Citações de Paulo Freire

A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.

A compreensão do mundo está estreitamente ligada à compreensão do processo lingüístico.

A democracia não pretende criar santos, mas fazer justiça.

A educação já foi tida como mágica, podia tudo, e como negativa, nada podia. Chegamos à humildade: ela não é a chave da transformação da sociedade.

A Educação qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática.

A escola será cada vez melhor, na medida em que cada ser se comportar como colega, como amigo, como irmão.

A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada ves mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo… Lutando pela restauração de sua humanidade estarão, sejam homens ou povos, tentando a restauração da generosidade verdadeira.

A humildade exprime, uma das raras certezas de que estou certo: a de que ninguém é superior a ninguém.

A leitura do mundo precede a leitura da palavra

A sectarização, porque mítica e irracional, transforma a realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada.

A tarefa mais importante de uma pessoa que vem ao mundo é criar algo.

A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.

Amar é um ato de coragem.

As terríveis consequências do pensamento negativo são percebidas muito tarde.

Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer.

Criar o que não existe ainda deve ser a pretensão de todo sujeito que está vivo.

Daí a crítica permanentemente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia.

Descobri que o analfabetismo era uma castração dos homens e das mulheres, uma proibição que a sociedade organizada impunha às classes populares.

É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática.

É preciso que a leitura seja um ato de amor

E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas.

Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!

Educar-se é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.

Em Marx eu encontrei uma certa fundamentação objetiva pra continuar camarada de Cristo.

Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.

Eu fiquei com Marx na mundanidade, mas a procura de Cristo na transcendentalidade.

Eu não aceito que a ética do mercado, que é profundamente malvada, perversa, a ética da venda, do lucro, seja a que satisfaz ao ser humano.

Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso, eu amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo, que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.

Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele.

Importante na escola não é só estudar, é também criar laços de amizade e convivência.

Me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente.

Meu sonho de sociedade ultrapassa os limites do sonhar que aí estão.

Mudar é difícil mas é possível.

Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.

Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmaremos.

Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.

Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.

Não há saber mais ou saber menos. Há saberes diferentes.

Não há vida sem correção, sem retificação.

Não se pode falar de educação sem amor.

Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém.

Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.

Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo.

Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em comunhão.

Ninguém nasce feito, é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos

Ninguém nasce feito, ninguém nasce marcado para ser isso ou aquilo. Pelo contrário, nos tornamos isso ou aquilo. Somos programados, mas, para aprender. A nossa inteligência se inventa e se promove no exercício social de nosso corpo consciente. Se constrói. Não é um dado que, em nós, seja um a priori da nossa história individual e social.

Nos anos 60 fui considerado um inimigo de Deus e da Pátria, um bandido terrível. […] Hoje diriam que eu sou apenas um saudosista das esquerdas.

Num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário.

O amor é uma intercomunicação íntima de duas consciências que se respeitam. Cada um tem o outro como sujeito de seu amor. Não se trata de apropriar-se do outro.

O autoritarismo é uma das características centrais da educação no Brasil, do primeiro grau à universidade.

O homem, como um ser histórico, inserido num permanente movimento de procura, faz e refaz constantemente o seu saber.

O Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização, implantado durante o regime militar) nasceu para negar meu método, para silenciar meu discurso.

O mundo não é, o mundo está sendo.

O que me surpreende na aplicação de uma educação realmente libertadora é o medo da liberdade.

O que o capitalismo tem de bom é apenas a moldura democrática. Um dos maiores erros históricos das esquerdas que se fanatizaram foi antagonizar socialismo e democracia.

O ser alienado não procura um mundo autêntico. Isto provoca uma nostalgia: deseja outro país e lamenta ter nascido no seu. Tem vergonha da sua realidade.

Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender.

Os negros no Brasil nascem proibidos de ser inteligentes.

Os opressores, falsamente generosos, tem necessidade para que a sua generosidade continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça.

Para mim, é impossível existir sem sonho. A vida na sua totalidade me ensinou como grande lição que é impossível assumi-la sem risco.

Pensar no amanhã é fazer profecia, mas o profeta não é um velho de barbas longas e brancas, de olhos abertos e vivos, de cajado na mão, pouco preocupado com suas vestes, discursando palavras alucinadas. Pelo contrário, o profeta é o que, fundado no que vive, no que vê, no que escuta, no que percebe (…) fala, quase adivinhando, na verdade, intuindo, do que pode ocorrer nesta ou naquela dimensão da experiência histórico-social.

Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e o seu trabalho pode criar um mundo próprio, seu Eu e as suas circunstâncias.

Que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? “Lavar as mãos” em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele.

Quem começa a entender o amor, a explicá-lo, a qualificá-lo e quantificá-lo, já não está amando.

Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.

Sem dúvida, ninguém pode buscar na exclusividade, individualmente. Esta busca solitária poderia traduzir-se em um ter mais, que é uma forma de ser menos. Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências, caso contrário se faria de umas consciências, objetos de outras. Seria “coisificar” as consciências. Jaspers disse: “Eu sou na medida em que os outros também são.” O homem não é uma ilha. É comunicação. Logo, há uma estreita relação entre comunhão e busca.

Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo.

Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje (…). Temos de saber o que fomos, para saber o que seremos?

Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso, aprendemos sempre.

Um dos grandes pecados da escola é desconsiderar tudo com que a criança chega a ela. A escola decreta que antes dela não há nada.

Citações de Ramalho Ortigão

A arte é a eterna desinfectante de toda a podridão em que toca.

As literaturas são os registos condensados do pensamento público. Os grandes livros não se produzem senão quando as grandes ideias agitam o mundo, quando os povos praticam os grandes feitos, quando os poetas recebem da sociedade as grandes comoções.

Eu creio tanto na influência dos maus jantares como no das más companhias na índole dos indivíduos, e adopto para mim esta sentença: «Diz-me o que comes, dir-te-ei as manhas que tens».

Inocência, na acepção em que tomamos a palavra, quer dizer ignorância do que é impuro. Quem cora ao ouvir uma imprudência, claro é que distingue, e quem distingue duas coisas conhece-as ambas.

Não, a vida não é uma festa permanente e imóvel, é uma evolução constante e rude.

Ninguém é grande nem pequeno neste mundo pela vida que leva, pomposa ou obscura. A categoria em que temos de classificar a importância dos homens deduz-se do valor dos actos que eles praticam, das ideias que difundem e dos sentimentos que comunicam aos seus semelhantes.

O «tête-à-tête» da verdadeira amizade só existe entre um homem e uma mulher. A mulher é o amigo natural do homem. Dois homens raramente se estimam verdadeiramente.

O amor é um estado essencialmente transitório. É como uma enfermidade. Tem a sua fase de incubação, o seu período agudo, a sua declinação e a sua convalescença. É um facto reconhecido e ratificado por todos os fisiologistas das paixões.

O amor veemente, o amor apaixonado, por mais perfeito que o queiram pintar, tem sempre intercadências de desalento e de tédio que assassinam a felicidade.

O casamento é a identificação de duas pessoas imperfeitas num indivíduo completo.

O celibato é uma amputação nas forças e nas faculdades do homem.

O homem que só tem as qualidades próprias da sua idade e do seu estado é o homem admirável. O que reúne a essas grandes qualidades os pequenos defeitos que lhe são congéneres é o homem completo.

O homem sem educação, por mais alto que o coloquem, fica sempre um subalterno.

O modo mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho.

O papel do marido atraiçoado continuará a ser ridículo até o dia em que a sociedade reconhecer que a honra é uma propriedade como qualquer outra, e que, roubado esse património, o desprezo, como punição do delito, deve cair não no que sofre, mas sim no que perpetrou o roubo.

O pior dos maridos é o marido enfastiado.

Sem a alegria, a humanidade não compreende a simpatia nem o amor.

Temos visto do jogo muitas e mui variadas definições. A única porém que inteiramente nos satisfaz é a seguinte: o jogo é uma asneira.

Três simples qualidades bastam para tomar qualquer senhora perfeitamente delicada e distinta: a simplicidade, a bondade, a modéstia.

Citações de Teixeira de Pascoaes

A banalidade é uma obra terrível dos nossos olhos.

A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água.

A corrupção favorece as ideias novas.

A indiferença que cerca o homem demonstra a sua qualidade de estrangeiro.

A morte é a pessoa feminina de Deus.

A sociedade é uma colecção de cidadãos ou fantasmas, criaturas expulsas da Existência natural, por interesse colectivo. Que são os homens, diante do Homem?

A vaidade é a sinceridade em pessoa.

Agir é construir, destruindo.

As coisas são possibilidades realizadas contendo inúmeras possibilidades realizáveis.

De que serve ressuscitar? Toda a gente continua a ver o morto.

Deus não está nos preceitos da Moral.

É possível que entre o Crime e a Inspiração haja um certo parentesco.

Existir não é pensar: é ser lembrado.

Não existimos mais que os nossos sonhos.

O amor é fome de outra vida, desejo de transitar. Quando dois amantes se abraçam e beijam, entredevoram-se, morrem um no outro, de algum modo, e transitam para um novo ser. A vida não pode ficar em nós, a repetir-se, que repetir é estar parado, é ocupar o mesmo lugar.

O homem é feito de água. Seria uma estátua incolor e transparente, quase invisível, se não fosse a armação de pedra em que se firma e as várias imagens misteriosas reflectidas na sua superfície.

O homem é um castelo feito no ar. O que ele tem de não existente, é que lhe dá existência. O engano em que ele vive, é que lhe dá vida. Toda a realidade do seu corpo se firma na mentira da sua alma.

O homem foge da sua sombra anterior para a sua luz futura.

O homem só é verdadeiro quando se julga incógnito. Se tem de representar a sua pessoa, a arte absorve-o e desvia-o do seu próprio ser.

O homem, antes de tudo, é poeta, por mais gordo ou adaptado à rotundidade planetária; e depois é pedagogo, aferidor de pesos e medidas, engenheiro, deputado e outras deformidades sociais.

O infinito é ele menos o metro em que avultamos; a eternidade é ela menos a hora em que vivemos.

O nome desfigura as coisas.

O pecado é mais fecundo que a virtude.

O Português é indeciso e inquieto, como as nuvens em que as suas montanhas se continuam e as ondas em que as suas campinas se prolongam.

O que não aconteceu, nunca esteve para acontecer, e o que aconteceu, nunca esteve para não acontecer.

O riso brota dos dentes que mordem.

