Citações de Camilo Castelo Branco

A alegria precisa chorar, como a dor.

A amante que chora o amante que teve, na presença do amante que se lhe oferece, quer persuadir o segundo que é arrastada ao crime pela ingratidão do primeiro.

A amizade é o mais levantado dos humanos sentimentos.

A beleza é o poder moderador dos delitos do coração.

A caridade é a felicidade dos que dão e dos que recebem.

A castidade, além de ser em si e virtualmente uma coisa boa, tem ignorâncias anatómicas e inconscientes condescendências com as impurezas alheias.

A civilização é a razão da igualdade.

A escala dos sofrimentos humanos é infinita.

A felicidade é o sonho.

A felicidade é parecida com a liberdade, porque toda a gente fala nela e ninguém a goza.

A felicidade é um engano providencial que nos alimenta na alternativa do desejo e do desengano. É uma amiga cruel que nos foge com a esperança, apenas os lábios sentem o travo do absinto que a taça do prazer esconde.

A felicidade quer-se recatada para não suscitar invejas.

A felicidade, à custa de lágrimas alheias, é uma traição aos nossos gozos: é um licor saboroso em taça de prata, com fezes no fundo, fezes que afinal somos obrigados a tragar.

A ignorância é o abismo da fé, porque a fé é um acto da inteligência.

A imprensa vende por dez réis a explicação de todas as lágrimas ocultas.

A inconstância da mulher é uma das perfeições deste planeta.

A indiscrição é íntima da candura.

A infância é a estação das crenças, dos temores e das superstições.

A infância é como a água que desce da bica, e nunca mais sobe.

A inocência genuína rende-se; não sabe defender-se.

A inocência, surpreendida em aparências criminosas, condena-se quase sempre por uma espécie de mudez idiota, semelhante à do crime sem defesa.

A inveja é um inimigo inexorável.

A lógica das multidões é a dos jurados.

A maior alma é sempre insignificante ao pé da pequeníssima alma em cuja dependência está.

A maldade é congénere do homem.

A monotonia é fastidiosa até na virtude.

A morte é amparo.

A morte emenda todos os actos da vida.

A mulher devia ser velha quando não sente o coração… quando já não ama.

A mulher quando ama, tem heroísmos e abnegações de que o homem – o ser mais egoísta do reino animal – é incapaz.

A paciência é a riqueza dos infelizes.

A poesia não tem presente: ou é esperança ou saudade.

A política pode substituir a fêmea, quando é preciso escolher entre duas devassas, mas não é possível conservar ambas.

A própria libertinagem, sopitada nos seus letargos de estafada devassidade, tem sonhos melancólicos, saudades das impecáveis alegrias da infância.

A prosa do marido enfastiado é o vasconço mais bárbaro da glótica humana.

A pureza é o elo interposto à flor e à estrela em mistura de inocência.

A riqueza é boa, mas a felicidade é melhor.

A rosa da profunda amizade não se colhe sem ferir a mão em muitos espinhos da contradição. No abnegar é que está o vencer de muitas resistências invencíveis ao império da vontade.

A sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobre a ciência.

A saudade pelos vivos é dor suave.

A seriedade é uma doença e o mais sério dos animais é o burro.

A sociedade, a família e o homem expiam incessantemente a culpa do homem, da família e da sociedade.

A torpeza, a ignomínia, a podridão das entranhas vivas, o nascer ou morrer infamado ou infame é só do homem.

A variedade remoça as almas, repovoando-as de imagens novas.

A verdade é às vezes mais inverosímil que a ficção.

A verdade é expansiva; a mentira retrai-se, esconde-se até aos olhos dos depravados.

A verdadeira lei do progresso moral é a caridade.

A vingança é o inverso da caridade.

A virtude, quando há dinheiro, é azul sobre ouro.

Amigo é uma palavra profanada pelo uso e barateada a cada hora, como a palavra de honra, que por aí anda desvirtualizando a honra.

