Citações de José Saramago

A democracia não se pode limitar à simples substituição de um governo por outro. Temos uma democracia formal, precisamos de uma democracia substancial.

A doença mortal do homem, como homem, é o egoísmo.

A eternidade não existe. Um dia o planeta desaparecerá e o Universo não saberá que nós existimos.

A felicidade consiste em dar passos na direcção de si próprio e ver o que se é.

A felicidade é só estar em paz consigo mesmo, olharmos para nós e recordar que não fizemos muito mal aos outros.

A felicidade é só uma invenção para tornar a vida mais suportável.

A finitude é o destino de tudo.

A grande sabedoria, penso eu, é ter um sentido relativizado de tudo. Não dramatizar nada.

A grande vitória da minha vida é sentir que, no fundo, o mais importante de tudo é ser boa pessoa. Se pudesse inaugurar uma nova Internacional, seria a Internacional da Bondade.

A História é tão pródiga, tão generosa, que não só nos dá excelentes lições sobre a actualidade de certos acontecidos outrora como também nos lega, para governo nosso, umas quantas palavras, umas quantas frases que, por esta ou aquela razão, viriam a ganhar raízes na memória dos povos.

A literatura é o resultado de um diálogo de alguém consigo mesmo.

A literatura não é a vida e também não é uma imitação da vida. Nada do que entra num livro vem de outro lugar que não seja este mundo mas o romance, ao achar-se feito, entra ele também a influir na vida.

A minha posição é a de constante interrogação.

A nossa vida é feita do que nós fazemos por ela, e do que temos que aceitar dos outros.

A palavra deixou de ter conteúdo e de ter qualquer coisa dentro, é pronunciada com uma leviandade total.

A palavra mais necessária nos tempos em que vivemos é a palavra não. Não a muita coisa, não a uma quantidade de coisas que eu me dispenso de enumerar.

A única e autêntica liberdade do ser humano é a do espírito, de um espírito não contaminado por crenças irracionais e por superstições talvez poéticas em algum caso, mas que deformam a percepção da realidade e deveriam ofender a razão mais elementar.

A única revolução realmente digna de tal nome seria a revolução da paz, aquela que transformaria o homem treinado para a guerra em homem educado para a paz porque pela paz haveria sido educado. Essa, sim, seria a grande revolução mental, e portanto cultural, da Humanidade. Esse seria, finalmente, o tão falado homem novo.

A verdade histórica não existe. A História não é mais do que uma ficção. Quer dizer, uma ficção com mais dados, concretos, reais, mas também com muita imaginação.

A vida, que parece uma linha recta, não o é. Construímos a nossa vida só nuns cinco por cento, o resto é feito pelos outros, porque vivemos com os outros e às vezes contra os outros. Mas essa pequena percentagem, esses cinco por cento, é o resultado da sinceridade consigo mesmo.

Acho que a sabedoria consiste em saber renunciar e ter consciência disso, de que é impossível conhecer o nosso próprio nome.

Acho que damos pouca atenção àquilo que efectivamente decide tudo na nossa vida, ao órgão que levamos dentro da cabeça: o cérebro. Tudo quanto estamos por aqui a dizer é um produto dos poderes ou das capacidades do cérebro: a linguagem, o vocabulário mais ou menos extenso, mais ou menos rico, mais ou menos expressivo, as crenças, os amores, os ódios, Deus e o diabo, tudo está dentro da nossa cabeça. Fora da nossa cabeça não há nada.

Antes do interesse pela escrita, há um outro: o interesse pela leitura. E mal vão as coisas quando só se pensa no primeiro, se antes não se consolidou o gosto pelo segundo. Sem ler ninguém escreve.

Antigamente dizia-se que fora da Igreja não havia salvação; agora parece que, politicamente, fora dos partidos também não há.

Antigamente eu defendia uma tese, a que regresso de vez em quando, que defende que o homem quando descobriu que era inteligente não aguentou o choque e enlouqueceu.

Ao contrário do que geralmente se crê, por muito que se tente convencer-nos do contrário, as verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira é global.

Ao contrário do que realmente se pensa, é nas diferenças onde a História se repete, não nas semelhanças.

Ao lado das minhas personagens femininas, as masculinas são insignificantes.

Ao poder, a primeira coisa que se diz é «não». Não por ser um «não», mas porque o poder tem de ser permanentemente vigiado. O poder tem sempre tendência para abusar, para exorbitar.

Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro.

Às vezes, a literatura parece-se com uma operação da Bolsa. As cotizações sobem e descem e muitas vezes só dependem da promoção.

Cada homem tem a sua parcela de terra para cultivar. O que é importante é que cave fundo.

Corre por aí que sou vaidoso. Mas eu acho que a vaidade é a coisa mais bem distribuída deste mundo. Vaidosos somos todos nós. A questão está em saber se há alguma razão para o ser ou se se é vaidoso sem razão nenhuma.

Costuma-se dizer que a solidão é enriquecedora, mas isso depende directamente da possibilidade de se deixar de estar sozinho.

Dentro ou fora de mim, todos os dias acontece algo que me surpreende, algo que me comove, desde a possibilidade do impossível a todos os sonhos e ilusões. É essa a matéria da minha escrita, por isso escrevo e por isso me sinto tão bem a escrever aquilo que sinto.

Deus e a morte são as duas faces da mesma moeda. Não podem passar um sem outro. Sem morte não haveria Deus, porque não o inventariam. Mas sem Deus não haveria morte, porque Deus tinha de fazer a vida finita.

É a literatura o que, inevitavelmente, faz pensar. É a palavra escrita, a que está no livro, a que faz pensar. E neste momento é a última na escala de valores.

É evidente: a maldade, a crueldade, são inventos da razão humana, da sua capacidade para mentir, para destruir.

É mais fácil mobilizar os homens para a guerra que para a paz. Ao longo da história, a Humanidade sempre foi levada a considerar a guerra como o meio mais eficaz de resolução de conflitos, e sempre os que governaram se serviram dos breves intervalos de paz para a preparação das guerras futuras. Mas foi sempre em nome da paz que todas as guerras foram declaradas.

Em verdade, o mundo não está para ressurreições. Já basta o que basta.

Escrevemos porque não queremos morrer. É esta a razão profunda do acto de escrever.

Estabeleceu-se e orientou-se uma tendência para a preguiça intelectual e nessa tendência os meios de comunicação têm uma responsabilidade.

Estamos numa situação em que uma democracia que, segundo a definição antiga, é o governo do povo, para o povo e pelo povo, nessa democracia precisamente está ausente o povo.

Este é o prodígio da literatura, poder ser capaz de chegar mais fundo na consciência dos leitores, mesmo falando sobre uma outra coisa.

Este país (Portugal) preocupa-me, este país dói-me. E aflige-me a apatia, aflige-me a indiferença, aflige-me o egoísmo profundo em que esta sociedade vive. De vez em quando, como somos um povo de fogos de palha, ardemos muito, mas queimamos depressa.

Eu acho que dentro de nós há um espesso sistema de corredores e de portas fechadas. Nós próprios não abrimos todas as portas, porque suspeitamos que o que há do outro lado não será agradável de ver (…) Vivemos numa espécie de alarme em relação a nós mesmos, que talvez seja não querermos saber quem somos na realidade.

Eu acredito no respeito pelas crenças de todas as pessoas, mas gostaria que as crenças de todas as pessoas fossem capazes de respeitar as crenças de todas as pessoas.

Eu apaixono-me sempre pelas minhas personagens femininas.

Eu entendo a felicidade como uma relação de harmonia, como uma relação estreita da pessoa com a sociedade, com aqueles que lhe são próximos e com o meio ambiente.

Eu entendo-me sempre melhor com uma mulher do que com um homem. A conversa é sempre mais solta, mais descontraída. Eu acho que a relação com as mulheres é mais directa.

Eu não gosto de falar de felicidade, mas sim de harmonia: viver em harmonia com a nossa própria consciência, com o nosso meio envolvente, com a pessoa de quem se gosta, com os amigos. A harmonia é compatível com a indignação e a luta; a felicidade não, a felicidade é egoísta.

Eu não sou um exemplo do que é viver neste mundo. Sou um privilegiado. Mas não posso estar contente. O mundo é o inferno. Não vale a pena ameaçarem-nos com outro inferno porque já estamos nele. A questão é saber como é que saímos dele.

Eu sou ateu, mas sempre me senti atraído pelo fenómeno religioso. Interessa-me a religião como instituição de poder que se exerce sobre as almas e os corpos.

Eu sou um céptico profissional. Vivemos num mundo de mentiras sistemáticas.

Falo de uma mudança que levasse as pessoas a pensar que isto não é bastante para viver como ser humano. Não pode ser. Se nós nos convertemos em pessoas que só se interessam pelos seus próprios interesses, vamos converter-nos em feras contra feras. E aliás é isto o que está a acontecer.

Gramsci deixou escrito o retrato fiel daquilo que eu sou: «Pessimista pela razão, optimista pela vontade». Isso diz tudo.

Há duas palavras que não se podem usar: uma é sempre, outra é nunca.

Há quem continue a procurar um Deus porque ainda não apagámos totalmente o medo, nem eliminámos a morte.

Há sempre um zarolho ou um esperto que nos governa.

Há uma pergunta que me parece dever ser formulada e para a qual não creio que haja resposta: que motivo teria Deus para fazer o universo? Só para que num planeta pequeníssimo de uma galáxia pudesse ter nascido um animal determinado que iria ter um processo evolutivo que chegou a isto?

Incluir a literatura entre os agentes da transformação social é uma reflexão ingénua e idealista.

Já não adianta nada dizer que matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino. Para os que matam em nome de Deus, Deus é o Pai poderoso que juntou antes a lenha para o auto-de-fé e agora prepara e coloca a bomba.

Na minha opinião, ser escritor não é apenas escrever livros, é muito mais uma atitude perante a vida, uma exigência e uma intervenção.

Não é viver muito, que é a aspiração humana. Viver eternamente seria estar condenado a uma velhice eterna. Salvo se o tempo parasse.

Não há formação para se ser escritor. Passe por onde passe, o escritor é sempre um autodidacta. Quando se senta pela primeira vez e escreve as primeiras palavras, não lhe serve de muito ter andado na universidade, ou na outra, a que chamamos universidade da vida. Serve, mas não é por isso que escreve. (…) O que acontece é que talvez nos achemos demasiado importantes, demasiado interessantes.

Não há nenhum caminho tranquilizador à nossa espera. Se o queremos, teremos de construí-lo com as nossas mãos.

Não preciso de conselhos. E não mos dêem porque me irritam. Irritam porque quem está dentro do trabalho sou eu. Posso estar equivocado, mas é um equívoco que resulta naturalmente do próprio trabalho.

Não romantizo nada o ofício de escrever. No fundo, romantizá-lo é outra maneira de parecer interessante.

Não sabemos o que é ser infinitamente bom. Sabemos o que é ser relativamente bom. E sabemos que não somos capazes de ser bons toda a vida e em todas as circunstâncias. Falhamos muito. E depois reconsideramos, o que não quer dizer que o reconheçamos publicamente.

Não são os políticos os que governam o mundo. Os lugares de poder, além de serem supranacionais, multinacionais, são invisíveis.