O segredo da nossa vida moral não reside na etérea consciência, mas nas profundas da inconsciência, onde rastejam a dissimulação, a crueldade, o medo e outras virtudes adquiridas nos combates.

Os animais são pessoas, como nós somos animais.

Se Deus não fosse um absurdo, quem lhe ligaria importância ou acreditaria nele?

Ser uma coisa evidente é ficar reduzido a quase nada.

Só a cabeça de um morto diz que sim a todos os movimentos que lhe imprimem.

Sonho

Todas as almas são igualmente perfeitas.

Todo o enigma da vida está fechado na cabeça de uma formiga.

Todos os gestos de um homem visam a Humanidade.

Citações de Agostinho da Silva

A acção só vale quando é feita como um exercício, e um exercício com amor, quando é feita como uma ascese, e uma ascese por amor de que se liberte o Deus que em nós reside. E se a acção implica amargura, o que há a fazer é mudar de campo: porque não é a acção que estará errada, mas nós próprios.

A atitude inteligente e largamente humana não é a de aceitar dilemas, mas ou a de mostrar que são falsos ou a de se encarreirar a terceiras soluções de que o lógico se não lembrou, a não ser que lhe não fosse conveniente pô-las.

A bondade cria problemas quando é fraqueza e não força.

A busca do perfeito é a consciência do perfeito a que se dirige, atinja-o ou não, sempre, no entanto, nele morando o processo do mundo, que não é processo senão a nossos olhos.

A filosofia pode perfeitamente ter sido um fenómeno puramente histórico. E acabar. Deixando o campo às aspirações puramente religiosas, que são as eternas do homem. E, na realidade, as únicas que poderão conduzi-lo a uma plena vitória sobre o mundo; e sobre si próprio, que ainda é o mais difícil.

A grande diferença entre o inteligente e o estúpido – entre o chamado inteligente e o chamado estúpido – é que o primeiro se esforça.

A História vai ser simples quando for entendida; o homem vai ser humilde quando entender a História; quando ela, para ser entendida, se tiver feito geometria.

A ideia de deus que aparece em todas as religiões, me parece a mim, que poderia ser substituída (…), que era muito mais interessante que se visse na palavra, na ideia em que se inspira a palavra deus, por exemplo, a criatividade absoluta. Porque se aparecem as coisas criadas, em que hei-de acreditar, se não existisse a criatividade? Não acha esquisito acreditar que existem coisas criadas e não acreditar na criatividade?

A juventude engana: às vezes há um simples ímpeto animal, um rebentar de Primavera, mas sem fruto.

A liberdade para os partidos é uma coisa, e essencial; o governo pelos partidos outra, e dispensável.

A liberdade que há no capitalismo é a do cão preso de dia e solto à noite.

A liberdade só existe quando todos os nossos actos concordam com todo o nosso pensamento.

A lógica é uma fidalguia: é preciso trazê-la bem, sem uma falha. Mas a lógica é uma fidalguia tão grande que nunca se consegue trazer bem.

A meditação sem objecto é a seta que se dispara sem que o arco a solte.

A mulher está muito perto da Natureza; há nela os mesmos encantos e os mesmos perigos.

A paixão é, de facto, passiva; na paixão há um domínio do amado sobre o amante. Ter a paixão da física significa que somos inferiores à física. Ter o amor da física significa que somos nós a criar a física. Apaixona-se o fraco, o forte cria. Quando se ama, inventa-se inteiro o objecto amado, e daí o espanto de muitas das mulheres que homens grandes amaram; porque me escolheu ele, porque reparou em mim, porque me quis tanto?

A perfeita cortesia é também uma forma de indiferença.

A pior coisa que pode suceder a alguém é possuir a Verdade. A melhor é sê-la.

A pluralidade e a maior ou menor exactidão das notícias, em grande parte contribuídas pelo desejo um pouco mórbido de correspondentes e de público de se referir ao que de mais trágico sucede no mundo, veio mostrar como na realidade, e se excluirmos três ou quatro pontos onde, se não pesquisarmos muito, uma certa luz existe, o resto do globo é uma espécie de selva onde campeiam à vontade miséria, fome, doença e, como mais terrível de todos os males, o desespero.

A política tem sido a arte de obter a paz por meio da injustiça.

A posse de ócio pressupõe uma perfeição de domínio sobre a natureza que se não poderá conseguir senão à custa do sacrifício de muitas gerações, como o ócio de Atenas se alcançou à custa do sacrifício dos escravos.

A psicologia é uma ciência pela qual tive sempre a maior das desconfianças porque sempre me pareceu uma detestável e condenável intervenção na vida alheia, uma quebra do que existe de mais sagrado, a intimidade espiritual de cada um.

A publicidade é uma fábrica de perfeitos fregueses, ávidos e estúpidos; a educação, que lhe é paralela, fabrica cidadãos servis e crentes.

A questão portuguesa não é de se falar ou não falar português. É de ser ou não ser à maneira portuguesa, que é ser variadíssimas coisas ao mesmo tempo, e por vezes coisas que parecem contraditórias, e é a possibilidade de tomar um tema e olhar de várias maneiras, conforme o temperamento da pessoa, a época em que viveram, a linguagem de que usavam, a maneira como se sentiam na vida.

A sociedade tem direitos sobre nós como seres sociais, não como homens.

A teologia está certa quando parece louca, louca a política quando parece certa.

A tradição mais profunda é a que vem da pré-história; noção alguma de propriedade; nenhuma instituição do sagrado; acordo sim, chefia não; de escola nem sinal.

A tua aproximação da liberdade passa pela tua solidão.

A única revolução definitiva é a de despojar-se cada um das propriedades que o limitam e acabarão por o destruir, propriedade de coisas, propriedade de gente, propriedade de si próprio.

A vida material é exactamente como o dinheiro, seu símbolo, que apenas é bom enquanto serve para que se não pense nele.

A vida, para a vida, é sempre longa; mas para a arte é sempre breve; só quando se não faz nada há sempre tempo.

Acreditar num Deus provado seria tão relevante como acreditar na tabuada.

Admirar a Natureza e não admirar a mulher que é a sua obra mais bela e não a admirar, querendo-a, em tudo que ela é, espírito e corpo, é ser um poeta que faltou, na sua alma, à amplitude do mundo.

Amar alguém ou alguma coisa é primacialmente instalá-lo num clima de plena liberdade, com todos os riscos que a liberdade comporta: desejar é limitar na liberdade; a nós e aos outros.

Amar é querer que seja nós e outrem o máximo de nós.

Ame sem poder e verá o que lhe acontece; verá como a vida se vinga; o melhor que lhe poderá suceder é casar. Mas isso é um mal elementar.

Apaixonar-se é passivo; amar activo; o perfeito está no que não é nem isto nem aquilo.

Aqui tem você um conselho que lhe poderá servir para a sua filosofia: não force nunca; seja paciente pescador neste rio do existir. Não force a arte, não force a vida, nem o amor, nem a morte. Deixe que tudo suceda como um fruto maduro que se abre e lança no solo as sementes fecundas. Que não haja em si, no anseio de viver, nenhum gesto que lhe perturbe a vida.

As faltas dos outros de ti vêm: de não seres os outros e de seres os outros.

Boa leitura é aquela que leia o que não há entre página e página da mesma folha.

Bom tempo mesmo aquele que imagino ter sido.

Cabe a cada um de nós não fazer o mesmo que outrem tem de fazer, mas sim o deixar feito o que nenhum outro fez, por muito que tal perturbe a ordem estabelecida. Somos cada um de nós poeta único (…) não aceitando, portanto, que tenhamos outro dever além de o sermos.

Cada homem que vem no mundo, por mais miserável que apareça, por mais desprezível que pareça, pode ser um deus disfarçado.

Cada um só vê do universo aquilo que a sua sensibilidade ou a sua maneira de ser lhe permite. O universo pode ser muito mais vasto e muito mais diferente do que aquilo que é apenas o nosso mundo.

Cede ao amor e deixa que os outros lhe chamem vontade.

Chamo liberdade à minha ignorância do destino; e destino ao meu ignorar da liberdade.

Com a verdade da minha vida me posso condecorar ou me condenar; sinal de que a vivo bem vivo.

Como criador é-se egoísta; sempre egoísta, o mais possível egoísta; talvez, de resto, o egoísmo seja aparente; talvez o artista, em vez de dar a um, se esteja reservando para dar a milhões.

Como nada entenderam do passado nada podem sonhar para o futuro.

Como tudo é possível, ousemos fazer rumo ao impossível.

Como vemos agonizar o capitalismo, veremos agonizar o socialismo ou o sistema que lhe suceda, afogado pela mediocridade: esta a luta real entre o herói, que sempre se arrisca a ser crucificado, e a maioria que tão facilmente se resigna à colmeia, com a sua comida assegurada, a sua temperatura constante, a sua perfeita disciplina, até com o sacrifício dos que fecundam no azul e morrem.

Considero-me uma pessoa que tenta ser o mais simples possível e deixar que a vida lhe traga os problemas que ele vai tentar resolver se puder, mais nada. Nunca me considerei coisa nenhuma senão como uma pessoa qualquer à qual a vida apresentou uma série de circunstâncias que ele tratou de uma certa maneira, que me parece a mim que deram resultado, mas que efectivamente pode parecer aos outros diferente.

Consiste o livre-arbítrio em voluntariamente cumprir o fado.

Consiste o progresso no regresso às origens: com a plena memória da viagem.

Contradizer-me me dá segurança de que atingi a verdade possível.

Crê com todo o teu ser; só assim terás atingido o máximo da dúvida.

Creio que o mundo em nada nos melhora, que nascemos estrelas de ímpar brilho, o que quer dizer, por um lado, que nada na vida vale o homem que somos, por outro lado, que homem algum pode substituir a outro homem.

De um modo geral, o filósofo só deve ter uma preocupação quanto a seu estilo: que ele seja tão exacto como uma página de matemática; o que não quer dizer facilmente compreensível e claro: porque nada há de menos compreensível para o não-iniciado de que uma página de exacta e compreensível matemática.

De uma maneira geral, todas as ideias que visam ao futuro são utópicas, ainda não estão realizadas em parte alguma, por isso são tanto mais activas quanto menos realizadas são.

Desocupação, eis o sinal do homem nosso contemporâneo; abandono, eis o sinal do mundo que nos rodeia. Um homem que espera pelo seu mundo, um mundo que espera pelo seu homem.

Detesta o cientista toda a contradição; o artista não a julga; o religioso a absorve no melhor do seu deus.

