Citações de Vergílio Ferreira

A «firmeza de princípios», de «opiniões», pode ser uma forma vistosa de camuflar a estupidez. Ser inteligente é ser disponível.

A admiração pode ser uma forma de compensarmos a nossa pequenez.

A alegria do que nos alegrou dura pouco. A dor do que nos doeu dura muito mais. Vê se consegues poupar a alegria e esbanjares o que te dói. Vive aquela intensamente e moderadamente. E atira a outra ao caixote. Talvez chegues a optimista profissional e tenhas uma bela carreira de político.

A arte deve servir-se fria. Pode ter álcool por dentro. Mas tem de ser álcool que se tirou do frigorífico.

A arte não serve para nada. A filosofia também não. Excepto como extensão da pessoa que se é, ou seja do homem que se é. O que se segue e importa saber é se o homem serve para alguma coisa.

A avareza pode ser uma expressão de humildade, como o esbanjamento o é de megalomania.

A crença seja no que for é um resíduo de tudo o que falhou.

A cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se dialogar com ele.

A diferença que vai de ti aos outros, é que quando os outros morrerem, o universo continua.

A espécie compromete-se com um casal a que haja amor entre os dois. Mas logo que se apanha servida, vira-lhes as costas e eles que se arranjem.

A extensão do ‘nunca mais’ com a tua morte vai até à morte do universo. E é sobretudo isso que a torna incompreensível.

A fé é uma esperança terrorista como a esperança é uma fé democrática. A fé é um acto solitário. A esperança tem de ter em conta o que a excede. Mas na primeira está a certeza e na outra a dúvida.

A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a «criar».

A força de um problema tem que ver com a força de que dispomos.

A grande fraqueza da razão: ser incapaz de demonstrar a sua excelência. A grande força da razão: termos de servir-nos dela para demonstrar isso mesmo.

A grande sociedade sem classes é a do cemitério. Das diferenças aí impostas, os mortos não sabem.

A grande virtude da esquerda, afinal, é que força a uma melhoria a direita.

A História é feita de máximos que só o são porque quando o foram não calhou haver outro ou pôde haver outro que os relativizasse.

A honestidade é própria das classes médias. As de baixo não a ignoram, mas não sabem para que serve. As de cima não a ignoram, mas não sabem para que ainda serve.

A honestidade é uma forma de se ser conscientemente modesto.

A imagem de um intelectual, mormente de um escritor, não está bem nos livros que lê mas naqueles que relê. A leitura revela aquele que deseja ser; a releitura, aquele que é.

A importância de um romance está nos seus valores estéticos e humanos. O resto é para a bisbilhotice.

A justiça está voltada para aquele com quem se é justo. A caridade está voltada para quem a pratica.

A liberdade. Como é difícil. Numa carroça, quem tem menos problemas é o cavalo.

A maior tragédia para o homem é saber que tem de morrer. Mas a sua maior grandeza é justamente ter consciência. Assim a sua maior grandeza é a sua maior tragédia.

A melhor forma de não ouvires o que ouves e te incomoda é não o ouvires.

A melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira.

A moda é uma variante oblíqua de se lutar contra a morte. Ora na velhice tal luta é mais problemática. E é por isso que no velho a moda é mais ridícula.

A morte nunca se aprende, mas pode-se saber-se de cor. As guerras sabem-no. E as epidemias. E um simples agente funerário.

A mulher escolhe sempre o homem que a escolhe a ela, como é da sabedoria das nações. A verdade também.

A mulher mais ciumenta é talvez a que mais facilmente atraiçoa o marido e menos tolera que ele a atraiçoe. Porque o ciúme é a afirmação de um direito de propriedade. E esse direito reforça-se com a traição dela e diminui-se com a dele.

A nossa vida é toda ela feita de acasos. Mas é o que em nós há de necessário que lhes há-de dar um sentido.

A obra de arte cria-se com o seu contexto histórico, como uma estátua se cria com a pedra de que se faz.

A originalidade é uma forma de se ser e ninguém pode ser por nós.

A partir de certa qualidade já não podemos dizer que um autor é melhor do que outro. Podemos apenas dizer qual é que preferimos.

A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.

A paz. Procura-a. Mas uma paz que te trespasse todo e não a que te descanse apenas a superfície como a um pedinte que dorme num banco de jardim.

A piedade pelos doentes ou pelos mortos é uma forma de esconjuro: a paga ao destino para nos não atingir.

A proclamada sabedoria da velhice não resulta fundamentalmente da experiência acumulada. Resulta apenas do arrefecimento do sangue.

A psicologia é o instinto consciencializado.

A razão é um elástico. Vê se consegues não a esticar muito para não rebentar.

A razão é um formulário para se provar o que já provámos para nós próprios. E é por isso que a metafísica continua e a filosofia analítica vai ficando para trás.

A saudade não está na distância das coisas, mas numa súbita fractura de nós, num quebrar de alma em que todas as coisas se afundam.

A superstição é mais forte do que a religião – disse alguém. Naturalmente porque a religião é uma superstição mais civilizada. E a barbárie sempre teve mais força.

A vaidade do artista é uma defesa contra os que o negam.

A vanguarda do amor chama-se a conveniência. E a rectaguarda também.