Amigos verdadeiros são os que nos acodem inopinados com valedora mão nas tormentas desfeitas.

Antigamente os animais falavam, hoje, escrevem!

Ao pé de um bom estômago coincidiu sempre uma boa alma.

As acções de cada pessoa são boas ou más consoante a maneira como as outras as comentam.

As almas infelizes envelhecem cedo.

As angústias mais cerradas deixam sempre clareira alumiada por uma réstia de esperança.

As bebedeiras são às vezes os purgantes da alma.

As exterioridades estão sempre prontas a mascarar hipócritas ou a desmentir infelizes.

As injustiças, se alanceiam as vítimas, também ferem quem as faz.

As lágrimas que vêm de longe são as que mais nos doem no coração.

As lágrimas represadas são a peçonha mortal do coração.

As lágrimas são o desafogo das dores que vivem no cérebro normal.

As maiores desgraças são aquelas que a si próprias não podem perdoar.

As mulheres amadas, conhece-as pela cor quem quiser estudá-las entre os dezoito e os trinta anos.

As pessoas desventurosas, se a desgraça lhes dá tréguas, estranham por tal forma a variante da sua sorte, que recorrem ao sobrenatural para explicá-la.

As quedas de algumas mulheres justificam-nas alguns maridos.

Atrás da poesia do amor vem a prosa do casamento.

Certos sujeitos quando cuidam que o ideal os eleva, burrificam-se.

Depois do Céu, quem mais pasmosos milagres faz é o Amor.

Duas pessoas que se amam, só começam a dizer coisas ajuizadas desde que se aborrecem.

É falso o amor que leva o homem à indignidade.

É forçoso recorrer ao inconcebível, ao sobrenatural, ao misticismo da providência oculta para compreender o que vulgarmente se chama «fatalidade».

É na solidão que as almas doentes convalescem e se fortificam.

É preciso ter chorado para imortalizar o riso no livro, na estrofe, na sentença, na palavra.

Em boa paz com teólogos e filósofos, a mim se me afigura que o homem é um composto de grandeza e pequenez, uma dualidade de gigante e de pigmeu.

Em coisas insignificantes é que um verdadeiro amigo se avalia.

Enquanto houver rapazes de quarenta anos, é justo que se desculpem as leviandades dos velhos de dezassete.

Entre namorar e amar, está o reflectir.

Eu creio na inocência das mulheres, como sinónimo de pureza; mas de simplicidade não. O conhecimento precoce dos segredos mais rebuçados da vida, é um segundo instinto com que vieram à luz as mulheres do século XIX.

Experiência – o único argumento em amor.

Ferida do coração onde possa chegar o agro adstringente de uma lágrima, cicatriza cedo ou tarde.

Há desgraças inconsoláveis, se outra vida não preluz ao homem que, inventariando as consolações deste mundo, apenas uma lhe vê sorrir: a morte.

Há horas na vida em que a mais leve contrariedade toma as proporções de uma catástrofe.

Há mulheres que parecem ensoberbecer-se com o seu próprio infortúnio. A docilidade, a humilhação sem desdouro, poderá, nos casos de muitas, revirar a pouco e pouco a sorte.

Há não sei que semelhança entre a eloquência e o raio. O raio abrasa, pulveriza quase sem queimar; a eloquência quase sem persuadir.

Há um ideal comum a todos, ideal que dispensa consumo de ideias: coisa em si materialíssima, que se chama ideal em virtude de tácita convenção, feita há cinco mil anos, de nos enganarmos uns aos outros, e cada qual a si.

Há uma coisa mais aviltadora do que o desprezo: é o esquecimento.

Há uma espécie de insensibilidade que, a meu juízo, é o existir intermédio da demência e da morte.