Deus é imanente e transcendente ao homem; o homem é imanente e transcendente a Deus.

Deus não se afirma nem se nega: Deus É, mesmo quando não é, numa plena manifestação da sua suprema liberdade.

Deve-se estar atento às ideias novas que vêm dos outros. Nunca julgar que aquilo em que se acredita é efectivamente a verdade. Fujo da verdade como tudo, porque acho que quem tem a verdade num bolso tem sempre uma inquisição do outro lado pronta para atacar alguém; então livro-me de toda a espécie de poder – isso sobretudo.

Do que precisa o adulto não é de que lhe talhem felicidade ou paz dando-lhe coisas de que ele talvez nem necessite; só precisa de poder escolher o seu destino; o que hoje plenamente lhe impede, excepto para almas de eleição, a obediência económica a outros homens que por aí mesmo se corrompem e corrompem.

É a bondade um supremo entender.

É a posse mais terrível de todas, a escravatura mais completa, aquela que uma obra exerce sobre o seu criador. (…) Se você for um criador não dará a felicidade nem a si nem aos que estão imediatamente à sua volta.

É ilusória toda a reforma do colectivo que se não apoie numa renovação individual; ameaça a ruína a todo o movimento que tornarem possível a ignorância e a ilusão.

É melhor aprender latim ou melhor aprender matemática? É melhor não ser estúpido.

É necessário que um dia todos os homens vejam que o desejo de chegar mais longe, a atenção à crítica, a calma ante o que fere, nada têm com a força e a fraqueza: são qualidades da alma.

É o grande perigo das pessoas que falam bem: são as serpentes de si próprias, saem dos cestinhos para ouvir a música deliciosa e o que podia ser uma manifestação esplêndida de humanidade transforma-se em espectáculo de rua.

É o insatisfeito, como era natural, que junta alguma coisa à realidade; desde que o homem se encontre bem na vida a força que o levava a criar, seja qual for o domínio, afrouxa e estaca.

É preciso estar sempre crítico diante daquilo que se vai admirar, o que é diferente do ser crítico daquilo que se ama. Diante o que se ama, não se deve ser crítico, deve-se deixar que o amor nos possua. Mas diante daquilo que se admira, muito cuidadinho – tem que se estar sempre com objecção pronta, a ver se podemos demolir aquilo que admiramos e que não serve afinal para nada.

Em geral, toma-se perante o que sucedeu não uma posição histórica, mas uma posição de absoluto; é à luz de uma metafísica ou de uma moral sobranceira ao tempo que se julgam os homens, os acontecimentos e as ideias.

Em todas as épocas da história a hora que se apresentou actual foi de indecisão e de escolha; em todas elas, para que alguma obra surgisse, foi necessário um projecto; o projecto parte do presente, só pode existir mesmo no presente, mas é uma condição de futuro; simplesmente, para que ele se realize, para que depois nele se baseiem outras organizações de ideias, é necessário um acto de vontade.

Entende-se o medíocre; não se entende, porém, que quem se ama nele mergulhe.

Entre as palavras e as ideias detesto esta: tolerância. É uma palavra das sociedades morais em face da imoralidade que utilizam. É uma ideia de desdém; parecendo celeste, é diabólica; é um revestimento de desprezo, com a agravante de muita gente que o enverga ficar com a convicção de que anda vestida de raios de sol.

Entre um homem e outro homem há barreiras que nunca se transpõem. Só sabemos, seguramente, de uma amizade ou de um amor: o que temos pelos outros. De que os outros nos amem nunca poderemos estar certos. E é por isso talvez que a grande amizade e o grande amor são aqueles que dão sem pedir, que fazem e não esperam ser feitos; que são sempre voz activa, não passiva.

Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros nos enriquece a nós. Leia.

Estarás certo mesmo quando fores a uns suspeito de seres os outros.

Eu acho que, para toda a gente, o que é necessário haver num país é os três S: S número um, sustento; S número dois, saber; S número três, saúde. Só a seguir ao sustento é que vem o saber. E perguntar às pessoas «o que é que querem aprender?» e eu digo isto para grandes e para pequenos.

Eu não voto por rótulos. (…) Eu não quero saber das campanhas eleitorais para nada. Eu quero saber das ideias que as pessoas têm e da maneira como depois as vão defender e praticar.

Eu procuro o mais possível ser como o gato, um gato bem manso de maneira que a vida venha, me pegue pelo cachaço e me leve onde isso for conveniente para a vida.

Exige-se, para o perfeito amor, que o amado ame o amante; que este ame, em si próprio, o amante que ama o amado e que o amado ama, o mesmo tendo de haver no correspondente. Que os amantes amem nos amados os amantes que a eles os amam. Ou, mais simples: que o amor se ame.

Existir-se é fundamentalmente amar.

Fala-se muito contra o analfabetismo e ele é porventura um grande mal; mas não se repara em que há outros analfabetismos ainda mais graves: o de um especialista de determinada matéria que nada conhece do que os outros estudam ou o dos que vão morrer inconscientes do espectáculo em que Deus os jogou.

Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos: aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do mundo físico e do mundo do proceder e toda a experiência que vamos fazendo, negativa mesmo para todos, a podermos transformar em positiva.

Filosofia é provocação e dúvida: jamais certeza e ensino. Platão se perdeu quando fundou a Academia. Virou dono da verdade e aprendiz de tirano.

Gaguejo porque entendo; só quem não sabe fala escorreito.

Há hoje quem esteja plenamente convencido de que nasceu mais engenheiro do que homem; como se já estivéssemos naquele tempo de pesadelo em que se fabricariam homens-máquinas de servir máquinas de servir homens-máquinas.

Há muito quem confunda tabuada com matemática.

Hipócrita quer dizer actor; por fraqueza faço de homem quando, fora do palco, seria Deus.

Homem com ócio tende a fazer o que não lhe aproveita nem a ele nem aos outros.

Imortais somos porque o tempo é consubstancial do eterno.

Lembrai-vos de viver antes de quererdes saber o para quê; e verificareis que, tendo vivido, a pergunta deixa de ter sobre vós o seu peso terrível.

Lerás bem quando leres o que não existe entre uma página e outra da mesma folha.

Liberdade só se pode perder por um acto supremo de liberdade: o da renúncia.

Mais custa quebrar rocha do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se encontra nos meios a empregar.

Mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não seus.

Mal vai, quando em todo o lugar surgem certezas; é o noivado com a morte.

Morre menos gente de cancro ou de coração do que de não saber para que vive; e a velhice, no sentido de caducidade, de que tantos se vão, tem por origem exactamente isto: o cansaço de se não saber para que se está a viver.

Muito do que escrevo pode parecer profundo por ser atrapalhado.

Muito me reprovo e o aprovo tanto quanto outrora aprovei o que hoje me reprovo.

Muito problema se tenta resolver por meio da política: a chave, no entanto, a tem a santidade.

Muitos dos êxitos que tive foram devidos aos defeitos que tenho.

Nada conseguiste pensar de válido se, ao fim de pensares, te não convenceste de que pouco pensas.

Nada peças nem perguntes, inventa o mundo.

Não creio que a coisa melhor do homem seja ser normal, como não me parece ser a fruta melhor do mundo a normalidade que agora Portugal está importando, ou a CEE (enquanto existe CEE, claro) vai obrigar a importar.

Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre.

Não é amar as raparigas tratá-las como seres que não entendem senão as suas lisonjas e as suas anedotas; só as amará e só elas o poderão amar a você, para além das enganadoras aparências, quando a sua alma se lhes abrir, e com todos os seus problemas, todas as suas angústias, toda a sua seriedade, toda a sua gravidade humana.

Não foram homens esmagados de trabalho que compuseram música ou poesia, conceberam e executaram pintura e escultura, ou, num domínio que mais interessa para solução do problema, fantasiaram a ciência que depois, transformada em técnica, contribuiria para progressivamente ir libertando o escravo.

Não há fim supremo para o homem que não seja o de se ver, se ainda se vê, absorvido pelo Deus que o habita.

Não há homem algum que não possa ser elogiado; às vezes os assassinos têm pontaria excelente; e não existe homem algum que não possa ser censurado; houve santos que não tomavam banho.

Não há homens perfeitos; há, quando muito, homens que querem ser perfeitos.

Não há liberdade minha se os outros a não têm.

Não haverá movimento nenhum definitivo para a Humanidade enquanto esse movimento novo aparecer como inovador, enquanto o que pretende ser revolução final, se apresentar como revolucionária.

Não julgues que pensas melhor que todos os que te precederam: o mais provável é que penses pior; principalmente quando tudo te parece mais certo.

Não me considero autor de coisa nenhuma por mim próprio.

Não me importa nada que me critiquem. Exactamente como não me importa nada quando me elogiam. Tanto me faz que uma pessoa me elogie como me censure – eu considero aquilo como uma opinião pessoal e não comparo com coisa nenhuma porque eu próprio não tenho opinião pessoal a meu respeito. Não me sinto nem herói, nem criminoso, sinto que vivo, sinto que sou.

Não me interessa ser original: interessa-me ser verdadeiro.

Não são as opiniões individuais, mas as opiniões de grupo, o que realmente separa o homem do homem; arregimentados, nos perderemos no melhor que temos: o ser irmão do mundo.

Não se pode pensar em virtude sem se pensar num estado e num impulso contrários aos de virtude e num persistente esforço da vontade. Para me desenhar um homem virtuoso tenho que dar relevo principal ao que nele é voluntário.

Não seja servil: não tenha servos.

Não sou um optimista. O que sou é determinado naquilo em que me apetece ser determinado, e continuo convicto até entender que a convicção estava errada e tenho que mudar. Mas isso não tem acontecido muito.

Não te deixes derrubar pela insignificância dos pequenos movimentos e serás homem para os grandes; se jamais te faltar a coragem para afrontar os dias em que nada se passa, poderás sem receio esperar os tempos em que o mundo se vira.

Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de a confundir com a vingança. A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do amor.

Não te satisfaças com o programa de um partido: inventa melhor.

Naquilo em que estou menos satisfeito só de mim me queixo.

Nem paz nem felicidade se recebem dos outros nem aos outros se dão. Está-se aqui tão sozinho como no nascer e no morrer.

Nem um momento ocioso, sempre, porém, com tempo livre.

Nenhum de nós poderá, num momento qualquer, garantir que a sua doutrina seja a que encerre a verdade; os desmentidos surgem a cada passo, as incertezas vão sendo mais fortes è medida que se penetra com maior informação e mais atenta inteligência no mundo que nos cerca.

Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam ou sequer lhe reconheçam o que faz; no fim de contas era ele quem devia agradecer pela ocasião que lhe ofereceram os outros homens de pôr em jogo as suas qualidades e de eliminar, se puder, os seus defeitos.

Nenhuma das grandes religiões se estabeleceu jamais por meio da intelectualidade. A ela acodem sempre mais tarde os intelectuais, não em busca de mais intelectualidade, mas na esperança de encontrar aquele caminho de vida e aquela ressurreição que os seus sistemas puramente filosóficos lhes não podem dar.

Nenhuma ideia de cada um de nós é realizável para todos. Somos todos diferentes. Cada um é um, de que não há igual entre os outros biliões de homens. Bem que nefasto seria se todas as ideias do mundo devessem ser para uso do próprio. (…) O ideal seria que cada pessoa pudesse viver a sua própria vida, da sua própria maneira, sem interceptar nada na vida dos outros. Nem modificar nada na vida dos outros, a não ser por aquilo que quisesse aceitar em virtude do próprio temperamento.

Nenhuma vida tem qualquer significado ou qualquer valor se não for uma contínua batalha contra o que nos afasta da perfeição que é o nosso único dever.

Ninguém reprovará o seu irmão por ele ser o que é; mas com paciência e persistência, com inteligência e com amor, procurará levá-lo ao nível mais alto.

No mundo só fantasia existe: está comigo decidir se ela é o tudo ou o nada, já que me não pode socorrer o exterior, tão interior como eu ou eu tão exterior como ele, os dois afinal num mundo em que também é a fantasia a distinção entre um e outro.

No partido, a intensa opinião fragmenta-se e apuramos aquilo em que diferimos dos outros homens, não aquilo em que lhes somos irmãos; guiamo-nos por um ser geral que nos supera e por ele nos substituímos; vive em nós a tribo, muito mais do que a Humanidade.

No seu ponto mais alto, a filosofia é uma criação perfeitamente similar à criação artística ou religiosa ou amorosa; quem não tem nervos de artista, força de imaginação e quem não tem ao seu dispor uma vida rica pode ser professor de Filosofia, mas duvido que chegue alguma vez aos planos em que vale realmente a pena ser filósofo.

Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre a ideia, embora vaga, de que se está representando e que o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro modo não aplaude o público.

Nunca vemos fenómenos puros; todo o fenómeno que nós observamos e que descrevemos para os amigos, excepto quando é matemática pura, nunca é um fenómeno. É uma autobiografia nossa, é uma confissão daquilo que nós somos e que vemos tal coisa desta ou daquela maneira, diferente de outros.

O bom historiador escreve do passado, criticando o presente e projectando o futuro. Toda a história que vale é do futuro.

O caos é impensável, já que a mistura é uma ordem e não há para o espírito do homem, ou no espírito do homem, nada que não seja relação. O que acontece é que chamamos desordem à ordem que nos não agrada, ao conjunto de relações em que não entendemos ou não aceitamos a relação connosco.

O criador é uma espécie de monstro em que há o homem e o outro; quem desanima, quem se abate, quem chora é o homem: o outro, se é grande, até os desesperos utiliza. O essencial é que nunca o homem traia o artista, que a troco de uma felicidade que tanta gente tem se perca a obra que ninguém mais poderia realizar.

O destino é muito curioso das liberdades que se tomam.

O divino deve ser adorado em toda a sua plenitude sem ser restrito a personagens que convêm a um momento ou a uma circunstância.

O drama da Igreja e do mundo de hoje é que pouca gente, dentro dela e dele, vai menos por uma metafísica da Providência do que por uma física, uma física muito pragmática, da Previdência.

O essencial é que não procure o pensador ser elegante; se o for, que venha a elegância da própria estrutura do pensar e da própria clareza meridiana das ideias a que lhe coube chegar.

O essencial na vida não é convencer ninguém, nem talvez isso seja possível; o que é preciso é que eles sejam nossos amigos; para tal, seremos nós amigos deles; que forças hão-de trabalhar o mundo se pusermos de parte a amizade?

O falar do concreto pode ser outra forma de retórica.

O futuro deve ser de tal maneira que nenhuma criança ao nascer se sinta torpedeada pela vida de maneira que julga que tem que desistir de ser para existir apenas como aquilo que a vida obriga a ser.

O futuro não é mais que provável porquanto o pensamento não só relaciona, mas cria.

O grande defeito dos intelectuais portugueses tem sido sempre o só lidarem com intelectuais. Vão para o povo. Vejam o povo. Vejam como eles reflectem, como ele entende a vida, como eles gostariam que a vida fosse para eles.

O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.

O homem olímpico não ignora o seu contrário, não foge à sua dor: utiliza-a como a um instrumento de perfeição.

O homem tem preguiça, em geral, de pensar todo o pensável e contenta-se com fragmentos de ideias, recusa-se a uma coerência absoluta. Não leva até ao fim o esforço de entender. E, exactamente porque não o faz, toma, em relação à sua capacidade de inteligência, uma absurda posição de orgulho. Compara o pouco que entendeu com o menos que outros entenderam, jamais com o muito que os mais raros puderam perceber.

O ideal da vida deve ser acima de tudo a serenidade.

O mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso.

O mal terrível que está a roer tudo e que poderá tornar toda a necessária transformação económica um mal ainda mais grave, se ela não for acompanhada de uma renovação religiosa, é que a vida se tornou inteiramente laica e, por consequência, inteiramente monótona: nenhuma hora se distingue de outra hora por um rito ou uma cerimónia especial.

O melhor será que não pertençamos a partido algum, porque a política não é uma essência de ser, como a religião, a ciência ou a arte, nas quais todos deveríamos estar: é uma pura fatalidade histórica, como a economia, ou a administração, como também a medicina ou a engenharia.

O mestre é o homem que não manda; aconselha e canaliza, apazigua e abranda; não é a palavra que incendeia, é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da tempestade; não o interessa vencer, nem ficar em boa posição; tornar alguém melhor — eis todo o seu programa.

O mundo acaba sempre por fazer o que sonharam os poetas.

O paradoxo fundamental do universo, aquele que inclui as galáxias e as antigaláxias, ser ele pensamento que a si próprio se pensa; para provar mais: que não tem sujeito pensador.

O passado que vale está nos livros e nas oficinas. Além de tudo, poucos serão os mestres que se não poderiam substituir por discos ou papagaios; e esses ensinam pelo viver, pelo escrever, pelo trabalho em seus laboratórios.

O pensador é bom na medida em que a audácia das suas explorações o leva a cada passo à beira da heterodoxia.

O pensador lança-se à tarefa de desembaraçar o enrolado novelo que o mundo lhe apresenta, mostrando como todo o fio não é mais do que a ligação entre dois extremos, o da eternidade e o do tempo, o da substância e o do acidente, o de Deus e o do homem. E neste trabalho de desenrolar o novelo se lhe vai a vida.

O Pensamento se move sem mudar de lugar.

O prémio ao malvado e o castigo ao bom servem para lembrar que nem um nem outro devem ser motivo de procedimento.

O presente é o futuro tentando ser; assim o meio e o fim.

O problema dos políticos é o de mudarem o governo: o meu é o de mudar o Estado. Contam eles com o voto ou a revolução. Conto eu com o curso da História e a minha vocação e o meu esforço de estar para além dela.

O professor deve sempre aparecer ao seu discípulo como uma pessoa de cultura perfeita; por cultura perfeita entenderemos tudo o que pode contribuir para lhe dar uma base moral inabalável, sem subserviências nem compromissos.

O que a vida apresenta de pior não é a violenta catástrofe, mas a monotonia dos momentos semelhantes; numa ou se morre ou se vence, na outra verás que o maior número nem venceu nem morreu: flutua sem norte e sem esperança.

O que é verdadeiramente tradicional é a invenção do futuro.

O que impede de saber não são nem o tempo nem a inteligência, mas somente a falta de curiosidade.

O que interessa na vida não é prever os perigos das viagens; é tê-las feito.

O que não se adquire pelo sofrimento para nada vale na ordem mais profunda das coisas.

O que nos interessa sobretudo na História seria dar conteúdo actual, ou melhor, conteúdo eterno ao que acaba por aparecer como um empoeirado, como um arqueológico episódio do passado.

O que se quer existe – só que está coberto: Por isso se chama à busca feita pelos Portugueses Descobrimentos.

O que se tem que dizer é que a pessoa nasce em determinadas circunstâncias, sem se dizer se elas são boas a olho. É um defeito muito grande que nós temos, aquele de dizer que tal pessoa tem tais qualidades e tem tais falhas, tais defeitos. O que se tem que dizer de qualquer pessoa, ou de qualquer situação no mundo, é que tem determinadas características. Porque muitas vezes o que nós verificamos é que são os defeitos que fazem as boas obras, e as qualidades aquelas que muitas vezes as abatem.

O sacrifício é para muitos uma despesa reembolsável, uma colocação sobre o futuro; estão dispostos a fazê-lo valer, não só no momento em que ainda imperam as circunstâncias que os levaram ao acto cometido, mas sobretudo quando a escala se inverter e o crime se transformar em glória.

O sofrimento ainda pode servir para alguma coisa, desde que o tomemos sobre nós com o espírito de amor que o torna fecundo; mas fazer sofrer deixa na história um rasto de satanismo que dificilmente poderemos apagar.

O teu espírito só poderia melhorar se tivesses diante de ti homens livres cujas resistências vencerias pela única arma da inteligência ou que te levariam a modificar as tuas opiniões, a alcançar porventura uma visão mais nobre e mais vasta da vida universal; a inteligência tem de incluir aquilo que não consegue eliminar.

O trabalho não é virtude, nem honra; antes veria nele necessidade e condenação; é, como se sabe, consequência do pecado original.

O triunfo da tua virtude sobre as faltas dos outros os envergonharia; esconde, pois, a luz.

Os casos excepcionais são todos os que há no mundo. Cada um de nós, como homem, é inteiramente excepcional. Não há ninguém igual a cada um de nós em todos os biliões de homens que existem, nem fisicamente nem psicologicamente. Tudo é excepção. E todas as coisas que existem no mundo deviam ser excepções aplicadas a esses seres excepcionais. Simplesmente, as condições da sociedade em que vivemos obrigam todos nós a, lentamente, nos irmos parecendo uns com os outros.