A verdade «sou eu». Quando o outro disse «o Estado sou eu», disse a mesma coisa. Só que meteu a polícia para não haver dúvidas e outros a dizê-lo também.

A verdade absoluta, que coisa aflitiva, afinal. Porque se se não tem, como ordenar a vida que é nossa? Mas se se tem, como não anular a vida dos outros que são contra ela?

A verdade de hoje é o erro de amanhã – todo esse saber se afundará e a glória e a petulância que vinha nele.

A verdade é amor.

A verdade é muitas vezes um produto artificial da autoridade ou persistência. Um velho tem mais probabilidades de a estabelecer do que um novo. E um teimoso também.

A verdade és tu. O que mais que se segue já não interessa à conversa. Excepto para demonstrares essa verdade, em movimento de recuo.

A verdade faz-se com a força ou o desplante com que se nega ou afirma; com a razão faz-se apenas um parecer.

A verdade primeiro ama-se, depois demonstra-se.

A verdade só é perfeita nos instantes de fulgor.

A verdadeira amizade é a disponibilidade inteira de nós e só na juventude se está inteiramente disponível.

A verdadeira pergunta é inocente e é por isso mais própria da criança. A resposta perdeu já a inocência e é assim mais própria do adulto.

A verosimilhança de uma obra de arte (de um romance, por exemplo, que é o que mais me importa) é a coerência interna dos seus elementos.

A vida é o valor máximo de que dispomos para pagar seja o que for. E é por isso que o suicídio valoriza por extensão o que se tiver realizado. Se escreveste um livro ou dois que não levantam grandes aplausos e desejas naturalmente que sim, mete uma bala na cabeça.

Admiram-se às vezes certas pessoas de que um autor medíocre seja normalmente o triunfador do seu tempo. Mas o autor medíocre é que é admirado pelos medíocres. E a mediocridade é o que há de melhor distribuído pelos homens.

Afirma com energia o disparate que quiseres, e acabarás por encontrar quem acredite em ti.

Ama o impossível, porque é o único que te não pode decepcionar.

Ama o próximo como a ti mesmo. É um grande risco. Eu, por exemplo, detesto-me.

Amanhã é dos loucos de hoje, diz Pessoa. E dos loucos de amanhã? Se é depois de amanhã, os tipos com juízo nunca mais têm uma oportunidade. E serão loucos sem amanhã nenhum.

Amas ou não uma mulher, mas não sabes porquê. Como hás-de poder saber a razão do bem e do mal?

Ama-se a vitória difícil, porque a derrota lhe preenchia quase todo o espaço possível. E foi com o que restava que se venceu em todo ele.

Aprofundar os sentimentos, aprofundar o homem, é como aprofundar as raízes de uma árvore: para lá de certo limite perdemo-nos em filamentos. É aí que trabalha o charlatão da «psicologia».

As leis criam-se, como sabemos, segundo aquilo que nos interessa. Mas aquilo que nos interessa, como sabemos também, adianta-se sobre as leis. E então é preciso criar outras.

Atenção. Já o devo ter dito, mas não há mal em repetir: O «estilo» não é da ordem do enfeite mas da operacionalidade.

Chora aos berros como as crianças até te estafares. Verás que depois adormeces.

Colher na moral a virtude em face dos outros. Vou-me sentindo amoral.

Como é que um tipo que é medíocre há-de saber que é medíocre, se ele é medíocre?

Como é subtil, milimétrico o desequilíbrio do que escrevemos. Um breve desvio e é logo o insuportável para o leitor. Tudo porque a sua liberdade é o seu mais alto privilégio. E é assim difícil que se nos submeta.

Como saber que se falhou, se não sabendo como não falhar? Mas então porque se falha? E se saber que se falha é realmente ignorar como se não falharia? Sabemos de outros que não falharam, porque sabemos então neles o que é não falhar.

Conheci um tipo muito débil, mas essa era a sua defesa. Conheci um tipo muito forte e essa era a sua defesa. Conheci um tipo da classe média física e esse fartava-se de levar porrada.

Crer para ver.

Da cinta para baixo nenhuma mulher envelhece. É justamente da cinta para baixo que mais envelhece o homem.

Da distracção da maioria se faz a profundeza de alguns. Ser profundo é assim não estar distraído quando todos os outros o estão.

De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia – talvez vá mesmo para a cama contigo.

De que te serve a inteligência, se não tens inteligência para a usar com inteligência?

De todos os sonhos do homem, a única coisa que não falhou foi o sonho. E é por isso que ele continua.

De um velho para um jovem uma verdade pode ser a mesma. Mas para cada um, ela varia ao menos nas pulsações por minuto.

De vez em quando a eternidade sai do teu interior e a contingência substitui-a com o seu pânico. São os amigos e conhecidos que vão desaparecendo e deixam um vazio irrespirável. Não é a sua ‘falta’ que falta, é o desmentido de que tu não morres.

Deixa que uma ideia, um sentir espontâneo livremente se manifestem. Antes que a razão se apodere deles como o gendarme do irregular ou o chefe político de uma heterodoxia.

Desconfia da tua mulher, se ela diz bem de ti.

Deus é a invenção do excesso de nós.

Deus inventou o sexo, nós inventámos o amor. Ele tinha razão.