Homem que pensa, que estuda, que trabalha debaixo da influência tenaz de uma ideia, que cisma na imortalidade que pode dar-lhe a ciência, ou no dinheiro que pode dar-lhe um livro, tal homem só serve para marido depois que o reumatismo lhe faz ver o celibato à luz da higiene.

Lágrimas e sorrisos são a condição da vida.

Morte: que suave desfecho, se ao desfazer-se a vida a desfibração lenta não custasse tanto!

Não há amor que resista a vinte e quatro horas de filosofia.

Não há baliza racional para as belas, nem para as horrorosas ilusões, quando o amor as inventa.

Não há metade do coração. Ou todo o amor ou toda a indiferença, quando não, é uma insustentável impostura, chamada estima.

Nas mulheres a inteligência ou nasce com o coração, ou o mata se vem depois.

Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. Nas máximas aflições, nas derradeiras do coração e da vida, é grato sentir-se amado quem já não pode achar no amor diversão das penas, nem soldar o último fio que se está partindo. Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência.

No homem gasto, vão-se as ilusões e fica a experiência.

Nos livros aprendi a fugir ao mal sem o experimentar.

Nunca é feliz com um vestido de chita, a mulher que tem amigas com vestidos de seda.

O agente principal do espírito de uma mulher é a modista.

O amor dá-se mal nas casas ameaçadas de pobreza. É como os ratos que pressentem as ruínas dos pardieiros em que moram, e retiram-se.

O amor é a primeira condição da felicidade do homem.

O amor é uma luz que não deixa escurecer a vida.

O amor nascente é tão melindroso, pueril e tímido, que receia desagradar até com o pensamento ao ídolo da sua concentrada adoração.

O amor que enlouquece e permite que se abram intercadências de luz no espírito, para que a saudade rebrilhe na escuridão da demência, é incomparavelmente mais funesto que o amor fulminante.

O amor só vive pelo sofrimento e cessa com a felicidade; porque o amor feliz é a perfeição dos mais belos sonhos, e tudo que é perfeito, ou aperfeiçoado, toca o seu fim.

O amor, que não perde nem desvaira, esse é que é o amor.

O amor, que vem procurado como sensação necessária à felicidade da vida, perde dois terços da sua embriagante doçura; porém, o amor inesperado, impetuoso e fulminante, esse é um abrir-se o céu a verter no peito do homem todas as delícias puras que não correm perigos de empestarem-se em contacto com as da terra.

O anjo da inocência foge de certos livros, como os editores de certos autores.

O arrependimento inventa carinhos novos, e a inocência parece vingar-se, perdoando, e sorrindo ao algoz, que exora o perdão com lágrimas.

O basilisco do ciúme é, às vezes, o galvanismo dos corações regelados e mortos pelo tédio.

O chorar tem mistérios recônditos em parte do coração, onde não chega a sonda; e, às vezes, sucede cuidar a gente que a sonda toca em fibra generosa, e, ao retirá-la, dá fé que tocou em lodo.

O ciúme vê com lentes, que fazem grandes as coisas pequenas, gigantes os anões, verdades as suspeitas.

O coração é muito e a felicidade doméstica é tudo.

O extremo de um grande prazer é um desgosto.

O feudo mais pesado que uma mulher faladora pode impor a um homem, é a obrigação de ouvi-la.

O futuro é um descuido do maior número e uma aflição de poucos espíritos que vieram sãos a um mundo cheio de aleijados.

O homem é o único ser sensível que se destrói a si próprio no estado de absoluta liberdade; qualquer outro animal, quando se despedaça, é para destruir prisões e quebrar cadeias.

O homem é um verme. Deus não tem nada com este grão de areia, que lançou no oceano, a turbilhões, com a ponta de um pé.

O homem foi sempre mau; será mau até ao fim. A sociedade parece melhor do que foi, olhada colectivamente; é parte nisto a lei e grande parte o cálculo. Cada indivíduo se constrange e enfreia no pacto social para auferir as vantagens de o não romper; porém, o instinto de cada homem, em comunidade de homens, está de contínuo repuxando para a desorganização.