Os defeitos de que te acusas são o reverso das qualidades de que te orgulhas.

Os economistas tinham sobretudo a obrigação de não nos andarem a calcular inflacções e a taxa de juro e essas coisas, mas dizerem de que maneira é que nós podemos fazer avançar a gratuitidade da vida.

Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence.

Os políticos, em lugar de se ajudarem entre si e uns aos outros nesta tarefa difícil que é administrarem um país, em que se tem ao mesmo tempo que olhar o presente com todo o cuidado objectivo, e ter a maior confiança no que se pode concretizar de futuro, em lugar de os políticos se ajudarem uns aos outros, se auxiliarem, a realmente levar essa tarefa por diante, tantas vezes se entretêm, em todos os países, a lutar uns com os outros, a desacreditarem-se uns aos outros, como se isso pudesse fazer avançar seja o que for.

Os portugueses sempre adoraram o concreto, entendem o abstracto, mas procuram traduzir imediatamente em concreto.

Para o filósofo não há nunca os cegos que não querem ver, há sempre os cegos que não podem ver.

Para o que ama a Verdade não há descanso nem termo, porque a vê no próprio caminhar, a surpreende no esforço contínuo da marcha; o amor da Verdade não é um desejo de chegar, mas o anseio de superar. Não me importa o resultado, mas o método.

Para que ame alguém a Humanidade, se sinta disposto a guiar os mais pequenos no caminho do futuro e não duvide da eficácia do esforço, é sobretudo preciso que possua a longa perspectiva que só dá o conhecimento das grandes realizações humanas em todos os domínios.

Para que suceda o que vejo futuro, não preciso nada de convencer ninguém; virá, quer o queiram quer não, porquanto já existe.

Para quem não é imbecil o êxito constitui um grande risco.

Partido é uma parte: sê inteiro.

Pensar não tem mais transcendência em si próprio do que arrumar uma casa: trata-se de pôr em ordem, de organizar um meio em que nos possamos mover, o que não significa que o queiramos fixo para sempre, como nenhuma dona de casa supõe que a limpeza se fará para todo o sempre.

Penso, como ser pensante, que nada existe senão o pensamento, o qual me pensa como ser pensante.

Perante o que já avançaram ciência e técnica e, em cada um, o ideal de humanidade, são o capitalismo e o socialismo duas formas idênticas e por isso concorrentes de estupidez.

Poderia perguntar-se se é realmente a felicidade o valor máximo que a Humanidade procura e se não é a felicidade apenas um instrumento de alguma coisa mais fundamental do que ela.

Poderia talvez ver-se a inteligência como um dos instintos do homem. Outro, possivelmente, o de não entender; utilíssimo: livra de muito.

Podes, e deves, ter ideias políticas, mas, por favor, as «tuas» ideias políticas, não as ideias do teu partido; o «teu» comportamento, não o comportamento dos teus líderes; os interesses de «toda» a Humanidade, não os interesses de uma «parte» dela. E lembra-te de que «parte» é a etimologia de «partido».

Poeta é todo aquele que cria.

Por falta de vontade me apaixono; e assim me cumpro.

Por muito cuidado que se tenha, educar é podar; deixar crescer com toda a força o ramo que nos agrada.

Por um lado, o artista furta o seu tema ao tempo, tornando-o acessível a todos em todos os momentos, por outro lado, salva-o ainda da corrente do tempo, na medida em que faz convergir num só instante o que foi beleza em instantes sucessivos.

Porquê tolerar? Parece-me ainda pior do que perseguir. No perseguir há um reconhecimento do valor.

Posso mudar se me penso mudado.

Procura considerares-te inexistente e assim, ao contrário do que pensava Nietzsche, nunca serás, com teu interesse e serviço dos outros, um desprezador tirano de ti próprio. Procura realizar-te nos outros, em todos os outros, e só assim serás totalmente vário, como deves, em honra do Espírito que em ti habita.

Procura, diante dos acontecimentos ter as tuas reacções, não as dos outros.

Provavelmente todos nós nascemos com igual possibilidade de criar, só que muitas vezes não acertamos no campo em que poderíamos triunfar, ou a vida de uns põe em condições que não permitem de nenhuma maneira que a nossa poesia se afirme.

Quando entrares na violência vai até o fim; se não aguentas, não entres.

Quando julgo alguém apenas o defino em relação a mim, em sua semelhança ou sua diferença.

Quando se é amigo de uma pessoa que está na política, é para a ajudar, não para ser oposição. Porque a mania da política hoje é ser da oposição. Para mim, a verdadeira política não é essa, a verdadeira política é a da composição: ver o que é aproveitável no outro e o que parece ser aproveitável em nós e tentarmos então que essas duas coisas vão para a frente juntas, não é assim?

Quando um modelo de vida lhe parecer bem, siga-o, mas, por favor, não queira que os outros também o sigam; o pregador é intolerável.

Quanto trabalho me daria ser rico.

Que a imaginação te engorde e a matemática te emagreça.

Que não haja restrição a Amor algum; mas que o Amor restrinja.

Que o querer tenha sua origem e seu apoio em coração aberto à nobreza, à beleza e à justiça; de outro modo é apenas gume fino e duro de faca; por isso mesmo frágil, na sua aparente penetração e resistência. Vontade inteligente, e não manhosa, altruísta, e não virada ao sujeito, pedagógica, e não sedenta de domínio; a esta pertencem os séculos por vir: é a voz a que surgem; a outra estabelece os muros que ainda tentam defender o passado.

Quem fala de Amor não ama verdadeiramente: talvez deseje, talvez possua, talvez esteja realizando uma óptima obra literária, mas realmente não ama; só a conquista do vulgar é pelo vulgar apregoado aos quatro ventos; quando se ama, em silêncio se ama.

Quem insiste sobre o lado intelectual das religiões esquece-se de que só eleva e só é religiosa no sentido mais profundo da palavra aquela discussão ou disquisição de ideias que assenta sobre uma prévia aceitação.

Quem inveja vida boa de gato esquece que, se o fosse e a tivesse, jamais o saberia.

Quem se adivinha senhor de si melhor resistirá sem violência a tudo o que inventou a real fraqueza do contrário; vê-se num mundo superior; e só tem que se guardar dos perigos da altivez e do desprezo.

Quem tem a consciência de que é alto e o afirma a si próprio e aos outros com orgulho, efectivamente não o é, porque nem sabe o que é ser alto; que noção poderá ter de altura o que só olha para baixo?

Remédio é para o acidente, não para a essência.

Resumindo, diria pensar que a natureza humana, mais do que boa, é excelente; que a sociedade, e nela a educação, ajudando o homem a sobreviver, o tem limitado, e muito, no melhor, que é o seu ser livre.

São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de não se conformarem.

Se alguma vez te tornares conhecido, arrepende-te e volta à obscuridade; nela serás irmão dos melhores.

Se as pessoas me procuram não é por eu ser um génio coisa nenhuma. Sou uma pessoa inteiramente normal. É por de repente verem do lado de fora dito aquilo que elas pensaram sempre do lado de dentro, e, por exemplo, os tais processos de educação aprenderam a reprimir.

Se dizes «tens de ser livre» me prendes ao contrário.

Se és de uma religião, cumpre-a, tendo simultaneamente a certeza de que tudo aquilo é nada.

Se estás disposto a nunca usar da violência, e sempre resistindo, torna-te forte de corpo e de alma; é a mais difícil de todas as atitudes.

Se fazes és; se não fazes serias.

Sê fiel a todos pois todos são tu.

Se fosse possível explicar-te tudo não precisarias de perceber nada.

Se me julgas te julgas por julgares.

Se não apontares ao impossível te sairá baixo o tiro ao possível.

Se os comunistas fossem religiosos seriam frades; se os frades fossem políticos seriam comunistas.

Se pões sujeito ao pensar à parte o pões de pensar.

Se queres ser imparcial, não existas; se queres ser objectivo, existe mesmo; descobrirás talvez que a diferença é nenhuma.

Se te não decidires a resolver tudo acabarás por não resolver nada.

Se tiveres problemas com alguém nada mais precisas, para os resolver, do que lhe dar amor e liberdade.

Ser bem trajado no escrever é de certo modo um hábito social; uma condição de promoção social; mas a quem não tem como suprema ambição a de ser promovido lhe bastará ser limpo.

Ser companheiro vale mais do que ser chefe. É preciso que os homens à sua volta nunca tenham nenhuma angústia, não sofram nunca por o sentirem a você superior a eles; a sua superioridade, se existir, deve ser um bálsamo nas feridas, deve consolá-los, aliviar-lhes as dores. A sua grandeza, querido Amigo, deve servir para os tornar grandes, no que lhes é possível, não para os humilhar, para os lançar no desespero, no rancor, na inveja.

Ser intransigente com os outros não tem grande sentido; eles são o que podem ser e creio bem que seriam melhores se o pudessem; a Natureza ou o meio lhes tiraram as condições que os levariam mais alto; não os devo olhar senão com uma íntima piedade.

Ser mestre não é de modo algum um emprego e a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.

Ser verdadeiramente livre seria Deus porquanto nenhuma determinação poderia provir senão dele próprio.

Ser-se anti-especialista nada vale quando o que o for se deixa esmagar pelo que sabe e reparte a sua actividade pelos diversos campos, a cada passo um homem diferente.

Seria preciso não viver para negar que o mundo seja mau; mas é nessa mesma maldade que devemos procurar o apoio em que nos firmarmos para sermos nós próprios melhores e, como tal, melhorarmos os outros.

Só existe governo exterior a nós porque temos preguiça de nos governarmos a nós mesmos.

Só falando preservas o silêncio.

Só há espaço quando se vê e só há tempo quando se pensa.

Só pensar não é uma ilusão; logo, porém, se lhe procuro o sujeito me entro em ilusório.

Só persistindo no avanço terás a certeza de que te não deslocaste.

Só podes ser tu se fores de tudo ou de nada.

Só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação.

Só serei eu se for tudo o outro; as instituições mo impedem.

Só vale a pena discutir com as pessoas com as quais já estamos de acordo quanto aos pontos fundamentais; só aí se mantém, na pesquisa, a fraternidade essencial; tudo o resto é concorrência, batalha, luta pelo triunfo; não menos reais por serem disfarçados.

Só veneramos uma justiça que eleve o homem e seja a condensação de interesse benévolo que os outros homens têm por ele; só é justa a lei que lhe dá a possibilidade de se tornar melhor.