Deus morreu. Não digas que isso é absurdo e ininteligível, só porque as seitas religiosas enxameiam hoje o mundo. Porque é quando uma doença é incurável que há mais abundância de remédios para a curar. Como a proliferação de religiões no fim do império romano era o sinal de que a religião de Roma estava a acabar.

Disse eu atrás que o saber embaraça a criatividade. Na realidade talvez não embarace. Mas ele opera como os sinais de trânsito e canalizam a criação para um terreno já percorrido.

Disseste ou escreveste milhões ou muitos milhares de palavras. E deve haver nessa nebulosa uma estrela que seja a tua. Não a saberás nunca.

Diz-se que nós, os portugueses, não somos romancistas ou filósofos. A razão deve ser essa – a de sermos dispersivos, preguiçosos, avulsos. E é por essa razão que somos poetas líricos.

Do amor se diz que é frágil. Da amizade se não diz que o é também. Só que a razão de o ser ou não ser não é tão visível. Nem tão chocante.

É curioso. Cheguei já a uma idade em que a deferência dos outros não sei se é por aquilo que realizei, se pelos anos que tenho.

E eu disse-lhe: o melhor da vida é o seu impossível. E ela disse-me: isso não tem sentido nenhum. E eu dei-lhe razão, mas não sabia porquê. Ou seja, pela melhor razão que podia ter.

É fácil que um escritor se não pareça com os outros. O que é difícil é que ele se pareça consigo.

É muito difícil conhecer as nossas limitações. Porque dentro de uma casa não se vê essa casa.

É preferível um erro fértil a uma verdade estéril.

Em política, a «honestidade» não conta nem como estratégia nem como índice para avaliação dos outros. Ser «honesto» em política actuante é ser parvo.

Erguer-me de sob a montanha de tudo quanto o meu tempo acumulou e descobrir a virgindade do sentir. É a primeira relação com os outros e com o mundo, antes de a razão a engaiolar.

Escrever bem, escrever mal. Assentemos neste princípio: nem todo o tipo que escreve mal é estúpido; mas todo o tipo que é estúpido escreve mal.

Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve.

Falar alto para quê? Poupa as forças, fala baixo. Poderás talvez assim ser ouvido ainda, quando os outros que falam alto se calarem estoirados.

Falhaste a vida, é evidente. Mas não o digas. Porque haverá logo quem venha proclamar em alvoroço que tu mesmo afinal confessas que falhaste para o cretino trombeteiro se julgar menos falhado e os cretinos como ele.

Fecha os olhos para não seres cego.

Frente a uma situação difícil, o Português opta pela espera de um milagre ou pela descompressão de uma anedota. O grave disto é que o milagre não vem e a anedota descomprime de tudo. Ficamos assim à mercê do azar e nem restos de razão para mexer um dedo.

Fugir dos lugares da opressão, do vexame, do aplauso, do mínimo interesse exterior que fale em ti. E então saberás o que é que em ti é imperioso.

Guarda o passado, se não tens já futuro. Porque se também o perderes, o presente que te restar é o da pia, que não tem tempo algum.

Há a coragem física que se chama robustez, e há a coragem moral que se chama fortaleza. De uma a outra vai a distância de um homem.

Há dentro de nós a exigência absoluta de sermos eternos e a certeza de o não sermos. O absurdo é a centelha do contacto destes dois opostos.

Há duas formas de se ser monstruoso. Uma é a da absoluta perfeição.

Há em nós um segredo que nós mesmos não sabemos. Mas é bom isso. Porque sabê-lo era decerto perder a alma.

Há erros tão grandes que são quase do tamanho da verdade. A verdade, aliás, é um erro à espera de vez.

Há homens que não suportam a ideia da amizade por verem nela apenas uma submissão ao de quem são amigos.

Há muita gente que é um poço de orgulho. Só não tem águas para o alimentar.

Há mulheres que é assim: se suspeitam do marido, têm-lhe ódio; se não suspeitam, têm-lhe asco.

Há o desejo, que não tem limite, e há o que se alcança, que o tem. A felicidade consiste em fazer coincidir os dois.

Há o que tem limite e o que é sem-limite. A arte é a forma perfeita da consciência destes opostos.

Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se lêem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos e não deixam e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre.

Há tipos que só conhecem a morte por ouvirem dizer. São exactamente os mesmos que só por ouvirem dizer conhecem também a vida.

Há um belo dito popular que é assim: Deus nos livre do que um homem pode aguentar. Lembrei-me de lhe contrapor outro: Deus nos não dê tudo o que um homem pode desejar. Num caso e noutro o limite seria a morte.

Haverá alguém de espírito humilde que tenha convicções fortes?

Ingenuidade é um modo de se ser inocente. Infantilismo é um modo de se ser idiota. Faz a sua diferença.

Interrogar-me sobre o destino humano não tem resposta. Mas já é uma resposta a importância do interrogar.

Já deve ter sido dito mas não há mal em repetir: o livro banal é o que perde à segunda leitura; o bom livro é o que ganha.

Jovens e nus frente ao mar, estão presentes em cada célula do seu corpo. Mas a vida que têm é demais para eles e não sabem que fazer dela. Emergem da água rutilantes e riem. Depois deitam-se na areia, gastam o dia e a noite a amar-se, a embebedar-se, a estoirar todo o prazer e forças que têm. E ficam ainda com vida por gastar. É desses sobejos já com bolor que terão de viver depois na velhice.