Nem a arte nem a literatura têm de nos dar lições de moral. Somos nós que temos de nos salvar, e isso só é possível com uma postura de cidadania ética, ainda que isto possa soar antigo e anacrónico. Nem as derrotas nem as vitórias são definitivas. Isso dá uma esperança aos derrotados, e deveria dar uma lição de humildade aos vitoriosos.

No acto de escrever há duas posições coincidentes, a autoridade e a sedução. Com estas duas pernas, a literatura caminha. O escritor tem um poder sobre o leitor. No fundo, todos temos necessidade de dizer quem somos e o que é que estamos a fazer e a necessidade de deixar algo feito, porque esta vida não é eterna e deixar coisas feitas pode ser uma forma de eternidade.

Nós estamos a assistir ao que eu chamaria a morte do cidadão e, no seu lugar, o que temos e, cada vez mais, é o cliente. Agora já ninguém nos pergunta o que é que pensamos, agora perguntam-nos qual a marca do carro, de fato, de gravata que temos, quanto ganhamos…

Nós, os seres humanos, matamos mais que a morte.

Nunca esperei nada da vida. Por isso tenho tudo.

O amor não resolve nada. O amor é uma coisa pessoal, e alimenta-se do respeito mútuo. Mas isto não transcende para o colectivo. Já andamos há dois mil anos a dizer isso de nos amarmos uns aos outros. E serviu de alguma coisa? Poderíamos mudar isso por respeitarmo-nos uns aos outros, para ver se assim tem maior eficácia. Porque o amor não é suficiente.

O conhecimento une cada um consigo mesmo e todos com todos.

O cristianismo tentou convencer-nos de que devíamos amar-nos uns aos outros. Eu direi uma coisa muito clara: não tenho a obrigação de amar toda a gente, mas sim de a respeitar.

O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos interesses.

O grande problema do nosso sistema democrático é que permite fazer coisas nada democráticas democraticamente.

O homem é cruel sobretudo em relação ao homem, porque somos os únicos capazes de humilhar, de torturar e fazemos isto com uma coisa que deveria ser o contrário, que é a razão humana.

O homem entra mais rapidamente no quotidiano do que a mulher; em contrapartida, a mulher vive melhor no âmbito do não real. Por isso não precisa da rotina. A mulher aprofunda; o homem expande.

O mal que algumas palavras têm não é o que significam directamente. O mal são as conotações. Nós dizemos «espiritualidade», dizemos «espírito», que não sabemos o que é. É que ninguém pode apresentar uma definição de «espiritualidade» que seja convincente. Tenho a impressão de que as palavras atrapalham muito.

O mundo não é bom – ele não tem a responsabilidade, pobre mundo, somos nós que não somos bons. O ser humano comporta-se como um animal enfermo de superstições, de rotinas, preconceitos, de que parece não sermos capazes de nos libertarmos.

O mundo seria muito mais pacífico se todos fôssemos ateus.

O nosso defeito é tomar demasiado a sério certas coisas que são sérias, mas que, como se costuma dizer, não são para tanto.

O outro é uma complementaridade que nos torna a nós maiores, mais inteiros, mais autênticos. Essa é a minha própria vivência.

O poeta não será mais que memória fundida nas memórias, para que um adolescente possa dizer-nos que tem em si todos os sonhos do mundo, como se ter sonhos e declará-lo fosse primeira invenção sua. Há razões para pensar que a língua é, toda ela, obra de poesia.

O que chamamos de «poder político» converteu-se em mero «comissário político» do poder económico.

O que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver. Reinventemos, pois, a democracia antes que seja demasiado tarde.

O que realmente nos separa dos animais é a nossa capacidade de esperança.

O ser humano é um animal doente porque não é capaz de reconhecer, ou de inventar, o seu lugar na natureza e na sociedade.

O ser humano não é intrinsecamente bom nem mau. O que verifico é que a bondade é mais difícil de alcançar e de exercer. E bem e mal são conceitos demasiado amplos. É mais fácil ser mau, mau nas suas formas menores, mau em tudo aquilo que nos afasta do outro, do que ser bom.

O tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias.

O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é o único que conta.

O universo não tem notícia da nossa existência.

Os escritores aos quais eu volto sempre são Montaigne, Pessoa e Kafka. O primeiro porque somos a matéria do que escrevemos, o segundo porque somos muitos e não um, o terceiro porque esse um que não somos é um coleóptero.

Os homens trazem em si a crueldade. Não devemos esquecer-nos disso, devemos ter cuidado. É preciso defender a possibilidade de criar e defender esse espaço de consciência, de lucidez. Essa é a nossa pequenina esperança.

Os meus escritores de referência são Montaigne, Cervantes, o padre António Vieira, Gogol e Kafka. O padre António Vieira era um jesuíta do século XVII. Nunca se escreveu na língua portuguesa com tanta beleza como ele o fez.

Os políticos dificilmente pedem desculpa às pessoas a quem de alguma maneira ofenderam.

Para mim o que me causa mais impacto ao trabalhar com a memória para escrever é descobrir-se duas coisas: que uma pessoa recorda muito mais do que pensava e que recorda coisas que julgava completamente esquecidas.

Para que serve o arrependimento, se isso não muda nada do que se passou? O melhor arrependimento é, simplesmente, mudar.

Provavelmente não sou um romancista; provavelmente eu sou um ensaísta que precisa de escrever romances porque não sabe escrever ensaios.

Qualquer idade é boa para aprender. Muito do que sei aprendi-o já na idade madura e hoje, com 86 anos, continuo a aprender com o mesmo apetite.

Quando a esquerda chega ao poder, não usa as razões pelas quais chegou. A esquerda deixa de o ser muitas vezes quando chega ao poder e isso é dramático.

Quando se vive de ilusões é porque algo não funciona. A nossa imagem (dos portugueses) mais constante é a de alguém que está parado no passeio à espera de que o ajudem a atravessar para o outro lado.

Quando um político mente destrói a base da democracia.

Quem mata em nome de Deus converte este num assassino.

Sabemos muito mais do que julgamos, podemos muito mais do que imaginamos.

Se não me interessar pelo mundo, este baterá à minha porta pedindo-me contas.

Se toda a política precisa de uma economia, a economia determina uma política; é isso que está a acontecer (com a globalização).

Se virmos a realidade, as mulheres são mais sólidas, mais objectivas, mais sensatas. Para nós, são opacas: olhamos para elas, mas não conseguimos entrar lá dentro. Estamos tão empapados de uma visão masculina, que não entendemos. Em contrapartida, para as mulheres nós somos transparentes. O que me preocupa é que, quando a mulher chega ao poder, perde isso tudo.

Sem política não se organiza uma sociedade. O problema é que a sociedade está nas mãos de políticos profissionais.

Sempre haverá gente para matar os frangos que nós comemos na mesa ou para degolar o porco donde vamos depois extrair umas suculentíssimas costoletas. Se milhões de animais são sacrificados todos os dias para que possamos alimentar-nos, também é certo que há a outra morte, a morte malvada, sanguinária, cruel; a delinquência, as máfias, a extorsão, a exploração, o assassínio, a tortura.

Sente-se uma insatisfação, sobretudo dos jovens, perante um mundo que já não oferece nada, só vende!

Ser Nobel não é a mesma coisa que ser Miss Universo – a Miss Universo assina um contrato e tem de fazer uma quantidade de coisas. Com o Nobel, não há contrato. Dão-to ou não te dão.

Seria incoerente que me opusesse a que um escritor coma do que escreve, o que me parece, isso sim, condenável, é que escreva quando não tem nada para dizer.

Só o amor nos permite conhecermo-nos.

Só se nos detivermos a pensar nas pequenas coisas chegaremos a compreender as grandes.

Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não.

Sou a pessoa mais banal deste mundo. Limito-me a sentar-me à secretária, meter a folha de papel na máquina e ir até onde posso. É como quem entra no escritório e sai dele. Não faço nenhuma espécie de exercícios de aquecimento, nem físicos, nem psíquicos.

Sou um escritor atípico. Só escrevo porque tenho ideias. Sentar-me a pensar que tenho que inventar uma história para escrever um livro nunca me aconteceu e nunca me acontecerá. Necessito de algo que me sacuda por dentro e que se me agarre com força para que eu entenda que ali há qualquer coisa para contar.

Tal como às vezes digo que, em vez da felicidade, eu acredito na harmonia, penso que o amor é o encontro da harmonia com o outro.

Talvez eu tenha um sentido fatalista da vida. Mesmo quando era novo, eu dizia a mim próprio que aquilo que fosse para mim viria parar-me às mãos. Não tenho de ir à procura, é só estar atento. Se há alguma sabedoria na minha vida, é saber esperar.

Temos que nos convencer de uma coisa, que o mais importante no mundo, pela negativa, e o que mais prejudica as relações humanas e as torna difíceis e complicadas é a inveja.

Ter como objectivo vital o triunfo pessoal tem consequências. Mais tarde ou mais cedo, tornamo-nos egoístas, mais concentrados em nós mesmos, insolidários.

Triunfar significa ter e ter mais, abandonando algo que foi importante, aquilo a que chamamos ser mais conscientes, mais solidários, mais unidos aos sentimentos.

Uma austeridade de carácter não é defeito, pelo contrário.

Vivemos num sistema de mentiras organizadas, entrelaçadas umas nas outras. E o milagre é que, apesar de tudo, consigamos construir as nossas pequenas verdades, com as quais vivemos, e das quais vivemos.

Citações de José Latino Coelho

A hospitalidade é uma pistola sempre engatilhada pela sedução a favor do egoísmo.

A literatura, quando verdadeira, genérica, não é senão uma das multíplices manufacturas da liberdade.

E preciso que os grandes homens se finem, para que das suas cinzas nasça verdejante a palma formosíssima da glória.

Nenhum povo culto pode viver sem literatura. Os indivíduos para viver e satisfazer ao seu destino hão-de comunicar as suas ideias e traduzir na linguagem as manifestações da sua inteligência. A expressão das nações, a sua conversação, o desafogo do seu espírito, é a literatura de cada época e de cada sociedade. Um povo sem letras não vive muito tempo, e se vive, é uma excepção privilegiada.

Para andar no favor e na memória dos potentados, é preciso ter sempre fumegando o turíbulo da cortesã lisonja. Desagradam as verdades. Para os vãos e para os soberbos já a ausência do louvor é vitupério.

Se os homens, que a providência enobreceu com o diadema do génio e com a realeza da inspiração, não devessem por instinto amar a liberdade, os tempos e as nações em que ela chega um dia a dominar, lhes ensinariam por nobres exemplos a segui-la por egoísmo e a venerá-la por gratidão.

Tudo é pequeno e transitório neste mundo, excepto a humanidade, a cadeia ininterrupta, por onde as sucessivas gerações vão transmitindo, acrescentado, o tesouro da comum civilização.

Citações de Jorge Amado

A adaptação de uma obra literária para a televisão, cinema ou teatro, é uma violência contra o autor.

A coisa pior que pode acontecer a um escritor é ficar cavando prêmios.

A gerente, que nos conheceu bolcheviques convictos e marginalizados, não entende nada quando vê o Mario presidente e outros ministros e escritores famosos.

A juventude é um bem imenso que você não prolonga. A juventude se acaba, nem que você queira iludir-se com esse negócio de jovem de espírito. Jovem é jovem, ponto final.