Somente como poeta, isto é, criador, na arte, na ciência, na técnica, na acção e na contemplação, será o homem verdadeiramente à imagem e semelhança do Divino: centelha em nós do pensamento eterno.

Somos, ao contrário do que é hábito dizer-se, não uma sociedade de consumo, visada ao consumidor, mas uma sociedade de produção, virada ao produtor e seus interesses.

Sou especialista da curiosidade não especializada.

Sou um homem modesto: não procuro, para as seguir, as opiniões dos grandes homens: bastam-me as minhas.

Talvez a maravilha do homem seja a de que seus sentidos lhe fazem tomar como real o que sua mente imagina. Chamo sua mente à mente do homem que é o conjunto dos homens.

Talvez mesmo todas as filosofias dos homens nada mais sejam do que expressão do horror pelo martírio, do que uma fraqueza inconfessada perante o duro existir, do que uma ilusão a que, para conseguirem viver, dão o nome de certeza.

Talvez não tenha cada um a sua mundividência: mais certo seria dizer-se que tem a sua mundinvenção, e que só essa é real.

Talvez o maior amor seja o dos místicos porque esse tem consigo a suprema qualidade de nunca ser plenamente realizável.

Tão amigo sou dele que até meu amigo se tornou.

Tem o mundo direito e tem avesso; a Verdade é o que está no meio.

Temos que levar gente, não a uma vida cómoda, a uma vida fácil, mas temos que ter a coragem de levá-la a uma vida difícil, a uma vida perigosa, pois só com uma vida difícil, rigorosa e perigosa, dá o homem o melhor de si próprio.

Temos, sobretudo, de aprender duas coisas: aprender o extraordinário que é o mundo e aprender a ser bastante largo por dentro, para o mundo todo poder entrar.

Tenho sido muito vítima do destino dos outros; ou instrumento, do que não me arrependo; outros, para o mesmo fim, poderiam ter sido muito piores.

Toda a grande obra supõe um sacrifício; e no próprio sacrifício se encontra a mais bela e a mais valiosa das recompensas.

Toda a propriedade se apropria do proprietário.

Toda a prova da existência de Deus o rebaixa a nosso próprio nível.

Toda a vida bem vivida, harmoniosamente vivida, vivida sem faltas, sem manchas, com felicidade, com serenidade, é uma vida medíocre. Tudo o que passe do medíocre tem em si o excesso e o erro.

Toda a vida quotidiana, toda a vida material, um dia deve ser inteiramente grátis. (…) O que ainda o menino imperador tem que fazer é abrir as cadeias, soltar todos os presos, e ter a certeza de que daí por diante, sendo o menino livre e sendo a vida gratuita, nunca mais se poderá contar, e ter medo, dessa figura terrível que não conseguem arredar, que é a figura do crime.

Todas as nossas escolas são escolas de guerra, pelo recrutamento, porque só queremos os mais aptos ou aqueles que julgamos mais aptos, pela disciplina do curso e do comportamento, e pelo nosso objectivo de, no final dos estudos, os repartirmos por armas.

Todo o concreto vem de imaginar.

Todo o esforço de manter a personalidade impede o vir a tê-la.

Todo o fim é contemporâneo de todo o princípio; só a nossos olhos vem depois.

Todo o homem é diferente de mim e único no Universo; não sou eu, por conseguinte, quem tem de reflectir por ele, não sou eu quem sabe o que é melhor para ele, não sou quem tem de lhe traçar o caminho; com ele só tenho o direito, que é ao mesmo tempo um dever: o de ajudar a ser ele próprio; como o dever essencial que tenho comigo é o de ser o que sou, por muito incómodo que tal seja, e tem sido, para mim mesmo e para os outros.

Todo o progresso tem como meta a entropia.

Tu podes, com certeza, conviver com os outros, mas nunca seres os outros. Eles podem ser muito bons, mas tu és sempre melhor porque és diferente e o único com as tuas características.

Tua inteligência te cumpre o fado; e pelo fado, se quiseres, te escapas à tua inteligência.

Tudo o que é interessante na vida deve ser sempre por opção. Não haver nada obrigado definido, porque é muito engraçado nós termos até o divertimento por obrigatório.

Tudo o que os outros me elogiam foi o fácil; foi o complicado e o misterioso tudo o que eles ignoram ou censuram.

Tudo vence uma vontade obstinada, todos os obstáculos abate o homem que integrou na sua vida o fim a atingir e que está disposto a todos os sacrifícios para cumprir a missão que a si próprio se impôs.

Um dia nada será de ninguém, pois todos acharão, por criadores, que têm tudo.

Um grande poeta não é uma construção de acaso, feita de blocos discordantes; a missão do crítico não está em inventar falhas que não existem, mas em encontrar o nexo íntimo, a espiritual cadeia de vértebras que liga e sustenta todas as fases, todas as produções da sua vida. Depois, é sempre de bom conselho verificar se as manchas da preparação se não encontram nas lentes do microscópio.

Um mundo arrumado é apenas o palco para o grande espectáculo, de que até hoje tivemos apenas um ou outro raro exemplo, da plena criação em todos os domínios, arte, ciência, filosofia, porventura vida também.

Um político não veio ao mundo para se satisfazer a si próprio: veio para se modelar, veio para se libertar do que lhe era inferior, e não representa num determinado campo senão o que devia ser feito por todos os homens, qualquer que seja a sua especialidade.

Uma aventura vale na medida em que é perigosa.

Uma boa definição de homem, para além de suas limitações físicas, seria a de que é um ser de embrionária liberdade, cujo dever, cujo destino e cuja justificação é o da liberdade plena; plena para ele, plena para os outros, plena para os animais, plena para ervas, plena talvez até para seixo e montanha.

Uma lista dos defeitos dos portugueses devia levar o político inteligente a elaborar projecto de sociedade em que eles passassem apenas a ser características, ou quem sabe se qualidades.

Uma pessoa fixada no presente, sem atender ao passado e ao futuro, fica naquela situação triste em que ficaram os gregos que nunca se livraram da presença do tempo e do espaço.

Vai sendo o que sejas até seres o que és, que é Deus sendo; e, cuidado, não te percas enquanto vais sendo.

Viver interessa mais que ter vivido; e a vida só é vida real quando sentimos fora de nós alguma coisa de diferente.

Citações de Armando Nogueira

A bola é uma flor que nasce nos pés de Zico, com cheiro de gol.

A tabelinha de Pelé e Tostão confirma a existência de Deus.

Anúncio: troco dois pés em bom estado de conservação por um par de asas bem voadas.

Até a bola do jogo pedia autógrafo a Pelé.

Botafogo é bem mais que um clube. É uma predestinação celestial.

Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Copiar o bom é melhor que inventar o ruim.

Criticar sem ofender e elogiar sem bajular.

É sempre melhor ser optimista do que ser pessimista. Até que tudo dê errado, o optimista sofreu menos.

Gol de letra é injúria; gol contra é incesto; gol de bico é estupro.

Heróis são reféns da glória. Vivem sufocados pela tirania do alto desempenho.

No futebol, matar a bola é um ato de amor. Se a bola não quica, mau-caráter indica.

O árbitro é o próprio burocrata do Apocalipse.

O suor na pele do atleta são lágrimas que o corpo chora na alegria do esforço.

O torcedor é antes de tudo, paixão. É chama sagrada. Queima e ilumina o coração do homem.

Os cartolas pecam por ação, omissão ou comissão.

Para Mané Garrincha, a superfície de um lenço era um latifundio.

Reveja sempre o seu texto. Verás que há sempre o que mudar. Não tenha vergonha de usar o dicionário, quando aparecer uma dúvida.

Se Pelé não tivesse nascido homem, teria nascido bola.

Tu, em campo, parecias tantos, e no entanto, que encanto! Eras um só, Nílton Santos.

Você pode elogiar sem bajular e criticar sem ofender.

Citações de Abílio Guerra Junqueiro

A alegria é o sofrimento amoroso, o sofrimento espiritualizado.

A dor é a escada de fogo que nos conduz à vida eterna.

A dor eleva, a dor exalta, a dor diviniza.

A escola é a única alavanca capaz de elevar o povo ao nível da moral.

A felicidade consiste em três pontos: trabalho, paz e saúde.

A humanidade é a vitória dos arrogantes sobre os humildes, dos fortes sobre os débeis, da besta sobre o anjo.

A obra dos homens é a porção de Deus que derramaram.

A verdade não conhece perífrases; a justiça não admite reticências.

A vida é um calvário. Sobe-se ao amor pela dor, à redenção pelo sofrimento.

Na alma da maioria dos homens grunhe ainda, baixo e voraz, o focinho do porco.

Nas almas medíocres e superficiais actua sobretudo a realidade transitória das linhas e dos sons, das formas e das cores. As naturezas elevadas, ao contrário, são sempre objectivas e metafísicas.

O filósofo observa e medita. É um espelho que pensa.

O homem é um resumo ideal da natureza. Andou o infinito e lembra-se; andará o infinito e já o sonha.

O problema da morte é, no fundo, o problema da vida.

O progresso marca-o a distância do salto do tigre, que é de dez metros, ao curso da bala, que é de vinte quilómetros. A fera, a dez passos, perturba-nos; o homem é a fera dilatada.

O sorriso que ofereceres, a ti voltará outra vez.

Quando a alma, ao termo de mil hesitações e desenganos, cravou as raízes para sempre num ideal de amor e de verdade, podem calcá-la e torturá-la, podem-na ferir e ensanguentar, que quanto mais a calcam, mais ela penetra no seio ardente que deseja.

Quem fraterniza com a dor, comunga no grémio de Deus.

Se nos amesquinharem a fama e cercearem a glória, desviando de nós as multidões, que não pensam e vão para onde as levam, melhor. Os que nos querem, os que nos amam, os que nos entendem, ficarão connosco. Os outros, deixando-nos, prestam-nos favor.

Toda a alegria vem do amor, e todo o amor inclui o sofrimento.

Uma literatura dá a medida de uma sociedade. É um axioma de crítica.

Uma víbora envenena um homem, mas um homem sozinho arrasa uma capital. Os grandes monstros não chegam verdadeiramente na época secundária; aparecem na última, com o homem. Ao pé de um Napoleão, um megalossauro é uma formiga.

Citações de Eça de Queiroz

A agricultura aqui (em Portugal) é a arte de assistir impassível ao trabalho da natureza.

A alma modela a face, como o sopro do antigo oleiro modelava o vaso fino.