Lamentares a sorte dos que morreram é uma forma oblíqua e subtil de te julgares imortal.

Mas de vez em quando ergues-te ainda frenético, como esse velho de que se conta que fazia amor uma vez por ano…

Mau sinal quando nos dizem que estamos «na mesma». Significa isso que devíamos estar «na outra».

Morrer é uma dignidade que nem todos merecem. Porque alguns merecem apenas que a morte os suprima.

Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima.

Morreremos sem conhecer uma fracção grande de nós. E isto apenas porque ela não teve oportunidade de se manifestar. Eis porque, por exemplo, nem todos sabem de si que são heróis, ou cobardes.

Muitas vezes o problema não é o de se não ter talento mas apenas o de se não saber ter. Porque uma coisa é ter qualidades e outra ter o instinto da sua exacta aplicação.

Na juventude os chamados ideias orientadores da vida, mesmo os grandes projectos que excedam os de se subsistir, não fazem muita falta. Porque ser jovem é ter já tudo isso como substituto de tudo isso.

Na mulher amada não está só a mulher amada mas também aquela que o homem leva consigo. Quando esta se absorve na outra, o amor acabou.

Não afirmes o erro de uma verdade, antes de mudar o seu contexto. A menos que te dê gozo levar pedradas.

Não consideres petulante um autor quando diz que os outros lhe não interessam nada. Pensa apenas que não é o que os outros fazem que ele quereria fazer. E não o julgues petulante mas honesto. Ou humilde.

Não corras atrás da glória, porque só ela é que pode correr atrás de ti.

Não é o problema que nos fascina mas o mistério. Porque não nos fascina o que tem resolução mas o que a não pode ter. E para o homem só o que é demais é que é bastante.

Não é só a moda e o capital que nos forçam o gosto e inventam necessidades. É também o homem de ideias. Por isso umas e outros todos passam.

Não é tão grande a desgraça de não ter talento quando se sente o talento dos outros.

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba.

Não exibas tanto o esplendor dos teus dentes. Eu sei que são postiços. Mas há quem não sabe, dizes. Pois. Mas ainda que eu não soubesse, sabia-lo tu. Fecha a boca.

Não forces uma verdade a dizer mais do que diz. Porque o limite a que vai dar toda a verdade é o silêncio.

Não há amor como o primeiro, mesmo que esse primeiro seja o último.

Não há argumentos que bastem para a segurança de uma adesão. O último argumento somos nós. E esse é que é decisivo.

Não há uma verdade «em si». Há é uma verdade «em nós». Tudo o mais já não interessa à conversa.

Não imaginamos a extensão do «faz-de-conta». É a forma de alargarmos os limites do possível.

Não importa o que os outros fazem de nós, mas o que nós fazemos disso que os outros de nós fazem.

Não mudamos com a idade na estrutura do que somos. Apenas, como na música, somo-lo noutro tom.

Não penses que a sabedoria é feita do que se acumulou. Porque ela é feita apenas do que resta depois do que se deitou fora.

Não perguntes a ninguém se tem certezas. Pergunta-lhe apenas pelo seu boletim médico.

Não perguntes a uma verdade se ela é verdadeira. Pergunta a que clube pertence.

Não poderás vencer a morte. Mas impõe-lhe a vida como um bandarilheiro e verás que muitas vezes ela marra no vazio.

Não procures a verdade, porque nunca a encontras. Espera que ela te encontre a ti.

Não queiras conhecer tudo, deixa um espaço livre para te conhecer.

Não queiras saber tudo. Deixa um espaço livre para te saberes a ti.

Não se faz arte com bons sentimentos. Mas com os maus também não. Porque quando se entra em arte, a moral fica à porta e só entra nela a inocência que se ignora.

Não se pode verdadeiramente admirar senão quem está longe. Porque só a distância nos garante que não cheire mal da boca.

Não se procura uma doutrina para acharmos a verdade nela, mas para acharmos nela a verdade que é nossa.

Não se tem simpatia se não houver seja o que for de admiração: tem-se apenas tolerância ou piedade.

Não será difícil ser humilde quando se é grande. Difícil é ser humilde quando se é medíocre. Como é fácil ser generoso quando se é rico e não quando se tem pouco.

Não te coíbas de repetir o que já disseste, porque és pequeno e só assim talvez será possível que te ouçam.

Não te diminuas diante dos outros. Aqueles que te admiram podem sentir-se vexados. E tens a obrigação de ser amável com eles.

Não te entristeças por não poderes já ver o que verão os que vierem depois de ti. Porque depois de mortos, terão visto exactamente o mesmo que tu.

Não te perguntes se és feliz para não começares logo a não sê-lo.

Não te queixes tanto das falhas de memória. Porque se soubesses tudo o que soubeste, não te poderias mexer. E então é que não terias nenhuma.

Não te rales de te dizerem que andas sempre cabisbaixo. É o modo mais prático de encontrares uma moeda.

Não, um romance não se destina a «contar» – destina-se a «presentificar».

Nasce-se todo inteiro, mas morre-se apenas a parcela do todo que nos foi morrendo ao longo da vida e nos tinha em pé. Por isso a morte mais natural de um velho é cair para o lado.

Negar a subjectividade ou o «eu» é pretender cortar uma das mãos com essa própria mão.

