinis

A aurora do amor é a quadra de devaneios e fantasias, em que a vida do coração principia e exerce sobre nós o seu mágico influxo.

A bondade é um rico manancial, que brota lágrimas ao toque da menor comoção.

A loucura é inseparável do homem; umas vezes toma-lhe a cabeça e deixa-lhe em paz o coração, que nunca se empenha no desvairar a que ela é arrastada; outras vezes há na cabeça a frieza da razão e ao coração desce a loucura para o perturbar com afectos.

A mulher sem as fraquezas do coração próprias do sexo não é uma mulher perfeita.

A nossa natureza é feita assim. Adquirido o hábito do mal, até o mal, até a dor, lhe é indispensável.

A publicação de um livro, por muito proveito e glória que traga a um autor, é sempre uma espécie de profanação desses filhos queridos da fantasia, que ele velava e acalentava com um verdadeiro amor de pai.

As mulheres não podem amar um homem em quem os olhares da mais afectuosa simpatia não insinuam calor ao coração.

Às vezes os sentimentos melancólicos trazem consigo algum prazer também, um prazer suave, íntimo, consolador.

Com o amor dá-se o mesmo que com o vinho. Perdoem-me as leitoras o pouco delicado da confrontação; mas bem vêem que ambos embriagam.

É um ensino eficaz o do infortúnio.

Em certa idade as diversões não distraem, afligem. Vive-se do passado, e para que o pensamento o retrate, é mister que o remorso lhe dê a limpidez do lago tranquilo.

Em todas as separações tem mais amargo quinhão de dores o que fica, que o que vai partir.

Em todos os homens a consciência tem só uma maneira de ser. Reprova sempre o mal, aponta sempre a culpa.

Há aparências de dureza que ocultam tesouros de sensibilidade e de afecto.

Há poucas coisas tão fatalmente contagiosas como a alegria das pessoas sérias.

Há uma idade em que a mulher gosta mais de ser namorada do que amada. Entre um amor recatado e reverente e um galanteio indiscreto e ostensivo, não hesita: prefere o segundo. O que lhe enche o coração não é o amor; é a vaidade.

Há uma idade em que a mulher gosta mais de ser namorada do que amada. O que lhe enche o coração não é o amor, é a vaidade.

Mais se aprende na leitura meditada de um só livro, de que no folhear, levianamente, milhares de volumes.

Não sei que moda anda agora de se não considerar o choro como a mais eloquente expressão do pesar! Eu por mim, é dos sinais em que deposito mais fé.

Não tenteis a louca empresa de aniquilar o sentimento, espíritos áridos que infundadamente o temeis, como coisa desconhecida à vossa alma seca e estéril. Quem deveras confia nos destinos da humanidade não tem medo das lágrimas. Pode-se triunfar, com elas nos olhos.

Ninguém sabe porque ama ou porque não ama. É uma coisa que se sente, mas que não se explica.

O amor é um som que reclama um eco.

O defeito das mulheres é não poder imaginar que haja sobre o carácter e a boa ou má disposição de um homem outra influência que não seja a da mulher.

O homem dá a vida pelo amor, e julga não ter dado nada.

O instinto feminino é o mais próprio para descobrir o lado acessível de certos caracteres azedos e para movê-los sem os magoar.

Os afectos generosos estendem a sua generosidade aos sentimentos dos outros corações, ainda quando lhes são opostos.

Procura ser tão gentil, tão atraente e tão sedutor na intimidade de tua mulher, como se, de cada vez que te aproximares dela, tivesses de novo de a conquistar.

Quando se não chora, parece que as lágrimas nos caem todas cá dentro e queimam; e o padecimento é então de morte.

Saber sacrificar tudo a um dever é a principal e mais difícil ciência que nós temos de aprender na vida.

Se nos dermos de coração a uma quimera, se ela, nas formas vagas e aéreas que reveste, nos sorrir e namorar, em vão julgamos tê-la pelo que verdadeiramente é; há sempre um ou outro momento em que a acreditamos realizável e até realizada.

Um amor bem verdadeiro, uma vida bem íntima com uma mulher, a quem se queira como amante, que se estime como irmã, que se venere com mãe, que se proteja como filha, é evidentemente o destino mais natural ao homem, o complemento da sua missão na terra.

Citações de Júlio Dantas

A arte infiltra tudo, vive de tudo. Mas onde ela é maior, é precisamente onde menos se vê.

A boca, é nas mulheres, a feição que menos nos esquece.

A felicidade é qualquer coisa que depende mais de nós mesmos, do que das circunstâncias e das eventualidades da vida.

A inteligência e a vivacidade da mulher afugentam de ordinário os homens medíocres, cujo orgulho de posse prefere, à beleza vivaz e raciocinadora, a beleza triste, passiva, submissa e silenciosa.