A arbitragem – que até aqui, neste período de crise comercial, tem servido apenas para decidir reduções de salário, servirá um dia quando a prosperidade renascer, para decidir os aumentos de salário. O meio legal de que se têm utilizado os patrões – para fazer baixar os salários – será um dia o mesmo de que se servirão os operários para os fazer subir.

A arte é tudo porque só ela tem a duração – e tudo o resto é nada! As sociedades, os impérios são varridos da Terra, com os seus costumes, as suas glórias, as suas riquezas.

A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação.

A arte idealista esquece que há no homem – nervos, fatalidades hereditárias, sujeições às influências determinantes de hora, alimento, atmosfera, etc.; irresistíveis «teimas» físicas, tendências de carnalidade fatais; resultantes lógicas de educação; acções determinantes ao meio, etc., etc.

A arte oferece-nos a única possibilidade de realizar o mais legítimo desejo da vida – que é não ser apagada de todo pela morte.

A arte, para os que não se enclausuraram todos nela como nos muros de um mosteiro, poetiza singularmente a existência.

A canção, expressão da melancolia, do amor, do entusiasmo, só morrerá se estes sentimentos morrerem; ela é, como o suspiro, como o grito, um dos movimentos naturais da alma.

A caricatura é mais forte que as restrições e que as proibições. É imortal porque é uma das facetas daquele diamante que se chama verdade.

A caricatura é o espelho que engrossa as feições e torna os objectos mais salientes.

A ciência realmente só tem alcançado tornar mais intensa e forte uma certeza: – a velha certeza socrática da nossa irreparável ignorância. De cada vez sabemos mais – que não sabemos nada.

A civilização é um sentimento e não uma construção: há mais civilização num beco de Paris do que em toda a vasta New York.

A complicada abundância da nossa civilização material, as nossas máquinas, os nossos telefones, a nossa luz eléctrica, tem-nos tornado intoleravelmente pedantes: estamos prontos a declarar desprezível uma raça, desde que ela não sabe fabricar pianos de Erard; e se há algures um povo que não possua como nós o talento de compor óperas cómicas consideramo-lo ipso facto votado para sempre à escravidão…

A consciência nem todos têm a honra de a conhecer; a consciência é o que quer que seja de vago e de impalpável, de que nós devemos falar como duma figura diáfana de legenda antiga.

A cordialidade é a quarta virtude teologal, apesar de não vir mencionada na cartilha.

A criança portuguesa é excessivamente viva, inteligente e imaginativa. Em geral, nós outros, os Portugueses, só começamos a ser idiotas – quando chegamos à idade da razão. Em pequenos temos todos uma pontinha de génio.

A curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar às portas e por outro a descobrir a América; – mas estes dois impulsos, tão diferentes em dignidade e resultados, brotam ambos de um fundo intrinsecamente precioso, a actividade do espírito.

A distância actua sobre a emoção exactamente como actua sobre o som. A mesma dura lei física rege desgraçadamente a acústica e a sensibilidade. É sempre em ambas o idêntico e tão racional princípio das ondulações, que vão decrescendo à maneira que se afastam do seu centro, até que docemente se imobilizam e morrem: se elas traziam um som que vinha vibrando – o som cala quando elas param: se traziam um terror que vinha tremendo – o terror finda quando elas findam.

A escola não deve ter a melancolia da cadeia. Pestallozi, Froebel, os grandes educadores, ensinavam em pátios, ao ar livre, entre árvores. Froebel fazia alterar o estudo do ABC e o trabalho manual; a criança soletrava e cavava. A educação deve ser dada com higiene. A escola entre nós é uma grilheta do abecedário, escura e suja: as crianças, enfastiadas, repetem a lição, sem vontade, sem inteligência, sem estímulo: o professor domina pela palmatória, e põe todo o tédio da sua vida na rotina do seu ensino.

A felicidade no amor dá tudo, até as boas cores.

A gente nunca sabe se o que lhe sucede é, em definitivo, bom ou mau.

A inquietação pela desconfiança de que se não é suficientemente amado – é já uma das mais certas provas de que se ama um pouco, ou de que se começa a amar um pouco.

A luta pelo dinheiro é santa – porque é, no fundo, a luta pela liberdade: mas até uma certa soma. Passada ela – é a tristonha e baixa gula do ouro.

A melhor prosa, a mais perfeita, a mais lúcida, a mais lógica, a que tem sido a grande educadora literária e tem civilizado o mundo, é feita com meia dúzia de vocábulos que se podem contar pelos dedos.

A rotina, numa das suas formas mais estúpidas, é a persistência caturra numa primeira impressão.

A separação (temporária) tem isto de bom – que põe em relevo e torna interessantes mil pequenas coisas da vida daqueles que amamos – que até aí, todos os dias vistas, quase se não percebiam.

Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssimo, com os direitos de Alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas…

As crianças são os únicos seres divinos que a nossa pobre humanidade conhece. Os outros anjos, os das asas, nunca aparecem. Os santos, depois de santos ficam na Bem-Aventurança a preguiçar, ninguém mais os enxerga. E, para concebermos uma ideia das coisas do Céu, só temos realmente as criancinhas…

As datas, e só elas, dão verdadeira consistência à vida e à sorte. Um bem que nos veio no dia 17 de Agosto, que era uma quarta-feira, fica alumiando a nossa alma com uma claridade muito diferente do bem que nos sucedesse, incertamente, no tempo, sem dia e sem data.

As dívidas serviram, diz-se, a excitar o génio de Dickens e Balzac: não encontrando em mim um génio a excitar, vingam-se da humildade do seu papel torturando-me.

As duas qualidades mais preciosas em Arte, que mais raramente se reúnem: Realidade e Poesia.

As obras de arte devem falar «por si mesmas», explicar-se «por si mesmas», sem terem necessidade de pôr ao lado um cicerone. Acompanhar um livro de versos de crítica «já feita» é querer impor um guia à emoção do leitor. O leitor detesta isso.

As palavras são, como se diz em pintura, valores: para produzir, pois, um certo efeito de força ou de graça, o caso não está em ter muitos valores, mas em saber agrupar bem os três ou quatro que são necessários.

Com a mania francesa e burguesa de reduzir todas as regiões e todas as raças ao mesmo tipo de civilização, o mundo ia tornar-se numa monotonia abominável. Dentro em breve um touriste faria enormes sacrifícios, despesas sem fim, para ir a Tumbuctu – para quê? Para encontrar lá pretos de chapéu alto, a ler o Jornal dos Debates.

Com o longo volver dos tempos, os nobres génios que fizeram vibrar mais fortemente a alma do seu tempo, passam pouco a pouco a ser apenas – o estudo dos comentadores.

Contar histórias é uma das mais belas ocupações humanas: e a Grécia assim o compreendeu, divinizando Homero que não era mais que um sublime contador de contos da carochinha. Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o homem; só essa de contar histórias se dedica amoravelmente a entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo. Infelizmente, quase sempre, os contistas estragam os seus contos por os encherem de literatura, de tanta literatura que nos sufoca a vida!

Dados para a minha biografia – não lhos sei dar. Eu não tenho história, sou como a República do Vale de Andorra.

Diz-me o que comes, dir-te-ei o que és. O carácter de uma raça pode ser deduzido simplesmente do seu método de assar a carne. Um lombo de vaca preparado em Portugal, em França, ou Inglaterra, faz compreender talvez melhor as diferenças intelectuais destes três povos do que o estudo das suas literaturas.

Dos grandes génios vêm por vezes grandes males, e nunca vem senão bem de uma bondade honesta e grave.

Duas folhas de carta a ler já é uma boa conta, mesmo quando seja uma carta de amor.

E agora definia a consciência… segundo ele, era o medo da polícia… isto da consciência é uma questão de educação. Adquire-se como as boas maneiras.

É algumas vezes necessário, para fazer compreender uma certa relação, que se encham os termos da proporção. Muitas vezes é impossível ser compreendido por todos sem a condição de exagerar, de deformar, de desproporcionar.

É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso – e com todo o respeito pelas instituições que são de origem eterna, destruir «as falsas interpretações e falsas realizações» que lhes dá uma sociedade podre. Não lhe parece Você que um tal trabalho é justo?

É o comer que faz a fome.

É o coração que faz o carácter.

Em arte, a copiosa, exuberante, luxuosa e florida fantasia cansa, esquece e passa – e só há eternidade para a beleza pura e simples.

Em política a caricatura é de boa guerra. É uma arma terrível, mas não desleal, porque, se exagera o falso, é para impedir que haja alguém que caia nele; a caricatura diz de mais para que nós digamos apenas o suficiente.

Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre.

Em Portugal quem emigra são os mais enérgicos e os mais rijamente decididos; e um país de fracos e de indolentes padece um prejuízo incalculável, perdendo as raras vontades firmes e os poucos braços viris.

Em todas as evoluções da arte, nós (portugueses) nunca aproveitamos com os princípios, e ficamos sempre com os maneirismos.

Esta expressão «Leitura», há cem anos, sugeria logo a imagem de uma livraria silenciosa, com bustos de Platão e de Séneca, uma ampla poltrona almofadada, uma janela aberta sobre os aromas de um jardim: e neste retiro austero de paz estudiosa, um homem fino, erudito, saboreando linha a linha o seu livro, num recolhimento quase amoroso. A ideia da leitura, hoje, lembra apenas uma turba folheando páginas à pressa, no rumor de uma praça.

Estou tagarelando muito. Acontece-me isto sempre que estou consideravelmente estúpido.

Eu já decidi que – «forretice», para nós outros portugueses, é ainda a única virtude que podemos cultivar com proveito. O único meio de ser feliz é ser independente – e o único meio de ser independente é ser forreta.

Eu não sou um moralista: sou um artista; o artista é um ser nefasto – que não é responsável pelas suas fantasias, nem pelas suas vinganças.

Eu sou um artista, não um crítico: não tenho análise tenho emoção.

Eu tenho a paixão de ser «leccionado»: e basta darem-me a entender o bom caminho para eu me atirar a ele. Mas a crítica, ou o que em Portugal se chama a crítica, conserva sobre mim um silêncio desdenhoso.

Hoje que tanto se fala em crise, quem não vê que, por toda a Europa, uma crise financeira está minando as nacionalidades? É disso que há-de vir a dissolução. Quando os meios faltarem e um dia se perderem as fortunas nacionais, o regime estabelecido cairá para deixar o campo livre ao novo mundo económico.