A mulher é igual ao homem. O feminino é a outra face do machismo.

A novela leva a milhões de pessoas a imagem de personagens de romance, que ficariam restritas a públicos bem menores.

A palavra é sempre perseguida por aqueles que desejam impedir que ela seja arma do homem na sua luta por uma vida melhor, de paz, fartura e alegria.

A poesia não está nos versos, por vezes ela está no coração. E é tamanha. A ponto de não caber nas palavras.

A vida me deu mais do que pedi e mereci. Não me falta nada. Tenho Zélia e isso me basta.

Aceitei o convite com muita satisfação. O Cacá é um diretor muito talentoso. A Sônia é minha filha três vezes.

Acho que o mais terrível foi a degradação do caráter. Em relação a duas coisas. Você teve a tortura. Em segundo lugar, a ditadura institucionalizou a corrupção. Hoje, esse mal faz parte dos costumes.

Acho que o socialismo é o futuro. A queda do muro significou o fim de ditaduras medonhas, que existiam em nome do comunismo, mas não eram comunismo na realidade. Acredito no avanço do homem em direção a um futuro melhor.

Acho que você não deve fazer nada que não o divirta, lhe dê prazer. Também não deve exercer um ofício, uma profissão para a qual é incompetente.

Acredito em qualquer coisa impossível no nosso tempo, quer dizer, um socialismo democrático.

Aprendi, nos anos em que estive exilado na Europa, de 48 a 52, uma coisa que o brasileiro sabe pouco, que é responder cartas. Me custa muito tempo, mas ainda hoje faço um esforço para responder.

Assim é a Bahia. Esse é o seu clima, ligado ao passado, fitando o futuro.

Baiano é um estado de espírito.

Continuo batendo com dois dedos e errando muito. Devo dizer que sou um dos homens mais incapazes do mundo. A lista de minhas incapacidades é enorme.

É necessário que os países do Primeiro Mundo entendam que é preciso preservar também cidades como Salvador, não apenas Roma ou Paris.

Em verdade sou um obá – em língua iorubá da Bahia obá significa ministro, velho, sábio: sábio da sabedoria do povo

Eu acho que o escritor verdadeiro é aquele que escreve sobre o que ele viveu.

Eu continuo firmemente pensando em modificar o mundo e acho que a literatura tem uma grande importância.

Eu era jovem, ainda não acreditava no impossível.

Eu me sinto mal. Porque eu acho que deviam ter 50 escritores mais lidos no Brasil.

Eu não corrigia nada, escrevia apressadamente, essas coisas de juventude. Mas os revisores colaboravam bravamente.

Eu sou muito otimista, muito. O Brasil é um país com uma força enorme. Nós somos um continente, meu amor. Nós não somos um “paisinho”, nós somos um continente, com um povo extraordinário.

Eu tive mais da vida do que mereci, do que pedi. Sou um homem muito feliz com a vida.

Eu vou te responder. A minha resposta é a seguinte: eu acho prêmio em geral uma bestice.

Fiz da minha vida e da minha obra uma coisa única, unidade do homem e do escritor.

Histórias engraçadas e histórias trágicas. Porém, como tenho uma visão alegre da vida, guardo, sobretudo, a memória das coisas divertidas que me fizeram rir.

Hoje, ser de outra religião que não a católica é um negócio ótimo, você até pode ser proprietário de rede de televisão.

Infelizmente eu não posso escrever um livro no Brasil. Para trabalhar eu preciso fugir.

Isto faz com que eu seja hoje um homem muito tranquilo diante da vida e diante das coisas, otimista como sempre fui.

Liberdade de expressão não há mesmo, está cada vez mais rara pelo mundo afora. É cada vez mais difícil. Chega um momento em que você tem que controlar a palavra, isso e aquilo. Realmente as condições pra você escrever estão se tornando muito difíceis e muito duras.

Mais difícil do que publicar um livro é escrever um bom livro.

Mais poderoso é o povo que supera e vence as limitações, enfrenta as terríveis condições da vida e marcha em frente, para o futuro.

Maria Bethânia é um ‘orixá vivo’, tamanha sua grandeza no palco.

Mas creio que na França há mais respeito pela privacidade das pessoas. No Brasil existe carinho, muito carinho, nenhum respeito.

Mas enquanto houver miséria, enquanto houver Terceiro Mundo, pode ter certeza, meu amigo, que não haverá paz no mundo.

Milagre de amor não tem explicação, não necessita.

Na Europa, chamam-me de mestre, mas é caminhando pelas ruas de Salvador que eu me sinto à vontade.

Na realidade, o tema da infelicidade tem engendrado montanhas de livros horríveis, umas masturbações insuportáveis.

Não acredito em literatura latino-americana, acho este termo muito colonialista. Mas cada país do continente tem sua literatura, muito boa, por sinal.

Não acredito que chegue um tempo em que a literatura seja relíquia do passado.

Não escrevi meu primeiro livro pensando em ficar famoso. Escrevi pela necessidade de expressar o que sentia.

Não me sinto constrangido, pois não sou pornográfico nem obsceno, sou um escritor realista.

Não possuímos direito maior e mais inalienável do que o direito ao sonho. O único que nenhum ditador pode reduzir ou exterminar.

Nenhum crítico ensina ninguém a fazer romance.

Nossas elites são, de fato, extremamente preconceituosas, não merecem grande atenção.

O capitalismo conserva-se o mesmo sistema frágil e injusto, produtor de guerras, de miséria, baseado no lucro, na ânsia do dinheiro. São razões muito miseráveis.

O escritor brasileiro tem que ouvir o Brasil.

O escritor, a meu ver, deve estar comprometido com o seu tempo e seu povo.

O humor não é coisa da juventude. O jovem tem força criadora, elã, paixão, entusiasmo e ímpeto, uma coisa que depois você tem menos. Depois você tem a experiência, e o humor é da experiência.

O que está acontecendo no Brasil é como uma coceira, muita gente pensa que é lepra, mas é só uma coceira, vai acabar.

O socialismo não depende de você, nem de mim, nem de ninguém. O socialismo é a marcha inexorável da humanidade que marcha pra frente.

Para criar a vida, é preciso tê-la vivido e ardentemente, com apaixonado coração.

Para fazer uma coisa que não me diverte tenho que fazer um esforço muito grande.

Para mim, o sexo sempre foi uma festa. Aos 82 anos, a festa é muito diferente do que era aos 20, aos 50, mesmo aos 60: é uma festa que é feita da experiência, do refinamento.

Pobres dos escritores que não se derem conta disso: escrever é transmitir vida, emoção, o que conheço e sei, minha experiência e forma de ver a vida.

Pode haver muita deficiência no livro de um jovem, mas haverá também nele uma coisa fundamental – a força da juventude.

Quando você morre em um país sem memória, imediatamente eles te esquecem. Quando eu morrer, vou passar uns 20 anos esquecido.

Que prêmio a mais pode querer um escritor cuja obra é lida em mais de 30 idiomas.

Sem democracia não há socialismo.

Só na Bahia poderia se ver tanta gente festejando um homem que não é político, fazendeiro, rico, cardeal ou general.

Sou filho da cultura popular da Bahia e da cultura francesa. Esta é uma das minhas misturas.

Um escritor aos 80 anos está começando a aprender a escrever.

Um escritor enquanto vive ele escreve. Você não se aposenta. Enquanto não morre, está escrevendo.

Um escritor não pode desejar nada de maior e de melhor do que ser lido. Assim ele pode cumprir sua missão.

Um instrumento anti-social e extremamente elitista.

Vejo somente uma solução para a dívida externa no Brasil. Não pagar. Não vejo outra.

Citações de Florbela Espanca

A amizade é o maior sentimento que não morre.

A felicidade na vida é já uma coisa tão restrita e quase convencional que tirar da vida uma parcela mínima desse luzente tesoiro, tão ambicionado e tão quimérico, é a maior das loucuras humanas.

A ironia é a expressão mais perfeita do pensamento.

A ociosidade é a mãe da maledicência, da calúnia e da intriga, coisas a que eu já não sei se hei-de chamar vícios se virtudes, tão habituada estou a vê-los morar em lábios tidos como santos por este mundo que é com certeza o melhor dos mundos possíveis e imagináveis.

A poesia não comporta gralhas como a prosa, que às vezes até fica melhor… É coisa tão delicada que só vive de ritmo e de harmonia. Quase dispensa as ideias. Quem lhe tocar, assassina-a sem piedade.

A única coisa que consola os tristes é a tristeza – a alegria irrita-os.

A vida é apenas isto: um encadeamento de acasos bons e maus, encadeamento sem lógica, nem razão; é preciso a gente olhá-la de frente com coragem e pensar, mas sem desfalecimentos, que a nossa hora há-de vir, que a gente há-de ter um dia em que há-de poder dormir, e não ouvir, não ver, não compreender nada.

A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente.

Acho que é no casamento que está a felicidade de um homem normal.

Afinal, quem é que tem a pretensão de não ser louca?… Loucos somos todos, e livre-me Deus dos verdadeiros ajuizados, que esses são piores que o diabo!

Ama-se quem se ama e não quem se quer amar.

Apesar de tudo, a loucura não é assim uma coisa tão feia como muita gente julga. Há tantas loucas felizes!

Conheço maus, egoístas, estúpidos, velhacos, desgraçados, indiferentes, mas santos não os conheço, e creio bem que não é espécie oriunda desta terra.

De tudo o que nós fazemos de sincero e bem intencionado alguma coisa fica.

Digo o que penso e, muito simplesmente enuncio factos pois que, apesar de poetisa, ligo bem maior importância aos factos do que às palavras por bonitas que sejam. Palavras são como as cantigas: leva-as o vento.

Dizes contentar-te com pouco; é essa, na realidade, a suprema sabedoria mas eu fui sempre a grande revoltada e a grande ambiciosa que só quer a felicidade quando ela seja como um turbilhão que dê a vertigem e que deslumbre!

Dizes tu que os livros te não consolam!? Que te irritam!? Que blasfémia, minha Júlia! Pois há lá melhores amigos!? Os livros, mas livros destes em que a alma dos bons anda sangrando por todas as suas páginas; livros que eu beijo de joelhos, como se enternecidamente beijasse as mãos benditas dos que os escreveram! Lê os versos de António Nobre, o meu santo poeta da Saudade. Lê o «Fel» de José Douro, o malogrado poeta esquecido e desprezado. Lê «Doida de Amor» de Antero de Figueiredo, e depois diz-me se eles te irritam!…

É pensando nos homens que eu perdoo aos tigres as garras que dilaceram.

É sempre difícil conhecer-se a literatura dum país de que se não sabe a língua.

É uma resposta aos que chamam ao suicídio um fim de cobardes e de fracos, quando são unicamente os fortes que se matam! Sabem lá esses pseudo-fortes o que é preciso de coragem para friamente, simplesmente, dizer um adeus à vida, à vida que é um instinto de todos nós, à vida tão amada e desejada a despeito de tudo, embora esta vida seja apenas um pântano infecto e imundo!

Em tudo eu vejo sempre os antecedentes, as consequências, as razões e as causas: sou como as crianças que desmancham o brinquedo que as entretém só pelo prazer de saber o que está dentro. Apesar do meu tradicional horror às ciências positivas, eu tenho uma grande dose de positivismo e a ciência a que na vida ligo maior importância é a matemática.