Nenhum vício se pode combater pelos malefícios que traz, mas sim, por não ser aceitável para a opinião que dele têm os outros. Se queres combater o tabaco, não digas que faz mal. Diz apenas que parece mal.

No amor nunca os pratos da balança estão equilibrados. E como a essência do amor é etérea, quem pesa mais é quem ama menos.

No grande artista há uma falha a preencher e no pequeno uma falha a compensar. O primeiro nunca o consegue.

No que se conquista há que descontar o que se sofre para conquistar. E o saldo é normalmente negativo.

Normalmente o autodidacta é um tipo que pode saber tudo. Excepto o essencial. Porque o essencial é a alma que isso anima. E esse tudo é o que por fora se manifesta.

Num mundo de cegos quem tem um olho é aleijado.

Numa epidemia a morte é desvalorizada. Porque se não desvaloriza no nosso quotidiano, que é como se houvesse também uma epidemia, embora ao retardador?

Numa situação intensa não sabemos que dizer. Para isso é que há o formalismo do silêncio, traduzido num abraço de emoção ou nos «sentidos pêsames» sem emoção nenhuma.

O amor acaba quando acaba o que há nele de impossível.

O amor acrescenta-nos com o que amarmos. O ódio diminui-nos. Se amares o universo, serás do tamanho dele. Mas quanto mais odiares, mais ficas apenas do teu. Porque odeias tanto? Compra uma tabuada. E aprende a fazer contas.

O amor afirma, o ódio nega. Mas por cada afirmação há milhentas de negação. Assim o amor é pequeno em face do que se odeia. Vê se consegues que isso seja mentira. E terás chegado à verdade.

O amor destrói. A amizade constrói.

O amor e o ódio são irmãos. Mas o ódio é um irmão bastardo.

O amor é um sentimento, ou seja uma coisa espiritual. Mas sem a parte material em ordem, ele não funciona. Como não funciona um aroma, sem o que for aromático.

O amor existe pelo que não existe. Porque há-de existir a pessoa que se ama?

O artista não cria a obra de arte mas só os seus sinais de trânsito. Quem a cria é quem por eles passa.

O autodidacta é um novo-rico. Sabe as coisas, mas não sabe como usá-las. Normalmente usa-as ao peito, que é onde supõe que apenas são visíveis. Mas onde elas se vêem não é onde se vêem.

O autodidacta pode saber tudo. Excepto o porque é que isso se deve saber.

O ciúme. Que irritante. Ele é uma expressão da avidez da propriedade. Ou da petulância do domínio. Ou do gosto da escravização.

O contrário da crença não é a descrença, mas a ignorância do problema.

O contrário da justiça é a caridade.

O contrário do pessimismo raramente é o optimismo. O contrário do pessimismo, se não é a boa intenção de injectar força nos fracos, o que é bonito e faz bem, é quase sempre a idiota.

O convívio com um artista não é a melhor forma de desvendar o mistério da sua obra. Mas é talvez a melhor forma de o destruir. Ou de supor que.

O democrata corrige a teoria pela prática. O ditador é ao contrário.

O difícil em arte é criar-se emoção sem se mostrar que se está emocionado. Ou estar emocionado para antes e depois de se estar. Ou ter a emoção ao lado para nela ir enchendo a caneta.

O difícil não é imitar a grandeza com a desmesura. O difícil é que a alma não seja anã.

O fantástico não está fora do real, mas no sítio do real que de tão visível não se vê.

O génio não é bem uma qualidade mas uma característica.

O grande paradoxo do artista é ter de tornar invisível a visibilidade do artifício com que torna visível esse invisível.

O grande segredo da «profundidade psicológica» é que a verdade de um homem aguenta tudo.

O historiador é um ficcionista que tira tudo da realidade.

O homem cristaliza a sua vida em torno das ideias que angariou até aos trinta ou quarenta anos.

O homem é capaz de dar a vida por um valor; só que não sabe que esse valor a merece, antes de ser capaz de a dar.

O homem é um animal racional. Mas a razão nem sequer chega para explicar porque é que se deve ser pela razão.

O homem não gosta da paz. Gosta só de conquistá-la. Entre uma coisa e outra há muita gente estendida. É a que tem a paz verdadeira.

O indeciso e flexível da imaginação é sempre mais fascinante do que a nitidez do real.

‘O inferno são os outros’ – disse Sartre. E é sobretudo por isso que se usam óculos escuros.

O maior mistério da morte é que só o podemos saber quando já o não podemos saber.

O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado.

O mais grave no nosso tempo não é não termos respostas para o que perguntamos – é não termos já mesmo perguntas.

O mais importante não é ter inteligência, mas aquilo a que se há-de aplicar. Simplesmente para isso também ela é precisa.

O mais odioso da guerra é a paixão que por ela se tem.

O mais profundo duma palavra é o que há nela de sagrado. Deus tê-la-á dessacralizado quando com ela criou o mundo. Mas nós sacralizamo-la de novo quando o recriamos com ela.

O melhor de uma verdade é o que dela nunca se chega a saber.

O perigo de uma verdade depende da idade de quem a afirma.

O prazer que nos dá uma ideia de outrem com que concordamos, vem-nos da ilusão de que fomos nós que a inventámos. Até porque fomos. Mas só agora o soubemos.

O que as calças no homem ocultam, nas mulheres revela-o. E é por isso que elas as usam justas.