O homem que ama é um tolo sublime.

O homem traído uma vez pode ouvir dos lábios da mulher um juramento de alma, animado com a santa inocência de um anjo, mas nunca mais lhe franqueará o coração, onde goteja sangue, uma chaga incurável.

O inferno é cá neste mundo: não ter que comer, que beber, nem umas palhas em que deitar-se.

O melhor amigo é o dinheiro. Conselhos, os melhores é o dinheiro que os dá.

O melhor médico do espírito será aquele que maior proporção de íntimo fel diluir em lágrimas.

O ódio inspira a eloquência da traição.

O pecado mais belo é o que o coração não confessa.

O poeta desmente as leis fisiológicas, vivendo do princípio vital de uma única entranha: o coração.

O que tem feito mal a muita gente não é a mentira; é o invólucro de palavras artificiosas com que se doira a algema que as verdades lançam ao pulso do homem.

O silêncio é o desafogo das grandes emoções, que abafam o espírito, enturvando-nos a razão.

O silêncio é uma confissão.

O suicídio não é uma coragem vulgar. Suicidam-se os que se desprezam a si e ao mundo.

O tempo chega sempre; mas há casos em que não chega a tempo.

O terror tem sido, algumas vezes, o mais avisado conselheiro nas angústias. Muitas vitórias, que a história atri­bui ao denodo dos generais, foi o ímpeto da resolução extrema do medo que lhas deu.

O último amor que desampara o homem é o combinado com o orgulho.

Onde estão vinte pessoas reunidas em pregão ao insulto do infortúnio, aí sem dúvida estão acobertados vinte crimes. Do elo da libertinagem ao elo da ladroeira preencham a cadeia com os fuzis que faltam.

Onde morre a vergonha nascem os expedientes desonrosos.

Os dias prósperos não vêm por acaso. Nascem de muita fadiga e muitos intervalos de desalento.

Os estúpidos guerreiam barbaramente o talento: são os vândalos do mundo espiritual.

Os homens que não descaem ou fingem não descair da mocidade tão depressa, assombram-se da mudança que dez anos fazem no rosto e nas almas das mulheres suas contemporâneas.

Os livros pagam liberalmente a quem os atura.

Os raciocínios do amor-próprio não gozam do crédito das melhores consequências.

Pode-se morrer mais do que uma vez. A sepultura é que é só uma para cada homem.

Prantos que salvam são os da dor imerecida, os apelos das iniquidades do mundo para o tribunal da Providência.

Quando a eloquência, inspirada do íntimo da alma, regurgita em jorros dos lábios de uma amante, é certo o triunfo.

Quem não conhece a mulher amiga, põe a mão sobre o coração e não encontra aí a flor, que se rega nas lágrimas, quer de alegria quer de recíproca tristeza.

Quem pode ver insensivelmente o alheio infortúnio, ignora que há dores.

Reparar, quando o coração repara mais que o juízo, é amar.

São poucos os infortúnios sem um reverso de ridículo.

Ser tolo é má coisa; ser mau é coisa pior; mas quem não puder livrar-se de ser ao mesmo tempo tolo e mau, seja antes mau. Os tiros do ódio podem ferir; mas assanham os brios, e dão azo à vitória; porém os tiros do escárnio matam sempre.

Só faz versos quem tem a alma cheia de saudades ou de esperanças.

Só há um ridículo no planeta – o homem que não tem dinheiro.

Todas as paixões são vencíveis.

Todo o homem tem uma porção de inépcia que há-de sair em prosa ou verso, em palavras ou obras, como o carnejão de um furúnculo. Quer queira quer não, um dia a válvula salta e o pus repuxa.

Um verdadeiro amor é segunda inocência.

Viver é ansiar a felicidade possível e a impossível.