A liberdade, afinal, só serve na vida para nos dar o prazer de nos desfazermos dela.

A melhor maneira de ser grande é fazer-se entender pelos pequenos.

A mocidade é uma corrida vertiginosa: colhemos a flor da vida; mas, tão rápida é a nossa carreira, que mal temos tempo para lhe aspirar o perfume.

A mocidade, quando ama, não tem exigências que não sejam as do próprio amor.

A mulher que se beijou e não se teve, que se adivinhou e não se possuiu, transforma-se para nós numa obsessão, numa preocupação doentia.

A mulher só ama quando admira; para amar um homem precisa de se sentir inferior a ele.

A primeira condição para se escrever de literatura, é saber dar a impressão de que se escreve sem literatura.

A velhice é um simples preconceito aritmético, e todos nós seríamos mais jovens se não tivéssemos o péssimo hábito de contar os anos que vivemos.

A vida é uma vertigem.

Antes de se amar profundamente, não se viveu ainda; e, depois, começa-se a morrer.

As mulheres não se dão ao trabalho de justificar e de analisar as suas afeições.

As mulheres podem bem não conhecer os homens; mas conhecem-se bem umas às outras.

As mulheres que atravessam a zona perigosa dos quarenta anos nunca se consideram felizes.

Como a nossa fragilidade o concebe e o pratica, o amor é um sentimento essencialmente incómodo. Mal dois olhares se trocam e duas mãos se enlaçam, vem logo a tragédia das suspeitas, dos ciúmes, das zangas, das recriminações, estragar momentos que deviam ser os mais belos, os mais alegres, os mais despreocupados da vida.

É nas velhas casas, onde parece flutuar ainda a penumbra dourada do passado, que se recebe, mais perdurável e mais viva, a impressão da família e do lar.

Entre um homem moço e uma mulher bonita, a amizade pura, a amizade intelectual é impossível. O homem e a mulher são, fundamentalmente, irredutivelmente, inimigos. Só se aproximam para se amar – ou para se devorar.

Na sua fúria de masculinização, a mulher começou por nos encantar, e, estejamos certos, há-de acabar por nos bater.

Não há como os imitadores para nos fazerem sentir o que existe de mau na obra de um escritor ilustre.

Não há felicidade no casamento, quando a mulher não reconhece a superioridade do marido.

Não há nada que valha a dignidade do silêncio.

Não são as mulheres muito inteligentes que despertam as maiores paixões. A inteligência tem qualquer coisa de ágil, de másculo, de irritante, que repele a sensualidade misteriosa do homem.

O amor não é uma futilidade ou um divertimento; é um sentimento profundo, que decide de uma vida. Não há o direito de o falsificar.

O amor nasce de quase nada e morre de quase tudo.

O amor, como a vida inteira, está cheio de lugares-comuns.

O amor, para ser belo, não precisa de ser eterno.

O bem que se deseja só existe enquanto o vemos de longe; e toda a felicidade sonhada desaparece para nós no momento em que julgamos possuí-la.

O homem é um animal essencialmente infiel.

O maior defeito da mulher é o homem.

O que foi sempre o amor senão a mais dolorosa, a mais voluptuosa das mentiras?

Os bons livros que têm o direito de viver, defendem-se e justificam-se por si próprios.

Para se ser rigorosamente bem-educado, não basta que não nos metamos na vida dos outros; é preciso que deixemos os outros meterem-se na nossa.

Plagiar, é implicitamente, admirar.

Pode secar-se, num coração de mulher, a seiva de todos os amores; nunca se extinguirá a do amor materno.

Procura ser tão gentil com a tua mulher como no tempo que a conquistaste.

Quem encontrar na vida o verdadeiro amor, deve escondê-lo, longe do mundo, como um tesouro.

Querer que uma mulher ame toda a vida, é tão absurdo como querer que a Primavera dure todo o ano.

São tão imensamente grandes, tão paradoxalmente violentos certos amores, que atingem a expressão terrível do ódio.

Se as mulheres bonitas tivessem todos os amantes que lhes atribuem, não havia maior castigo do que a beleza.

Ser honesto é vestir uma roupa de estrelas.

Só permanecem na mulher as modas que agradam aos homens.

Toda a cautela é pouca com imaginações sempre prontas a voar para a região dos sonhos dourados.

Todas as mulheres que amam se parecem, e todas as mulheres que mentem, mentem da mesma maneira.

Todas as mulheres têm na vida uma hora perigosa. Essa hora decide da sua existência inteira. É a hora do Diabo. É o instante de fragilidade em que sucumbem para sempre, ou em que para sempre se salvam.

Todo o bem que se realiza é uma ventura que se perdeu.

Um livro mau e uma amiga íntima são os piores inimigos de uma mulher.

Uma mulher é sempre uma interrogação.