O que é difícil não é demonstrar que uma obra de arte é excepcional. O que é difícil é ela sê-lo.

O que é trágico na velhice é que a morte é normal. E a sua vantagem também.

O que em mim pensa está sentindo.

O que há de pior no erro é a sua verdade. E ao contrário.

O que importa num raciocínio não é que esteja certo consigo mas que esteja certo connosco.

O que mais importa não é o novo que se vê mas o que se vê de novo no que já tínhamos visto.

O que numa obra lê a sua época, nem sempre é o que lêem as épocas que se seguem. Daí que uma obra célebre á nascença não se saiba o que virá a ser depois.

O que o moralista mais odeia nos pecados dos outros é a suspeita acusação de cobardia por não ter coragem de os cometer.

O que se consegue no que se obtém é quase sempre a decepção. Não é que falte muitas vezes seja o que for nisso que se consegue. Mas falta a esperança ou o desejo de o conseguir.

O respeito pela liberdade do espectador só tem igual no respeito do autor por si próprio. Porque é por respeito por si próprio que ele não se comove nem se ri, a não ser pelo que sobra ou é um excedente da sua vontade de rir e de se comover. É da sua estabilidade ou «indiferença» que transborda o que há-de comover ou fazer rir os outros.

O silêncio só existe em contraste com o barulho. Se não há barulho a contrastar, é ele próprio barulhento. E então apetece o ruído para ele ser menos ruidoso.

O tempo é uma construção artificial que sobrepomos a nós e à qual nos submetemos como a um boneco de horror ou lascivo que pintássemos e que nos subjugasse na sua realidade exterior e inventada por nós. É quando perdemos a noção do tempo que medimos bem o seu artificialismo.

O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.

O valor do que é raro vem de nos querermos raros a nós.

O verdadeiro real é o que está para lá dele. E esse não existe. Mas sem ele não existia o outro.

O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.

Oh, a dedicação, a estima, a generosidade. A razão fundamental por que os cães são estimados é que a sua carne não é boa para comer.

Os grandes sistemas do pensar, da ciência, as grandes correntes literárias e artísticas, os grandes ideários políticos ou religiosos. Tudo passou. Restos detritos fragmentos. Toma o teu bocado e senta-te no vão de uma porta a comê-lo.

Os grandes valores não se definem como se não define uma simples dor de dentes.

Os outros. Não lhes abras a porta. E esquece, esquece. Têm o seu mundo de intrigas, estratégias, parceirismo, glórias fúteis, veneno. Sê tu apenas. Esquece.

Para ajuizar do que é inferior é preciso ser-se superior. É por isso que um imbecil facilmente se julga um génio.

Para o escritor que falhou o presente, o reconforto é a posteridade. E essa nunca falha porque nunca se sabe se falhou.

Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.

Para se ver o que é pequeno é preciso ter um tamanho maior. Porque se o tamanho é o mesmo, o pequeno tem o tamanho máximo, por nada ser visível para lá dele.

Para se ver seja o que for não basta que isso seja possível mas que ele se integre dentro da nossa óptica. Porque conhecer é relacionar e o que se não relaciona só existe por si, ou seja, não existe.

Pensar. E se o pensar fosse uma doença, mesmo que dela resulte uma pérola?

Perante quem é que somos homens? É uma pergunta simples. Mas ela revoluciona toda a história da humanidade. Experimenta fazê-la. Experimenta pensá-la.

Perguntar se se é feliz é começar a ser infeliz, como perguntar se Deus existe é começar a ser ateu.

Pois, A emoção é decerto uma forma de se subir mais alto. E quando cai, de se cair de mais alto. Aprende a serenidade. Porque mesmo que caias, não te magoas tanto.

Pois. Tiveste em jovem a tua ideologia. Mas envelheceste. E a velhice tem já as suas falhas de memória. E uma das maiores falhas de memória é persistires no que te torna já um maníaco.

Por detrás de um triunfo há sempre uma vingança. E é numa razão directa que varia a sua grandeza.

Por um lado não posso deixar de escrever. Por outro, reconheço que não tenho já nada a dizer. Então tiro a média e ponho-me sobretudo a imaginar o que deveria escrever.

Porque é que dizes quem me dera ser feliz e não dizes quem me dera ser medíocre? Porque dirias a mesma coisa. E o que provas ao dizê-lo é só que afinal já o eras.

Porque é que estranhas tanto que um deputado deixe o partido e vá ser deputado para outro lado? O jogador de futebol também muda de clube.

Porque é que o sonho é o símbolo do ideal e da beleza, se ele é quase sempre um pesadelo?

Porque é que queres ser feliz, se não queres ser medíocre? Tens de escolher.

Porque há-de envergonhar-te o pensares ‘eu’? Mas é a única forma de existirem os outros que te atiram à cara com essa vergonha.

Porque o que mais custa a suportar não é a derrota ou o triunfo, mas o tédio, o fastio, o cansaço, o desencorajamento. Vencer ou ser vencido não é um limite. O limite é estar farto.

Porquê? Para quê? Economiza os teus «porquê» e «para quê». Ou utiliza-os só até onde houver resposta. Porque a última resposta a eles é o impossível e o vazio. Ou então terás de mudar de universo. E estás cá tão bem…

Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si se cale para elas se ouvirem. As que talvez ignores por nunca as teres pensado. As que podem sobreviver quando o grande silêncio se avizinha.