Entusiasmo-me às vezes, mas dura pouco o entusiasmo; isto enquanto a sensações e pensamentos, porque com os sentimentos é o contrário, infelizmente para mim. Tenho o pouco juízo e a patetice de ser constante; não é isso uma desgraça?

Estou cansada, cada vez mais incompreendida e insatisfeita comigo, com a vida e com os outros. Diz-me, porque não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível? E é isto que me traz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda a gente vive…

Eu julgo que a mulher verdadeiramente digna é aquela a quem repugna uma traição, seja ela de que natureza for.

Eu não sou boa nem quero sê-lo, contento-me em desprezar quase todos, odiar alguns, estimar raros e amar um.

Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinteressada delas. Eu sou ao contrário: o tempo passa e a afeição vai crescendo, morrendo apenas quando a ingratidão e a maldade a fizerem morrer.

Eu não sou muito má, mas, em compensação, sou extraordinariamente orgulhosa, e de todos os meus imensos defeitos é esse que eu mesma mais tenho combatido em vão.

Eu sou apenas poetisa: poetisa nos versos e miseravelmente na vida, por mal dos meus pecados. Não sei fazer mais nada a não ser versos; pensar em verso e sentir em verso. Predestinações…

Lembra-te que o tempo tudo consome. E se assim não fosse, o que seria a nossa vida!? Um ermo cemitério em que cada cruz representaria um morto sempre vivo! Completamente impossível! Se o tempo consome o corpo dos que morrem, como não consumir a lembrança deles? E se assim não fosse, que vida seria a nossa!? Deus, dando-nos a dor, deu-nos também o esquecimento…

Não costumo acreditar muito nos sonhos… porque de todos se acorda.

Não há dores eternas, e é da nossa miserável condição não poder deter nada que o tempo leva, que o tempo destrói: nem as dores mais nobres, nem as maiores.

Não ligo assim uma importância por aí além a esta coisa complicadíssima a que se chama vida, quer ela decorra no meio de fantásticas alegrias, quer se arraste por entre as mágoas e os desalentos que são, afinal de contas, o pão de cada dia de quase todos nós.

Não quero criar em volta do meu trabalho a mais leve sombra de escravidão. Conheço-me; nunca mais faria nada de jeito.

Nasci sensitiva e assim hei-de morrer, muito provavelmente… nós somos o que somos e não o que quereríamos ser; não te parece? Tens que me aceitar como eu sou visto que só assim eu creio que me possam ter amor.

Neste mundo só temos certa a dor e nada mais; dizem que a dor é para os eleitos… e se só os maus são felizes, bendita seja a desgraça que nos torna bons!

O costume português é deixar-se tudo em palavras mas palavras que são bolas de sabão deitadas ao ar para distrair pequeninos de seis anos.

O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades… sei lá de quê!

O meu talento!… De que me tem servido? Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequenina esmola do destino.

O silêncio é às vezes o que faz mais mal quando a gente sofre.

Olhe que a única maneira de na vida ser feliz, principalmente os seres como você, de uma grande sensibilidade, de uma extraordinária imaginação, a única maneira é construir-se um lar bem doce, bem cheio de luz onde, longe do mundo, se possa amar, se possa trabalhar, se possa viver.

Os livros – é o remédio que eu sempre receito e quase sempre dá um resultado razoável. Ponho em jogo o egoísmo humano, e lembro-me de que sempre há-de consolar a nossa dor o espectáculo da dor dos outros…

Para as traições, para as mentiras, para o que é vil e falso, tem a gente remédio: tem o orgulho; mas para a dor que te faz mal, para essa nenhum remédio há.

Para quê alcançar os astros!? Para quê!? Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz! Vê-los, vê-os toda a gente. De que serve então ser poeta se se é igual à outra gente toda, ao rebanho?…

Pena é não haver um manicómio para corações, que para cabeças há muitos.

Perdoo facilmente as ofensas, mas por indiferença e desdém: nada que me vem dos outros me toca profundamente.

Quem disser que pode amar alguém durante a vida inteira é porque mente.

Se eu tivesse saúde e dinheiro e andasse, como elas andam, a aparecer em toda a parte e a receber em suas casas toda a gente de influência nos jornais, já falavam de mim porque isto é assim: quem não aparece, esquece.

Se penetrássemos o sentido da vida seríamos menos miseráveis.

Sou bem diferente, sou, das outras mulheres todas. Eu quero antes os meus defeitos que as virtudes de todas as outras.

Sou uma criatura que necessita de trabalhar e trabalhar muito; felizmente que um trabalho como o meu é muito bem pago e tem as suas compensações, principalmente uma, que em extremo me agrada: distrair-me. É isto que eu procuro na vida, sempre e a propósito de tudo, com um afã com que todos os mortais procuram a sempre decantada e fugidia felicidade.

Tão pobres somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade.

Tenho que aprender o que ainda não sei: a ser humilde e modesta. Perdoe sempre o meu ridículo orgulho de pobre soberba; mas o orgulho tem sido a minha suprema defesa, tem sido o meu amparo e a minha força. Devo-lhe tantos e tão bons serviços!

Toda a mulher que acarinha os filhos doutra tem uma alma bem formada.

Tu julgas então que eu ambiciono alguma coisa no mundo? Ainda me conheces pouco! Eu fatigo-me até de desejar; nada há neste mundo que me não tenha cansado! Eu mais que ninguém compreendo o poeta: «Tout passe, tout lasse». E ainda tu julgas que eu me preocupo a desejar sucesso aos meus versos patetas!?… Se eu desejasse alguma coisa que deles me viesse, não trabalhava!

Um retrato é apenas a ideia aproximada de uma pessoa. A graça de um sorriso, o olhar, a expressão e tudo quanto para mim é a beleza, não pode verdadeiramente existir num retrato.

Viverei com certeza um terço do que poderia viver porque todas as pedras me ferem, todos os espinhos me laceram. Dom Quixote sem crenças nem ilusões, batalho continuamente por um ideal que não existe; e esta constante exaltação, desesperada e desiludida, destrambelha-me os nervos e mata-me.

Citações de Fialho de Almeida

A liberdade só é dom precioso quando estejam os povos feitos para ela. Dar a um semibárbaro instintivo as regalias de um ser culto e consciente, é pôr a civilização na contingência de um regresso brutal à barbárie.

Civilizado ou embrutecido, todo o homem é presa de duas forças rivais que constantemente se investem e disputam primazias. Uma, que o reporta ao passado e lhe transmite por hereditariedade as ideias, hábitos e modos de ser e de ver dos antecessores. Outra, evolutiva, que adapta o indivíduo aos meios novos, e não cuida senão de o renovar e transformar rapidamente. A vida humana não é mais que o duelo entre duas forças antagónicas.

Em países cultos e com uma noção definida de liberdade, república e monarquia constitucionais são tabuletas anunciando uma só mercadoria.

Instruir, salubrizar, enriquecer… Nenhuma obra de governo forte pode assentar sobre aquisições que não sejam as derivadas próximas destes postulados máximos e extremos.

Um cínico disse: só os imbecis se portam bem. E eis aí uma verdade universal.

Citações de Fernando Pessoa

A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação.

A arte é a auto-expressão lutando para ser absoluta.

A arte mente porque é social.

A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas. O pudor vale sobretudo para a sensibilidade como o obstáculo para a energia.

A bondade é a delicadeza das almas grosseiras.

A característica comum de todos os artistas representativos é que incluem todas as espécies de tendências e correntes.

A celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e enfraquece.

A certeza – isto é, a confiança no carácter objectivo das nossas percepções, e na conformidade das nossas ideias com a «realidade» ou a «verdade» – é um sintoma de ignorância ou de loucura. O homem mentalmente são não está certo de nada, isto é, vive numa incerteza mental constante; quer dizer, numa instabilidade mental permanente; e, como a instabilidade mental permanente é um sintoma mórbido, o homem são é um homem doente.

A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas, como se sente que são. O essencial na arte é exprimir; o que se exprime não tem importância.

A ciência é o querer adaptar o menor sonho ao maior.

A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente o nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objecto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro. Manufacturamos realidades.

A civilização é a criação de estímulos em excesso constantemente progressivo sobre a nossa capacidade de reacção a eles. A civilização é pois a tendência para a morte pelo desequilíbrio.

A coerência, a convicção, a certeza são demonstrações evidentes – quantas vezes escusadas – de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.

A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes – brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias – que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.

A consciência é o maior prodígio da inconsciência.

A coragem que vence o medo tem mais elementos de grandeza que aquela que o não tem. Uma começa interiormente; outra é puramente exterior. A última faz frente ao perigo; a primeira faz frente, antes de tudo, ao próprio temor dentro da sua alma.

A delicadeza deve concluir-se, e não ver-se. (…) A grosseria só começa quando começa a delicadeza; e o impudor desde que o pudor exista.

A diferença entre Deus e nós deve ser não de atributos, mas da própria essência do ser. Ora tudo é o que é. Portanto Deus é não só o que é mas também o que não é. Confunde-nos de Si com isso.

A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz.

A essência do progresso é decadência. Progredir é morrer, porque viver é morrer.

A experiência directa é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação. Os homens de acção são os escravos dos homens de entendimento. As coisas não valem senão na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que os outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas. Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.

A fé é o instinto da acção.

A felicidade está fora da felicidade.

A filosofia é a lucidez intelectual chegando à loucura.

A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar.

A fome só se satisfaz com a comida e a fome de imortalidade da alma com a própria imortalidade. Ambas são verdadeiros instintos.

A força sem a destreza é uma simples massa.

A ignorância é a verdadeira inocência. O maior pensador é o maior debochado.

A inspiração poética é um delírio equilibrado (mas sempre «um delírio»).

A ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente.

A justiça é para a bondade como a castidade para a timidez sexual.

A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. Talhar a obra literária sobre as próprias formas do que não basta é ser impotente para substituir a vida.

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.

A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito.

A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.

A meio caminho entre a fé e a crítica está a estalagem da razão. A razão é a fé no que se pode compreender sem fé; mas é uma fé ainda, porque compreender envolve pressupor que há qualquer coisa compreensível.

A memória é a consciência inserida no tempo.

A minha vida é como se me batessem com ela.

A moral desinteressada, pela moral só, é misticismo, não é natural nem normal.

A natureza é a diferença entre a alma e Deus.

A obra de arte é primeiro obra, depois obra de arte.

A obra de arte, fundamentalmente, consiste numa interpretação objectivada de uma impressão subjectiva. Difere, assim, da ciência que é uma interpretação subjectivada de uma impressão objectiva, e da filosofia, que é, ou procura ser, uma interpretação objectivada de uma impressão objectiva.

A percepção é o pensamento do pensamento alheio.

A poesia é a emoção expressa em ritmo através do pensamento, como a música é essa mesma expressão, mas directa, sem o intermédio da ideia.

A renúncia é a libertação. Não querer é poder.

A sensibilidade conduz normalmente à acção, o entendimento à contemplação.

A sinceridade é o grande obstáculo que o artista tem a vencer. Só uma longa disciplina, uma aprendizagem de não sentir senão literariamente as coisas, podem levar o espírito a esta culminância.

A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrência intermitentes. Cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes.

A solidão desola-me; a companhia oprime-me.

A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção.

A timidez é o mais vulgar de todos os fenómenos. O que há de mais vulgar em todos nós é termos medo de sermos ridículos…

A tolerância é falha da falta de fé. Crer é não distinguir.

A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la.

A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova.

A única vantagem de estudar é gozar o quanto os outros não disseram.

A vaidade é a confiança no «efeito» do nosso valor, o orgulho a confiança em que temos valor.

A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final.

A vida é cousa tão séria, os seus problemas são tão graves, que a ninguém assiste o direito de rir. Quem ri é estúpido – de momento, pelo menos. A alegria é a forma comunicativa da estupidez.

A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.

A vida é um mal digno de ser gozado.

A vida prejudica a expressão da vida. Se eu vivesse um grande amor nunca o poderia contar.

A visão é o tacto do espírito.

A volúpia do ódio não pode igualar-se à volúpia de ser odiado.

A voluptuosidade de fazer justiça a um adversário.

Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?

Alague o seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.

Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.

Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).

Amor não se conjuga no passado, ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente.

Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.

As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.

As ideias são prodigiosas – elas e a maneira como se associam. Num momento, descobrimos que atravessámos o mundo, e que transpusemos o infinito entre dois pensamentos.

As nações são todas mistérios. Cada uma é todo o mundo a sós.

Assim como lavamos o corpo devíamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa.

Benditos os que não confiam a vida a ninguém.

Busco-me e não me encontro. Pertenço a horas crisântemos, nítidas em alongamentos de jarros. Deus fez da minha alma uma coisa decorativa.

Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual.

Cansa tanto viver! Se houvesse outro modo de vida!

Citar é ser injusto. Enumerar é esquecer. Não quero esquecer ninguém de quem não me lembre.

Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?

Como em todo o homem existem as qualidades universais da humanidade toda em baixo grau que seja, todos são até certo ponto orgulhosos e até certo ponto vaidosos.

Compreendo que um homem seja orgulhoso; não compreendo que mostre sê-lo.

Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue.

Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer – eu sou eu ?

Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria.

Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam dessa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida.

Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu sinta excessivamente – perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e me despersonaliza.

Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror.

Criador de anarquias sempre me pareceu o papel digno de um intelectual – dado que a inteligência desintegra e a análise estiola.

Cultura não é ler muito, nem saber muito; é conhecer muito.

Custa tanto ser sincero quando se é inteligente! É como ser honesto quando se é ambicioso.

Dar a cada emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma.

Dar bons conselhos é insultar a faculdade de errar que Deus deu aos outros. E, de mais a mais, os actos alheios devem ter a vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça conselhos aos outros para saber bem, ao agir ao contrário, que somos bem nós, bem em desacordo com a Outragem.

De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.

Definir o belo é não o compreender.

Desceu sobre nós a mais profunda e a mais mortal das secas dos séculos – a do conhecimento íntimo da vacuidade de todos os esforços e da vaidade de todos os propósitos.

Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos?

Desde o momento em que nos sentimos consciência-criadora-do-universo, sentimo-nos Deus.

Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade.

Despreza tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso.

Deus é o existirmos e isto não ser tudo.

Deus é o Seu melhor gracejo.

Deus é um conceito económico. À sua sombra fazem a sua burocracia metafísica os padres das religiões todas.

Digo-vos: praticai o bem. Porquê? O que ganhais com isso? Nada, não ganhais nada. Nem dinheiro, nem amor, nem respeito, nem talvez paz de espírito. Talvez não ganheis nada disso. Então por que vos digo: Praticai o bem? Porque não ganhais nada com isso. Vale a pena praticá-lo por isto mesmo.

Dizer uma cousa falha, não porque sugerir seja melhor, mas porque ser é melhor.

Do indivíduo temos que partir, ainda que seja para o abandonar.

Dois bons poemas não valem mais juntos do que o melhor dos dois.

Duvido, portanto penso.

E assim como sonho, raciocino se quiser, porque isso é apenas uma outra espécie de sonho.

É notável que toda a obra de fôlego, pelo qual um indivíduo se institui mestre na sua categoria, é, ao mesmo tempo, obra de emoção e de pensamento, contém tanto uma forma de arte como uma fórmula de filosofia.

Em certos casos, quanto mais nobre é o génio, menos nobre é o destino. Um pequeno génio ganha fama, um grande génio ganha descrédito, um génio ainda maior ganha desespero; um deus ganha crucificação.

Entre mim e a vida há um vidro ténue. por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida – umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Esperar pelo melhor e preparar-se para o pior: eis a regra.

Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.

Exteriorizar impressões é mais persuadirmo-nos de que as temos do que termo-las.

Falar é ter demasiada consideração pelos outros. Pela boca morrem o peixe e Oscar Wilde.

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui.

Goethe diz, com verdade, que o Deus de cada homem é como esse homem; não será então o Deus do maior homem o maior Deus?

Gostava de estar no campo para poder gostar de estar na cidade.

Há dois processos de dominar ou vencer – captar e subjugar. Captar é o modo gregário de dominar ou vencer; subjugar é o modo antigregário de dominar ou vencer.

Há sensações que são sonos, que ocupam como uma névoa toda a extensão do espírito, que não deixam pensar, que não deixam agir, que não deixam claramente ser.

Há um cansaço da inteligência abstracta, e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento e da emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar da alma.

Haja ou não deuses, deles somos servos.

Hei-de por força dizer o que me parece, visto que sou eu.

Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.

Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa para vencer.

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

Muitos não sabem propriamente distinguir a originalidade da excentricidade: uma caracteriza o génio, outra manifesta o louco.

Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiperexcitação.

Nada é, tudo se outra.

Nada há que tão notavelmente determine o auge de uma civilização, como o conhecimento, nos que a vivem, da esterilidade de todo o esforço, porque nos regem leis implacáveis, que nada revoga nem obstrui. Somos, porventura, servos algemados ao capricho de deuses, mais fortes porém não melhores que nós, subordinados, nós como eles, à regência férrea de um Destino abstracto, superior à justiça e à bondade, alheio ao bem e ao mal.

Nada revela mais uma incapacidade fundamental para o exercício do comércio que o hábito de concluir o que os outros querem sem estudar os outros, fechando-nos no gabinete da nossa própria cabeça.

Não criou Deus ao mundo, senão só ao mundo que criou.

Não é o trabalho, mas o saber trabalhar, que é o segredo do êxito no trabalho. Saber trabalhar quer dizer: não fazer um esforço inútil, persistir no esforço até ao fim, e saber reconstruir uma orientação quando se verificou que ela era, ou se tornou, errada.

Não ensines nada, pois ainda tens tudo que aprender.

Não há critério seguro para distinguir o homem dos animais.

Não há felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir.

Não há normas. Todos os homens são excepção a uma regra que não existe.

Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso, de altruísmo. Não há perigo desse excesso.

Não haver deuses é um deus também.

Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.

Não será a morte – até, talvez, fisiologicamente vista – uma espécie de nascimento – o nascimento, talvez, do que era incompleto numa forma completa ou pura?

Não sou assediado pela consciência, mas sim pela consciência do ser.

Não sou da altura que me vêem, mas sim da altura que os meus olhos podem ver.

Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.

Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita.

Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças.

Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento colectivo é estúpido porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo.

Ninguém entende ninguém. Tudo é interstício e acaso, mas está tudo certo.

Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas.

No teatro da vida quem tem o papel de sinceridade é quem, geralmente, mais bem vai no seu papel.

Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos – um poço fitando o céu.

Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.

Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária.

Nunca tive dinheiro para poder ter tédio à vontade.

O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é.

O amor é uma amostra mortal da imortalidade.

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo.

O característico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo.

O catolicismo é uma religião da panaceia, como o ateísmo ou o livre pensamento é uma ilusão da farmácia.

O comerciante não tem personalidade, tem comércio; a sua personalidade deve estar subordinada como comerciante, ao seu comércio; e o seu comércio está fatalmente subordinado ao seu mercado, isto é, ao público que o fará comércio e não brincadeira de crianças com escritório e escrita.

O comércio é uma distribuição, centrífuga ou centrípeta, da produção material, ou indústria; e a cultura é uma distribuição, centrífuga ou centrípeta, da produção mental, ou arte. Os fenómenos são, pois, rigorosamente paralelos.

O dinheiro é belo, porque é a libertação.

O entusiasmo é uma grosseria.

O espírito é a inteligência concreta individualizada, tem a aparência e os gestos do génio. Por isso é que é tão fácil confundir grande espírito com génio positivo. O talento, por outro lado, está entre ambos e opõe-se por natureza a ambos.

O êxito está em ter êxito e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio senão o fizerem ali?

O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é libertar.

O génio é a insanidade tornada sã pela diluição no abstracto, como um veneno convertido em remédio mediante mistura.

O génio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.

O historiador é um homem que põe os factos nos seus devidos lugares. Não é como foi; é assim mesmo.

O homem é do tamanho do seu sonho.

O homem é um animal que quer existir.

O homem é um egoísmo mitigado por uma indolência. O animal é a mesma cousa.

O homem está acima do cidadão. Não há Estado que valha Shakespeare.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em acção.

O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar.

O inferno e o céu continuam a existir. São eternos. Quem os tira do céu tira-os para a terra.

O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo.

O mal está por toda a Terra e uma das suas formas é a felicidade.

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

O misticismo é apenas a forma mais complexa de se ser efeminado e decadente. O único lado útil da inutilidade.

O modo de encarar a vida, ou, pelo menos, certos aspectos da vida, varia de país para país, de região para região. A humanidade, sem dúvida, é a mesma em toda a parte. Sucede, porém, que em toda a parte é diferente.

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.

O mundo não é verdadeiro, mas é real.

O mundo tem o usufruto da realidade que pertence ao ser.

O nada sobrenatural do espírito.

O olfacto é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente.

O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência do nosso próprio mérito para os outros.

O pensamento ainda é a melhor maneira de fugir ao pensamento.

O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a acção sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.

O pensamento tem um vício. Cria um neologismo para o descrever – coisar.

O perfeito não se manifesta. O santo chora, e é humano. Deus está calado. Por isso podemos amar o santo mas não podemos amar a Deus.

O pessimismo é bom quando é fonte de energia.

O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente.

O poeta vale aquilo que vale o melhor dos seus poemas.

O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.

O povo português é, essencialmente, cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo.

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.

O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte do desenvolvimento superior dela – em segui-la pois mimeticamente com uma insubordinação inconsciente e feliz.

O sinal intelectual exterior da vaidade é a tendência à zombaria e ao rebaixamento dos outros. Só pode zombar e deleitar-se na confusão dos outros quem, instintivamente, se sente não vulnerável a semelhante zombaria e rebaixamento.

O sonho jovem do amor é muito velho.

O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o cepticismo não tem força para desconfiar.

O universo é o sonho de si mesmo.

O valor de uma obra de arte é tanto maior quanto é puramente artístico o meio de manifestar a ideia.

O valor essencial da arte está em ela ser o indício da passagem do homem no mundo, o resumo da sua experiência emotiva dele; e, como é pela emoção, e pelo pensamento que a emoção provoca, que o homem mais realmente vive na terra, a sua verdadeira experiência regista-a ele nos fastos das suas emoções e não na crónica do seu pensamento científico, ou nas histórias dos seus regentes e dos seus donos.