Qual o verdadeiro sentido de um romance ou de um poema? Se se pudesse realmente dizer, o poema ou o romance possivelmente não existiam.

Quando nascemos, assinámos logo um contrato com a morte. Porque é que depois fazemos todo o possível por não cumpri-lo?

Quando se apanha um mentiroso, ele pode perguntar-nos – e o que é verdade? E o mais provável é termos de o deixar seguir.

Quando se dão dois beijos é sinal de amizade; quando se tem amor dá-se só um. O amor é exclusivista. Ou concentracionário…

Quando uma doença não tem cura, é que há muitos remédios para a curar.

Quanta explicação para a história do homem. Mas é tão simples, afinal. A história do homem é a história da importância de nós. O resto são maneiras ou expedientes ou condicionamentos de isso se efectivar.

Quantas vidas se fariam com o que a nossa não utilizou.

Quanto custa amadurecer. Felizes daqueles que amadurecem cedo. Coitados daqueles que amadurecem cedo. Quando é a altura de amadurecerem já estão podres.

Quanto maior se é, mais repetido se é. Platão, Aristóteles, Kant, quantos outros. Ainda se não calaram nos que deles falaram. E é possível que só se calem quando a espécie humana se calar.

Quanto mais alto se sobe, mais longe é o horizonte.

Quanto mais grave é uma doença, maior tem de ser a esperança. Porque a função da esperança é preencher o que nos falta.

Quanto mais intenso é um sentimento (de emoção ou de cómico) mais discretos têm de ser os meios que os promovem.

Quanto mais original é uma obra, mais banal ela se torna.

Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram. No Carnaval desmascaram-se.

Que importa o que erraste? Não haveria verdade nos outros sem o teu erro próprio. E assim colaboraste na harmonia da vida. Se no mundo houvesse só uma cor, não haveria sequer essa cor.

Que importa que já o saibas? Só se sabe o que já nos não surpreende.

Quem procura a glória não a merece, quem a merece não a procura.

Ri sempre de maneira que alguém fique, sem saberes, a chorar dentro de ti. Porque se o riso permanece, o que encontra dentro de ti é o idiota que lá estava à sua espera.

Rimos francamente, se a piada vem de um tipo do nosso nível. Rimos com deferência, se de um nível superior. E só por condescendência sorrimos, se vem de um tipo de nível inferior. É que o riso é uma concessão e nós somos muito ciosos da nossa importância.

Saber tudo de tudo. Ou tudo de algum saber. Decerto é impossível e mesmo indesejável. Mas que tu sintas que é bela a luz ou ouvir um pássaro cantar e terás sido absolutamente original. Porque ninguém pode sentir por ti.

Salvar a vida, até onde é possível, mesmo à custa da morte. É o acto do suicida.

Sê alegre apenas depois de dares a volta à vida toda. E regressares então a uma flor, ao sol num muro, a um verme no chão. A profunda alegria não é a do começo mas a do fim.

Se és artista, não fales em ser maior ou menor, para não confundires a tua obra com uma prova de atletismo.

Se fazes questão em reflectir sobre o enigma da vida e do universo, vê se te despachas depressa, que a espécie humana qualquer dia acaba.

Se não há amor como o primeiro, porque é que ele não é o último?

Se te é indiferente matar uma criança ou uma mosca, podes dizer com verdade que estão mortos todos os valores. Mas nesse caso e em coerência com essa verdade, deve ser-te indiferente continuares livre ou seres preso. Ou enforcado.

Se um argumento fosse decisivo, não havia partidos políticos.

Ser feliz é não saber que se o é. Como só se sabe da saúde quando se está doente.

Ser forte à custa alheia é ser fraco à custa própria.

Ser inteligente é ser desgraçado. O imbecil é feliz. Mas o animal também.

Ser tímido é dar importância aos outros. Ser desinibido é dá-la a si próprio. Mas normalmente o tímido tem-na. O desinibido não.

Só à distância se admira alguém, no tempo ou no espaço, porque nos não faz concorrência. Sinto que enfim começo a ser aceite. Sinal de que já vou sendo do passado.

Só numa situação concreta sabemos o que realmente somos.

Só o que é de mais é que é bastante.

Sobre poucas coisas, todos dizemos estar de acordo. Porque para todas, bastam os cemitérios.

Somos o que somos por efeito do que se é e não do que se acumulou sobre isso. O que se acumula apenas coordena o que já se é no nível a que se vai ser.

Tanto como já li e aprendi e guardei. E nada disso me serve para olhar uma simples flor.

Tem piada. Deus não tem moral nenhuma. O «tu deves» instaura uma distância entre o absoluto do dever e a finitude de quem é obrigado. Deus não pode ter distância de nada. E é porque ele é a-moral que nós não podemos julgá-lo imoral e pedir-lhe portanto satisfações.

Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.

Ter firmeza de carácter é ser fiel àquilo em que já se não acredita.

Ter firmeza de carácter não é dizer sempre que 2 + 2 = 4. É dizer por exemplo que são cinco – e persistir…

Teve uma ideia, tão original e tão esquematizada em máxima sentenciosa, que se tornou um lugar-comum e perdeu a originalidade. Mesmo para quem a criou.