O verdadeiro sábio é aquele que assim se dispõe que os acontecimentos exteriores o alterem minimamente. Para isso precisa couraçar-se cercando-se de realidades mais próximas de si do que os factos, e através das quais os factos, alterados para de acordo com elas, lhe chegam.

O zero é a maior metáfora. O infinito a maior analogia. A existência o maior símbolo.

Obra suprema é aquela em que (a par, é certo, da rígida construção que assinala os mestres) pensamento original e emoção própria se reúnem e se fundem…

Odiamos o que quase somos.

Oportunidade, para o homem consciente e prático, é aquele fenómeno exterior que pode ser transformado em consequências vantajosas por meio de um isolamento nele, pela inteligência, de certo elemento ou elementos, e a coordenação, pela vontade, da utilização desse ou desses. Tudo o mais é herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada.

Os espíritos altamente analíticos vêem quase que só defeitos: quanto mais forte a lente mais imperfeita se mostra a cousa observada. O detalhe é sempre mau.

Os factos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente, existem factos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por conveniência, aquele nome.

Os homens são fáceis de afastar. Basta não nos aproximarmos.

Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio.

Os psiquiatras sabem (às vezes) como trabalha o espírito doente, mas não como trabalha o espírito são.

Os sonhos são como a tradução para uma língua de coisas intraduzíveis de outra; ou como a transposição para linguagem – forçosamente confusa ou complicada – de sentimentos vagos ou complexos, que a redacção normal não pode comportar.

Para cada filósofo, Deus é da sua opinião.

Para muitos a religião ainda é um culto do falo, desprimitivado já pela perversidade da consciência.

Para quem é guiado pelo sentimento, a solução de qualquer questão é fácil.

Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar.

Para vencer – material ou imaterialmente – três coisas definíveis são precisas: saber trabalhar, aproveitar oportunidades, e criar relações. O resto pertence ao elemento indefinível, mas real, a que, à falta de melhor nome, se chama sorte.

Pareço egoísta àqueles que, por um egoísmo absorvente, exigem a dedicação dos outros como um tributo.

Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela.

Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor.

Pensar é limitar. Raciocinar é excluir. Há muito que é bom pensar, porque há muito que é bom limitar e excluir.

Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.

Penso, muitas vezes, que não são os pensamentos que são demasiado profundos para as lágrimas, mas as lágrimas que são demasiado profundas para o pensamento.

Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia.

Podemos morrer se apenas amámos.

Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a vida, passa, mas a beleza com vida, que, como é beleza, não pode perecer.

Porque é bela a arte? Porque é inútil. Porque é feia a vida? Porque é toda fins e propósitos e intenções.

Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.

Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.

Primeiro sê livre; depois pede a liberdade.

Prouvera aos deuses, meu coração triste, que o Destino tivesse um sentido! Prouvera antes ao Destino que os deuses o tivessem!

Qualquer coisa se perdeu quando o Paraíso Perdido se ganhou.

Qualquer indivíduo é ao mesmo tempo indivíduo e humano: difere de todos os outros e parece-se com todos os outros.

Quando escrevo, visito-me solenemente.

Quando falo com sinceridade, não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe.

Quando puderes dizer o teu grande amor, deixa o teu grande amor de ser grande.

Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade.

Quanto mais universal o génio, tanto mais facilmente será aceite pela época imediatamente seguinte porque mais profunda será a sua crítica implícita da sua própria época.

Que a consciência da própria inimportância é o acume do conhecimento da vida.

Que homem de génio não é obcecado por um sentido de missão?

Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana! E que tragédia acreditar nela!

Quem escreve para obter o supérfluo como se escrevesse para obter o necessário, escreve ainda pior do que se para obter apenas o necessário escrevesse.

Quem não quiser sofrer que se isole. Feche as portas da sua alma quanto possível à luz do convívio.

Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma.

Quem sou eu para mim? Só uma sensação minha.

Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer.

Reduzir as necessidades ao mínimo, para que em nada dependamos de outrem.

Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista.

Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.

Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.

Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam o homem superior.

Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.

Se algum dia alguém deixasse de me achar ridículo, eu entristecia ao conhecer-me, por esse sinal objectivo, em decadência mental.

Se conhecêssemos a verdade, vê-la-íamos; tudo o mais é sistema e arrabaldes.

Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada.

Sê plural como o universo!

Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da inteligência que tem do que se julgar estúpido.

Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela.

Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias.

Sentir é estar distraído.

Sentir é existir a sós irreparavelmente. Pensar é existir com os deuses e com a substância visível e harmónica do mundo. Agir é existir com os homens e com a natureza criada.

Ser austero é não saber esconder que se tem pena de não ser amado. A moral é a má hipocrisia da inveja.

Ser compreendido é prostituir-se.

Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade, ou a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio.

Ser solitário para ser sincero e puro na alma. O homem ente colectivo – é um ser corrupto.

Sinto, por vezes, um temor espantado das minhas inspirações, dos meus pensamentos, compreendendo quão pouco de mim é meu.

Sinto-me nascido a cada momento. Para a eterna novidade do Mundo…

Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura.

Somos avatares da estupidez passada.

Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior.

Tão cansado de ter achado como de não ter achado. O fim e a soma do que somos, já o Pregador o disse: vaidade e aflição de ânimo.

Tem a arte, para nascer, que ser de um indivíduo; para não morrer, que ser como estranha a ele. Deve nascer no indivíduo per, que não em, o que ele tem de individual. No artista nato a sensibilidade, subjectiva e pessoal, é, ao sê-lo, objectiva e impessoal também.

Tem duas formas, ou modos, o que chamamos cultura. Não é a cultura senão o aperfeiçoamento subjectivo da vida. Esse aperfeiçoamento é directo ou indirecto; ao primeiro se chama arte, ciência ao segundo. Pela arte nos aperfeiçoamos a nós; pela ciência aperfeiçoamos em nós o nosso conceito, ou ilusão, do mundo.

Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.

Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido – tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma num facto, de a materializar e tornar exterior.

Ter opiniões é a melhor prova da incapacidade de as ter.

Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.

Toda a arte se baseia na sensibilidade, e essencialmente na sensibilidade. A sensibilidade é pessoal e intransmissível. Para se transmitir a outrem o que sentimos, e é isso que na arte buscamos fazer, temos que decompor a sensação, rejeitando nela o que é puramente pessoal, aproveitando nela o que, sem deixar de ser individual, é todavia susceptível de generalidade, portanto, compreensível, não direi já pela inteligência, mas ao menos pela sensibilidade dos outros.

Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que se não sente.

Toda a poesia – e a canção é uma poesia ajudada – reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.

Toda a sinceridade é uma intolerância. Não há liberais sinceros. De resto, não há liberais.

Todas as frases do livro da vida, se lidas até ao fim, terminam numa interrogação.

Todo o esforço é um crime porque todo o gesto é um sonho morto.

Todo o gesto é um acto revolucionário.

Todo o homem de acção é essencialmente animado e optimista porque quem não sente é feliz.

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.

Todos os problemas são insolúveis. A essência de haver um problema é não haver solução. Procurar um facto significa não haver um facto. Pensar é não saber existir.

Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.

Torturamos os nossos irmãos homens com o ódio, o rancor, a mal­dade e depois dizemos «o mundo é mau».

Trabalhar com nobreza, esperar com sinceridade, enternecer-se com o homem – esta é a verdadeira filosofia.

Trazem-me a fé como um embrulho fechado numa salva alheia. Querem que o aceite para que não o abra.

Tudo é ousado para quem nada se atreve.

Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.

Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.

Tudo quanto fazemos, na arte ou na vida, é a cópia imperfeita do que pensámos em fazer. Desdiz não só da perfeição externa, senão da perfeição interna; falha não só à regra do que deveria ser, senão à regra do que julgávamos que poderia ser. Somos ocos não só por dentro, senão também por fora, párias da antecipação e da promessa.

Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos.

Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.

Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo.

Tudo que se passa no onde vivemos é em nós que se passa. Tudo que cessa no que vemos é em nós que cessa.

Um dos aspectos da desigualdade é a singularidade – isto é, não o ser este homem mais, neste ou naquele característico, que outros homens, mas o ser tão-somente diferente deles.

Um homem de génio é produzido por um conjunto complexo de circunstâncias, começando pelas hereditárias, passando pelas do ambiente e acabando em episódios mínimos de sorte.

Um paradoxo tem valor só quando o não é.

Um tipo frustrado é um homem demasiado inteligente para ser um homem meramente inteligente e não bastante inteligente para ser um homem de talento.

Uma das formas de saúde é a doença. Um homem perfeito, se existisse, seria o ser mais anormal que se poderia encontrar.

Uma espécie de anteneurose do que serei quando já não for gela-me o corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me dentro.

Uma família não é um grupo de parentes; é mais do que a afinidade do sangue, deve ser também uma afinidade de temperamento. Um homem de génio muitas vezes não tem família. Tem parentes.

Uma interpretação irónica da vida, uma aceitação indiferente das cousas, são o melhor remédio para o sofrimento, posto que o não sejam para as razões que há para sofrer.

Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar.

Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente, por isso pouco sentiam. De aí a sua perfeita execução da obra de arte.

Ver será sempre a melhor metáfora de conhecer.

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.

Viver não é necessário. Necessário é criar.

Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.


Dados Biográficos de Fernando Pessoa

Profissão: Escritor, Poeta, Filósofo
Nacionalidade: Portuguesa
Nascimento: 13 de Junho de 1888, Lisboa
Morte: 30 de Novembro de 1935, Lisboa


Citações de Carlos Malheiro Dias

A ambição é o maior estímulo humano. É com ele que se edifica.

A arte não consiste em desfigurar a verdade em artifício, mas em emprestar ao artifício a fisionomia simples da verdade.

A coragem de afirmar asneiras é uma das características da improvisação jornalística.

Como os ninhos, que são a casa da ave, e que todos diferem consoante a ave que o fabricou e o habita, a casa do homem reproduz com fidelidade a vida, a ocupação, o carácter, o sentimento dos moradores. Toda a casa tem, como os donos, uma fisionomia especial, que as gerações lhe imprimiram.

É mais fácil separar a água do vinho que a hipocrisia da verdade no julgamento das acções humanas.

Geralmente, não são os homens de génio os felizes no amor.

Hipocrisia! Estratégia da grande guerra da vida, é ela quem move as acções de todos os seres.

Não há ignorância mais insolente do que a da ignorância quando se presume de sábia.

Não há limites para a credulidade humana e está ainda por nascer o homem prudente que saiba venerar na desconfiança a suprema sabedoria.

Não há nada de mais ilusório e contingente do que a verdade, e coisa alguma mais ajuizada do que a dúvida.

O estadista das democracias é sempre o escravo das multidões. Pode não fazer o que elas reclamam. Mas tem que dizer-lhes sempre o que elas querem.

Os tiranos do amor foram sempre reverenciados.

Saber mandar sempre foi um dos mais soberanos dons da espécie mortal.

Só o inesperado é terrível. Por isso o inferno não basta para conter as almas na virtude.

Citações de Carlos Drummond de Andrade

A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas.

A confiança é um acto de fé, e esta dispensa raciocínio.

A educação para o sofrimento, evitaria senti-lo, em relação a casos que não o merecem.

A educação visa melhorar a natureza do homem o que nem sempre é aceite pelo interessado.

A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede.

A minha vontade é forte, mas a minha disposição em lhe obedecer é fraca.

As dificuldades são o aço estrutural que entra na construção do carácter.

As obras-primas devem ter sido geradas por acaso; a produção voluntária não vai além da mediocridade.

Cem máximas que resumissem a sabedoria universal tornariam dispensáveis os livros.

Como as plantas a amizade não deve ser muito nem pouco regada.

É menor pecado elogiar um mau livro sem o ler, do que depois de o ter lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume. Não há vida literária plenamente virtuosa.

Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira.

Há certo gosto em pensar sozinho. É acto individual, como nascer e morrer.

Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.

Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante.

Há muitas razões para duvidar e uma só para crer.

Há vários motivos para não amar uma pessoa, e um só para amá-la; este prevalece.

Não é fácil ter paciência diante dos que têm excesso de paciência.

Não há como os bons sentimentos para estragarem um cidadão.

Necessitamos sempre de ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos torna sem ambição.

Ninguém é igual a ninguém. Todo o ser humano é um estranho ímpar.

O cofre do banco contém apenas dinheiro. Frustar-se-á quem pensar que nele encontrará riqueza.

O progresso dá-nos tanta coisa que não nos sobra nada nem para pedir, nem para desejar, nem para jogar fora.

Os homens são como as moedas; devemos tomá-los pelo seu valor, seja qual for o seu cunho.

Para a virtude da discrição, ou de modo geral qualquer virtude, aparecer em seu fulgor, é necessário que faltemos à sua prática.

Partido político é um agrupamento de cidadãos para defesa abstracta de princípios e elevação concreta de alguns cidadãos.

Perder tempo em aprender coisas que não interessam, priva-nos de descobrir coisas interessantes.

Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.

Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo.

Citações de Camilo Castelo Branco

A alegria precisa chorar, como a dor.

A amante que chora o amante que teve, na presença do amante que se lhe oferece, quer persuadir o segundo que é arrastada ao crime pela ingratidão do primeiro.

A amizade é o mais levantado dos humanos sentimentos.

A beleza é o poder moderador dos delitos do coração.

A caridade é a felicidade dos que dão e dos que recebem.

A castidade, além de ser em si e virtualmente uma coisa boa, tem ignorâncias anatómicas e inconscientes condescendências com as impurezas alheias.

A civilização é a razão da igualdade.

A escala dos sofrimentos humanos é infinita.

A felicidade é o sonho.

A felicidade é parecida com a liberdade, porque toda a gente fala nela e ninguém a goza.

A felicidade é um engano providencial que nos alimenta na alternativa do desejo e do desengano. É uma amiga cruel que nos foge com a esperança, apenas os lábios sentem o travo do absinto que a taça do prazer esconde.

A felicidade quer-se recatada para não suscitar invejas.

A felicidade, à custa de lágrimas alheias, é uma traição aos nossos gozos: é um licor saboroso em taça de prata, com fezes no fundo, fezes que afinal somos obrigados a tragar.

A ignorância é o abismo da fé, porque a fé é um acto da inteligência.

A imprensa vende por dez réis a explicação de todas as lágrimas ocultas.

A inconstância da mulher é uma das perfeições deste planeta.

A indiscrição é íntima da candura.

A infância é a estação das crenças, dos temores e das superstições.

A infância é como a água que desce da bica, e nunca mais sobe.

A inocência genuína rende-se; não sabe defender-se.

A inocência, surpreendida em aparências criminosas, condena-se quase sempre por uma espécie de mudez idiota, semelhante à do crime sem defesa.

A inveja é um inimigo inexorável.

A lógica das multidões é a dos jurados.

A maior alma é sempre insignificante ao pé da pequeníssima alma em cuja dependência está.

A maldade é congénere do homem.

A monotonia é fastidiosa até na virtude.

A morte é amparo.

A morte emenda todos os actos da vida.

A mulher devia ser velha quando não sente o coração… quando já não ama.

A mulher quando ama, tem heroísmos e abnegações de que o homem – o ser mais egoísta do reino animal – é incapaz.

A paciência é a riqueza dos infelizes.

A poesia não tem presente: ou é esperança ou saudade.

A política pode substituir a fêmea, quando é preciso escolher entre duas devassas, mas não é possível conservar ambas.

A própria libertinagem, sopitada nos seus letargos de estafada devassidade, tem sonhos melancólicos, saudades das impecáveis alegrias da infância.

A prosa do marido enfastiado é o vasconço mais bárbaro da glótica humana.

A pureza é o elo interposto à flor e à estrela em mistura de inocência.

A riqueza é boa, mas a felicidade é melhor.

A rosa da profunda amizade não se colhe sem ferir a mão em muitos espinhos da contradição. No abnegar é que está o vencer de muitas resistências invencíveis ao império da vontade.

A sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobre a ciência.

A saudade pelos vivos é dor suave.

A seriedade é uma doença e o mais sério dos animais é o burro.

A sociedade, a família e o homem expiam incessantemente a culpa do homem, da família e da sociedade.

A torpeza, a ignomínia, a podridão das entranhas vivas, o nascer ou morrer infamado ou infame é só do homem.

A variedade remoça as almas, repovoando-as de imagens novas.

A verdade é às vezes mais inverosímil que a ficção.

A verdade é expansiva; a mentira retrai-se, esconde-se até aos olhos dos depravados.

A verdadeira lei do progresso moral é a caridade.

A vingança é o inverso da caridade.

A virtude, quando há dinheiro, é azul sobre ouro.

Amigo é uma palavra profanada pelo uso e barateada a cada hora, como a palavra de honra, que por aí anda desvirtualizando a honra.

Amigos verdadeiros são os que nos acodem inopinados com valedora mão nas tormentas desfeitas.

Antigamente os animais falavam, hoje, escrevem!

Ao pé de um bom estômago coincidiu sempre uma boa alma.

As acções de cada pessoa são boas ou más consoante a maneira como as outras as comentam.

As almas infelizes envelhecem cedo.

As angústias mais cerradas deixam sempre clareira alumiada por uma réstia de esperança.

As bebedeiras são às vezes os purgantes da alma.

As exterioridades estão sempre prontas a mascarar hipócritas ou a desmentir infelizes.

As injustiças, se alanceiam as vítimas, também ferem quem as faz.

As lágrimas que vêm de longe são as que mais nos doem no coração.

As lágrimas represadas são a peçonha mortal do coração.

As lágrimas são o desafogo das dores que vivem no cérebro normal.

As maiores desgraças são aquelas que a si próprias não podem perdoar.

As mulheres amadas, conhece-as pela cor quem quiser estudá-las entre os dezoito e os trinta anos.

As pessoas desventurosas, se a desgraça lhes dá tréguas, estranham por tal forma a variante da sua sorte, que recorrem ao sobrenatural para explicá-la.

As quedas de algumas mulheres justificam-nas alguns maridos.

Atrás da poesia do amor vem a prosa do casamento.

Certos sujeitos quando cuidam que o ideal os eleva, burrificam-se.

Depois do Céu, quem mais pasmosos milagres faz é o Amor.

Duas pessoas que se amam, só começam a dizer coisas ajuizadas desde que se aborrecem.

É falso o amor que leva o homem à indignidade.

É forçoso recorrer ao inconcebível, ao sobrenatural, ao misticismo da providência oculta para compreender o que vulgarmente se chama «fatalidade».

É na solidão que as almas doentes convalescem e se fortificam.

É preciso ter chorado para imortalizar o riso no livro, na estrofe, na sentença, na palavra.

Em boa paz com teólogos e filósofos, a mim se me afigura que o homem é um composto de grandeza e pequenez, uma dualidade de gigante e de pigmeu.

Em coisas insignificantes é que um verdadeiro amigo se avalia.

Enquanto houver rapazes de quarenta anos, é justo que se desculpem as leviandades dos velhos de dezassete.

Entre namorar e amar, está o reflectir.

Eu creio na inocência das mulheres, como sinónimo de pureza; mas de simplicidade não. O conhecimento precoce dos segredos mais rebuçados da vida, é um segundo instinto com que vieram à luz as mulheres do século XIX.

Experiência – o único argumento em amor.

Ferida do coração onde possa chegar o agro adstringente de uma lágrima, cicatriza cedo ou tarde.

Há desgraças inconsoláveis, se outra vida não preluz ao homem que, inventariando as consolações deste mundo, apenas uma lhe vê sorrir: a morte.

Há horas na vida em que a mais leve contrariedade toma as proporções de uma catástrofe.

Há mulheres que parecem ensoberbecer-se com o seu próprio infortúnio. A docilidade, a humilhação sem desdouro, poderá, nos casos de muitas, revirar a pouco e pouco a sorte.

Há não sei que semelhança entre a eloquência e o raio. O raio abrasa, pulveriza quase sem queimar; a eloquência quase sem persuadir.

Há um ideal comum a todos, ideal que dispensa consumo de ideias: coisa em si materialíssima, que se chama ideal em virtude de tácita convenção, feita há cinco mil anos, de nos enganarmos uns aos outros, e cada qual a si.

Há uma coisa mais aviltadora do que o desprezo: é o esquecimento.

Há uma espécie de insensibilidade que, a meu juízo, é o existir intermédio da demência e da morte.

Homem que pensa, que estuda, que trabalha debaixo da influência tenaz de uma ideia, que cisma na imortalidade que pode dar-lhe a ciência, ou no dinheiro que pode dar-lhe um livro, tal homem só serve para marido depois que o reumatismo lhe faz ver o celibato à luz da higiene.

Lágrimas e sorrisos são a condição da vida.

Morte: que suave desfecho, se ao desfazer-se a vida a desfibração lenta não custasse tanto!

Não há amor que resista a vinte e quatro horas de filosofia.

Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas ilusões, quando o amor as inventa.

Não há metade do coração. Ou todo o amor ou toda a indiferença, quando não, é uma insustentável impostura, chamada estima.

Nas mulheres a inteligência ou nasce com o coração, ou o mata se vem depois.

Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas aflições, nas derradeiras do coração e da vida, é grato sentir-se amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soldar o último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência.

No homem gasto, vão-se as ilusões e fica a experiência.

Nos livros aprendi a fugir ao mal sem o experimentar.

Nunca é feliz com um vestido de chita, a mulher que tem amigas com vestidos de seda.

O agente principal do espírito de uma mulher é a modista.

O amor dá-se mal nas casas ameaçadas de pobreza. É como os ratos que pressentem as ruínas dos pardieiros em que moram, e retiram-se.

O amor é a primeira condição da felicidade do homem.

O amor é uma luz que não deixa escurecer a vida.

O amor nascente é tão melindroso, pueril e tímido, que receia desagradar até com o pensamento ao ídolo da sua concentrada adoração.

O amor que enlouquece e permite que se abram intercadências de luz no espírito, para que a saudade rebrilhe na escuridão da demência, é incomparavelmente mais funesto que o amor fulminante.

O amor só vive pelo sofrimento e cessa com a felicidade; porque o amor feliz é a perfeição dos mais belos sonhos, e tudo que é perfeito, ou aperfeiçoado, toca o seu fim.

O amor, que não perde nem desvaira, esse é que é o amor.