Toda a cultura assenta na interpretação dos factos. Os factos em si permanecem, sujeitos embora a emendas como factos que são. Mas não a sua leitura.

Toda a cultura é um diálogo com o seu tempo.

Toda a explicação pressupõe o conhecimento do inexplicável, ou seja, do que seria mais interessante explicar.

Toda a obra de arte é datada. A diferença entre a grande e a pequena é a que sobra dessa data.

Toda a surpresa deixa de o ser quando integrada nos nossos hábitos. E é por isso que uma obra de arte do passado nos deixa quase indiferentes.

Toda a verdade cansa. A génese da História está aí.

Toda a verdade convicta cria logo discípulos. Porque o que seduz na força da verdade é a verdade da sua força. Com a verdade criou-se um sistema, com a força pode criar-se um império. E o domínio importa mais do que o saber. A verdade é impessoal, o domínio não.

Toda a verdade e todo o erro, se repetidos mil vezes, tendem a converter-se no seu contrário. Apenas pela razão de nos fatigarem.

Toda a vida mental é uma construção no abismo de nós com um real como pretexto ou rampa de lançamento.

Toda a virtude devia meter sacrifício. Mas a maior parte das pessoas é virtuosa por preguiça.

Toda a virtude é uma contrariedade. É por isso que os padres não são castrados.

Todo o animal tem uma alma à medida de si. Só o homem a tem infinitamente maior. E o seu drama, desde sempre, é o de querer preenchê-la.

Todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil.

Todos podemos saber uma coisa desagradável de alguém. E esse alguém pode saber que sabemos. E nós sabermos que sabe. No entanto não gosta que o digamos. Quem fica mais a sabê-lo se o dissermos?

Trabalhar um livro até à minúcia de uma palavra. E depois um leitor engolir tudo à pressa para saber ‘de que se trata’. Vale a pena requintar um vinho para se beber como o carrascão?

Tudo se pode aprender, excepto a morte. Porque só se aprende o que já está em nós. E a morte não está.

Um casal de velhos tem o mesmo sexo.

Um deles era muito inteligente e aprendeu tudo, entendeu tudo e levou isso tudo consigo quando morreu. O outro era razoavelmente estúpido e inventou um modelo aperfeiçoado de aguça-lápis. E existiu mais.

Um Deus faz-te muita falta? Mas não mais que um Deus a ele. E é para isso que existes. Para ele a não sentir.

Um génio é um tipo que vive intensamente seja o que for.

Um grande livro não é bem o tema e personagens e situações e escrita e tom e tudo o mais que se quiser: é o que sobra disso tudo e se não identifica com nada disso. E todavia tal grande livro é mesmo tudo isso com que se identifica.

Um homem cumpre-se melhor no corpo do que no espírito.

Um prazer não está só nele mas ainda e sobretudo em poder interromper-se.

Um sentimento define-se segundo a pessoa que se é. Quando jovem, o amor é um impossível que se deseja possibilitar e que quando isso acontece se desfaz. Na velhice o amor define-se como uma grande paciência. Como às vezes se define o génio.

Uma boa frase cria a sua verdade. É por isso que os políticos escolhem meticulosamente os seus slogans para criarem a deles.

Uma boa frase é como uma boa anedota: dá brilho a quem a inventa e sobra ainda para quem a repete.

Uma convicção é mais uma forma de estarmos com os outros do que connosco ou os argumentos que tivermos.

Uma convicção num jovem é a desordem, num adulto, um equilíbrio, num velho, uma mania.

Uma diferença entre uma grande obra de arte e uma obra medíocre é que a grande obra tende a tornar-se um lugar-comum e a medíocre não o consegue por já o ser.

Uma dor de que se fala já não é dor sentida.

Uma forma de o medíocre convencido imitar a grandeza é não dizer mal de ninguém.

Uma guerra ganha-se com a razão da força. E o vencedor conta-a depois com a força da razão.

Uma história vivida não tem tempo de calendário – tem-no só no que se viveu.

Uma mulher bela concentra no rosto a atenção dos homens. Mas se essa mulher se despir, a atenção concentra-se noutro lado. E a razão é simples: é que esse lado é que é a razão do outro.

Uma obra de arte não é para «entender», mas só para «compreender». No segundo caso é muito menos limitada.

Uma opinião que se tem passa pela pessoa que somos e não pelas razões para a ter. É por isso que todos têm opinião e poucos informação para isso. Mas é por isso também que a mesma informação pode dar opiniões contrárias. Porque tudo se pode trocar, menos a pessoa que se é.

Uma verdade que se aceita começa logo a morrer. Ou seja, a ser erro. É a altura de outro erro começar a nascer. Ou seja, a ser verdade.

Uma verdade só é verdade quando levada às últimas consequências. Até lá não é uma verdade, é uma opinião.

Uma vida só tem história do princípio para o fim, se a tiver do fim para o princípio.

Vê se uma tua ideia se não torna um lugar-comum para te não dizerem que te serves de um lugar-comum quando por acaso a repetires.

Vir a morte e levar-nos. E não fazermos falta a ninguém. Nem a nós. Que outra vida mais perfeita?

Vive a vida o mais intensamente que puderes. Escreve essa intensidade o mais calmamente que puderes. E ela será ainda mais intensa no absoluto do imaginário de quem te lê.