O amor, que vem procurado como sensação necessária à felicidade da vida, perde dois terços da sua embriagante doçura; porém, o amor inesperado, impetuoso e fulminante, esse é um abrir-se o céu a verter no peito do homem todas as delícias puras que não correm perigos de empestarem-se em contacto com as da terra.

O anjo da inocência foge de certos livros, como os editores de certos autores.

O arrependimento inventa carinhos novos, e a inocência parece vingar-se, perdoando, e sorrindo ao algoz, que exora o perdão com lágrimas.

O basilisco do ciúme é, às vezes, o galvanismo dos corações regelados e mortos pelo tédio.

O chorar tem mistérios recônditos em parte do coração, onde não chega a sonda; e, às vezes, sucede cuidar a gente que a sonda toca em fibra generosa, e, ao retirá-la, dá fé que tocou em lodo.

O ciúme vê com lentes, que fazem grandes as coisas pequenas, gigantes os anões, verdades as suspeitas.

O coração é muito e a felicidade doméstica é tudo.

O extremo de um grande prazer é um desgosto.

O feudo mais pesado que uma mulher faladora pode impor a um homem, é a obrigação de ouvi-la.

O futuro é um descuido do maior número e uma aflição de poucos espíritos que vieram sãos a um mundo cheio de aleijados.

O homem é o único ser sensível que se destrói a si próprio no estado de absoluta liberdade; qualquer outro animal, quando se despedaça, é para destruir prisões e quebrar cadeias.

O homem é um verme. Deus não tem nada com este grão de areia, que lançou no oceano, a turbilhões, com a ponta de um pé.

O homem foi sempre mau; será mau até ao fim. A sociedade parece melhor do que foi, olhada colectivamente; é parte nisto a lei e grande parte o cálculo. Cada indivíduo se constrange e enfreia no pacto social para auferir as vantagens de o não romper; porém, o instinto de cada homem, em comunidade de homens, está de contínuo repuxando para a desorganização.

O homem que ama é um tolo sublime.

O homem traído uma vez pode ouvir dos lábios da mulher um juramento de alma, animado com a santa inocência de um anjo, mas nunca mais lhe franqueará o coração, onde goteja sangue, uma chaga incurável.

O inferno é cá neste mundo: não ter que comer, que beber, nem umas palhas em que deitar-se.

O melhor amigo é o dinheiro. Conselhos, os melhores é o dinheiro que os dá.

O melhor médico do espírito será aquele que maior proporção de íntimo fel diluir em lágrimas.

O ódio inspira a eloquência da traição.

O pecado mais belo é o que o coração não confessa.

O poeta desmente as leis fisiológicas, vivendo do princípio vital de uma única entranha: o coração.

O que tem feito mal a muita gente não é a mentira; é o invólucro de palavras artificiosas com que se doira a algema que as verdades lançam ao pulso do homem.

O silêncio é o desafogo das grandes emoções, que abafam o espírito, enturvando-nos a razão.

O silêncio é uma confissão.

O suicídio não é uma coragem vulgar. Suicidam-se os que se desprezam a si e ao mundo.

O tempo chega sempre; mas há casos em que não chega a tempo.

O terror tem sido, algumas vezes, o mais avisado conselheiro nas angústias. Muitas vitórias, que a história atri­bui ao denodo dos generais, foi o ímpeto da resolução extrema do medo que lhas deu.

O último amor que desampara o homem é o combinado com o orgulho.

Onde estão vinte pessoas reunidas em pregão ao insulto do infortúnio, aí sem dúvida estão acobertados vinte crimes. Do elo da libertinagem ao elo da ladroeira preencham a cadeia com os fuzis que faltam.

Onde morre a vergonha nascem os expedientes desonrosos.

Os dias prósperos não vêm por acaso. Nascem de muita fadiga e muitos intervalos de desalento.

Os estúpidos guerreiam barbaramente o talento: são os vândalos do mundo espiritual.

Os homens que não descaem ou fingem não descair da mocidade tão depressa, assombram-se da mudança que dez anos fazem no rosto e nas almas das mulheres suas contemporâneas.

Os livros pagam liberalmente a quem os atura.

Os raciocínios do amor-próprio não gozam do crédito das melhores consequências.

Pode-se morrer mais do que uma vez. A sepultura é que é só uma para cada homem.

Prantos que salvam são os da dor imerecida, os apelos das iniquidades do mundo para o tribunal da Providência.

Quando a eloquência, inspirada do íntimo da alma, regurgita em jorros dos lábios de uma amante, é certo o triunfo.

Quem não conhece a mulher amiga, põe a mão sobre o coração e não encontra aí a flor, que se rega nas lágrimas, quer de alegria quer de recíproca tristeza.

Quem pode ver insensivelmente o alheio infortúnio, ignora que há dores.

Reparar, quando o coração repara mais que o juízo, é amar.

São poucos os infortúnios sem um reverso de ridículo.

Ser tolo é má coisa; ser mau é coisa pior; mas quem não puder livrar-se de ser ao mesmo tempo tolo e mau, seja antes mau. Os tiros do ódio podem ferir; mas assanham os brios, e dão azo à vitória; porém os tiros do escárnio matam sempre.

Só faz versos quem tem a alma cheia de saudades ou de esperanças.

Só há um ridículo no planeta – o homem que não tem dinheiro.

Todas as paixões são vencíveis.

Todo o homem tem uma porção de inépcia que há-de sair em prosa ou verso, em palavras ou obras, como o carnejão de um furúnculo. Quer queira quer não, um dia a válvula salta e o pus repuxa.

Um verdadeiro amor é segunda inocência.

Viver é ansiar a felicidade possível e a impossível.

Citações de António Lobo Antunes

A amizade é regida pelo mesmo mecanismo que o amor, é instantânea e absoluta.

A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.

A gente não pode compreender os sentimentos sem o contrário deles.

A melhor maneira de lidar com os outros é tomá-los por aquilo que eles acham que são e deixá-los em paz.

Aprende-se a escrever, lendo. E também é necessária uma grande humildade face ao material da escrita. É a mão que escreve. A nossa mão é mais inteligente do que nós. Não é o autor que tem de ser inteligente, é a obra. O autor não escreve tão bem quanto os livros.

Cada vez gosto mais de ser português e cada vez tenho mais orgulho no meu país. É-me insuportável ouvir dizer «somos um país pequeno e periférico». Para mim Portugal é central e muito grande.

É mais sensual uma mulher vestida do que uma mulher despida. A sensualidade é o intervalo entre a luva e o começo da manga.

É preciso viver, viver como homem comum entre homens comuns. Só um homem comum pode fazer grandes coisas.

Eu gosto desta terra. Nós somos feios, pequenos, estúpidos, mas eu gosto disto.

Há momentos e situações em que o olhar comunica mais que as palavras, isso também é intimidade. Creio que sou capaz de dizer muitas cosas sem falar, é o outro que também tem de compreender e de saber interpretar. Quando se estabelece essa relação de intimidade e de amizade, não é necessário falar. (…) Frequentemente é melhor não o fazer porque as palavras estão muito gastas.

Idealmente, a missão da crítica seria ajudar a ler. Em teoria, o crítico será um leitor mais atento do que os outros. Não tem necessariamente que emitir juízos de valor. Temos tendência a gostar só dos que são da nossa família, as ideias confundem-se com as nossas paixões.

Isto às vezes é tremendo porque a gente quer exprimir sentimentos em relação a pessoas e as palavras são gastas e poucas. E depois aquilo que a gente sente é tão mais forte que as palavras…

Muitas vezes as coisas que nos tocam mais são aquelas que na altura em que estão a acontecer nem nos apercebemos.

Não há honestidades possíveis. Ou há honestidade ou não há.

Não quero que me respeitem a mim, quero que respeitem a honestidade do meu trabalho.

Não tenho pensamentos abstractos quando estou a escrever. Estou tão preocupado a fazer o livro que nem sequer me pergunto o que é que isto quer dizer, nem sequer pergunto o que estou a escrever. Às vezes nem sequer sabemos se estamos a acertar no papel. Só quando se começa a trabalhar é que se vê se acertámos ou não.

Ninguém é bom ou mau na cama. Se há um problema sexual, é outra coisa, mas senão há problemas concretos, basta que se goste muito de uma mulher; se isso acontece, ela é a melhor na cama.

Ninguém é mais crédulo do que um desesperado.

Ninguém sabe o que é a morte, mas não faz muita diferença porque também nunca sabemos o que é a vida.

No amor podemos substituir uma pessoa por outra, mas não na amizade, porque cada amigo tem o seu lugar e não podemos substitui-lo.

Nós não inventamos nada. Quando estamos a fazer um livro estamos a falar de nós mesmos. É você que está no livro, através daquelas vozes. Ou melhor, é apenas uma voz.

Nós somos casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas.

O grande artista traz uma forma diferente de colorir.

O livro é um organismo que vive independente e surpreende-nos a cada passo. Um livro não se faz com ideias, faz-se com palavras. São as palavras que se geram umas às outras. E com trabalho.

O nível médio daquilo que se publica, seja onde for, é muito baixo. Esta é a verdade em todo o mundo. As pessoas compram coisas que falam sobre o hoje e quando o hoje se tornar ontem já ninguém vai ler aquilo.

O problema dos partidos (políticos) é que se tornam reaccionários porque têm de funcionar com o aparelho, como qualquer igreja.

O próprio do homem é viver livre numa prisão. Estamos sempre condicionados e até prisioneiros de nós próprios.

Os fins-de-semana são horríveis para os casamentos. Em Portugal resolveram o problema com um jornal enorme, que vem em saco plástico.

Os homens nuca dizem: «Já não gosto.» Dizem: «O problema não está em ti, está em mim. Preciso de pensar, preciso de espaço…». As mulheres são muito mais directas: «Deixei de gostar de ti.» E pronto. Os homens nunca o dizem porque querem que a mulher fique de reserva.

Os livros permitiram-me conhecer pessoas melhores do que nós. Que têm um calibre humano que eu não tenho.

Por que é que havia de me sentir sozinho? Raras vezes na minha vida, desde que me lembro de mim, tive um sentimento de solidão. E não me sinto mal na minha companhia, divertimo-nos muito os dois, eu e eu. Não me aborreço.

Qualquer entrevista é muito inferior a um livro. O livro permite corrigir-se. A entrevista necessariamente está cheia de lugares comuns.

Quando lemos um bom escritor é para nos conhecermos a nós mesmos.

Quando se critica, estamos a julgar. Se julgarmos já não compreendemos, porque julgar implica condenar ou absolver.

Quanto mais silêncio houver num livro, melhor ele é. Porque nos permite escrever o livro melhor, como leitor.

Quem lê é a classe média.

São precisas muitas mulheres para esquecer uma mulher inteligente.

Sinto uma consideração quase nula pelo que, em Portugal, se publica. Desgosta-me a infinidade de romances desonestos, entendendo por desonestidade não a falta de valor intrínseco óbvio (isso existe em toda a parte) mas a rede de lucro rápido através da banalização da vida. Livros reles de autores reles.

Só há grupos onde existem fraquezas individuais.

Tenho uma certa desconfiança em relação à palavra pensar. Quando se está a escrever, podemos pensar enquanto indivíduo. mas enquanto escritor… Sempre me fez confusão as pessoas que dizem: «tenho um livro na cabeça só me falta escrever».