Isto poderá parecer estranho, mas as artes têm entre si uma profunda alma tão unida que as feições caracterizadoras duma são, por vezes, intimamente comparáveis às feições caracterizadoras da outra: nada mais parecido com a música de Mozart do que a pintura de Rafael; nada mais parecido com a poesia de Dante que a escultura de Miguel Ângelo. E porque não? Todas as feições se parecem a exprimir o amor, a curiosidade, o terror: as artes são apenas as feições do belo ideal.

Logo que na ordem económica não haja um balanço exacto de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia de produtores que emagrece, definha e dissipa-se nos proletariados.

Louvor bem entendido deve começar por nós, porque neste caso ele se torna uma verdadeira forma de caridade. Mal daqueles que, por humor sombrio ou desalento muito expansivo, se cobrem de cinza diante do mundo, porque o mundo imediatamente, por cima da cinza, os cobre de lama. A humildade só foi possível na Tebaida; e as próprias santas nunca se mostraram aos homens sem a pomposa auréola.

«Love me little, love me long». Há muita verdade neste lindo provérbio inglês. O que é violento é perecível. O que é calmo é duradouro. Um amor brusco e irreflectido, e com natureza de chama participaria da essência dessa primeira ilusão de que eu falei há pouco, e estaria condenado, como toda a chama, a consumir-se a si mesmo. É necessário que as coisas cresçam devagar e lentamente — para que durem muito.

Na arte só têm importância os que criam almas, e não os que reproduzem costumes.

Na arte, a indisciplina dos novos, a sua rebelde força de resistência às correntes da tradição, é indispensável para a revivescência da invenção e do poder criativo, e para a originalidade artística.

Nada dá tanta ideia da constância de carácter, como a firmeza de caminhar. Uma alemã, uma inglesa, anda como pensa – direita e certa. As nossas raparigas, constantemente sentadas e aninhadas, quando têm de se pôr a pé e de marchar, gingam e rolam.

Nada facilita mais uma civilização que um bom clima.

Nada há de mais ruidoso – e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas – do que a política.

Não há nada tão ilusório como a extensão de uma celebridade; parece às vezes que uma reputação chega até aos confins de um reino – quando na realidade ela escassamente passa das últimas casas de um bairro.

Não pode haver ligação de almas onde não exista identidade de ideias, de crenças e de costumes.

Não se descuide de ser alegre – só a alegria dá alma e luz à Ironia, à Santa Ironia – que sem ela não é mais que uma amargura vazia.

Não, positivamente não há nada neste mundo «worth to live for» senão um cantinho de fogão doméstico, muito Amor junto dele, e muita Arte em torno, para tornar a vida interessante, poética e distinta. Possa Deus, na sua infinita bondade, permitir que seja esse o nosso Destino. Arte e Amor – com A grande! Eles merecem-no; são as duas expressões supremas da vida, completam-se um pelo outro, e fora deles tudo é nada!

Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as acções – mesmo as boas.

Nestas Democracias industriais e materialistas, furiosamente empenhadas na luta pelo pão egoísta, as almas cada dia se tornam mais secas e menos capazes de piedade.

No conto tudo precisa ser apontado num risco leve e sóbrio: das figuras deve-se ver apenas a linha flagrante e definidora que revela e fixa uma personalidade; dos sentimentos apenas o que caiba num olhar, ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e traz todo o ser; da paisagem somente os longes, numa cor unida.

No terreno do dinheiro vence sempre quem tem mais dinheiro.

Nos amores deste mundo, desde Eva, há sempre «um que ama e outro que se deixa amar».

Nunca houve numa «vida única» uma «afeição única»: e se nos parece que há casos em que houve é que essa vida não durou o bastante para que a desilusão e a mudança se produzisse, ou quando se produziu ficou orgulhosamente guardada no segredo do coração que a sentiu.

O amor arrasta ao luxo, sobretudo amor de elegante idealismo.

O amor é essencialmente perecível, e na hora em que nasce começa a morrer. Só os começos são bons.

O amor espiritualiza o homem – e materializa a mulher.

O amor por si só é decerto uma companhia – mas não chega à companhia daquela que se ama.

O amor, (…), como tu sabes é feito de muitos sentimentos diferentes. Alguém escreveu, creio que até fui eu – que era uma bela flor com raízes diversas. Ora quando uma dessas raízes é a estima absoluta pode ele ao fim de longos anos secar pelas outras raízes mas permanecer vivo por essa.

O apreço exterior pela arte é a sobrecasaca da inteligência. Quem se quererá apresentar diante dos seus amigos com uma inteligência nua?

O Brasileiro é o Português – dilatado pelo calor.

O campo, na verdade, só é agradável com família, e toda a árvore é triste se na sua sombra não brinca uma criança.

O coração tem os seus «elans», mas a vida tem também os seus cerimoniais.

O esforço de toda a pessoa esclarecida neste mundo deve ser confirmar os Compêndios.

O homem nem sequer é superior ao seu venerável pai – o macaco: excepto em duas coisas tenebrosas – o sofrimento moral e o sofrimento social.

O homem põe tanto do seu carácter e da sua individualidade nas invenções da cozinha, como nas da arte.

O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia.

O melhor espectáculo para o homem – será sempre o próprio homem.

O meu espírito crítico é grosso, só apanha as coisas de enorme relevo.

O riso é a mais antiga e mais terrível forma de crítica.

O riso é a mais útil forma da crítica, porque é a mais acessível à multidão. O riso dirige-se não ao letrado e ao filósofo, mas à massa, ao imenso público anónimo.

O sentimento mais artificial posto num verso maravilhosamente feito é uma obra de arte: o mais verdadeiro grito de paixão num alexandrino desajeitado é uma sensaboria. Só há Beleza onde há Ordem.

O trabalho incessante, enorme, irrita e exagera o desejo das riquezas; aferventa o cérebro, sobreexcita a sensibilidade, a população cresce, a concorrência é áspera, as necessidades descomedidas, infinitas as complicações económicas, e aí está sempre entre riscos a vida social. Entre riscos, porque vem a luta dos interesses, a guerra das classes, o assalto das propriedades e por fim as revoluções políticas.

O verdadeiro comércio inspira virtudes próprias: a economia, a boa-fé, a exactidão, a ordem e actividade leal.

Os artistas só amam na natureza os efeitos de linha e cor; para se interessar pelo bem-estar de uma tulipa, para cuidar de que um craveiro não sofra sede, para sentir magoa de que a geada tenha queimado os primeiros rebentões das acácias – para isso só o burguês, o burguês que todas as manhãs desce ao seu quintal com um chapéu velho e um regador, e vê nas árvores e nas plantas uma outra família muda, por que ele é também responsável…

Os diletantes são-no geralmente de ideias ou de emoções – porque para compreender todas as ideias ou sentir todas as emoções basta exercer o pensamento ou exercer o sentimento, e todos nós, mortais, podemos, sem que nenhum obstáculo nos coarcte, mover-nos liberrimamente nos ilimitados campos do raciocínio ou da sensibilidade.

Os Franceses dizem: é necessário uivar com os lobos. Eu digo: é útil balar com os carneiros; ganha-se a estima dos nédios, as cortesias dos chapéus do Roxo, palmadinhas doces no ombro, de manhã à noite uma pingadeirazinha de glória. Mas ir sacudir, incomodar o repouso da velha Tolice Humana, traz desconfortos; vêm as calùniazinhas, os ódiozinhos, os sorrisos amarelos, a cicuta de Sócrates às colheres.

Os sentimentos mais genuinamente humanos logo se desumanizam na cidade.

Os tristes, os deserdados, os pobres, os oprimidos, quando tudo lhes falta, o pão, o lume, o vestido, têm sempre, no fundo da alma, uma cantiga pequena que os consola, que os aquece, que os alegra. É a última coisa que fica no pobre. E então a cantiga vale mais do que todos os poemas.

Para aparecerem no jornal, há assassinos que assassinam.

Para chorar é necessário ver. A mais pequenina dor que diante de nós se produza e diante de nós gema, põe na nossa alma uma comiseração e na nossa carne um arrepio, que lhe não dariam as mais pavorosas catástrofes passadas longe, noutro tempo ou sob outros céus.

Para ensinar há uma formalidade a cumprir – saber.

Para ter um gosto próprio e julgar com alguma finura das coisas de arte é necessária uma preparação, uma cultura adequada. E onde tem o homem de trabalho, no nosso tempo, vagares para esse complicada educação, que exige viagens, mil leituras, a longa frequentação dos museus, todo um afinamento particular do espírito? Os próprios ociosos não têm tempo – porque, como se sabe, não há profissão mais absorvente do que a vadiagem. Os interesses, os negócios, a loja, a repartição, a família, a profissão liberal, os prazeres não deixam um momento para as exigências de uma iniciação artística.

Para todo o homem, mesmo o mais culto, a humanidade consiste especialmente naquela porção de homens que residem no seu bairro. Todos os outros restantes, à maneira que se afastam desse centro privilegiado, se vão gradualmente distanciando também em relação ao seu sentimento, de sorte que aos mais remotos já quase os não distingue da natureza inanimada.

Pensar e fumar são duas operações idênticas que consistem em atirar pequenas nuvens ao vento.

Porque, enfim, o que é o Brasileiro? É simplesmente a expansão do Português.

Preciso conselhos, direcções, preciso «conhecer-me a mim mesmo» – para perseverar e desenvolver o bom, evitar o mau, ou modificá-lo e disfarçá-lo: Mas há lá coisa mais difícil? Que se conheça a si mesmo – o homem que não tira os olhos de si mesmo, é quase impossível: anquilosa-se a gente num certo feitio moral, de que não sai.

Quando se quer mostrar a beleza de um cristal, movendo-o muito com os dedos – quase sempre se finda por lhe empanar a transparência e o brilho casto.

Quando uma civilização se abandona toda ao materialismo, e dele tira, como a nossa, todos os seus gozos e todas as suas glórias, tende sempre a julgar as civilizações alheias segundo a abundância ou a escassez do progresso material, industrial e sumptuário.

Que escrúpulo pode ter uma mulher em beijocar um terceiro entre os lençóis conjugais, se o mundo chama a isso sentimentalmente um romance, e os poetas o cantam em estrofes de ouro?

Quem melhor do que eu sabe, que o coração, depois de despertar, tem hesitações e tem enganos – até que se fixa?

Quem sem descanso apregoa a sua virtude, a si próprio se sugestiona virtuosamente e acaba por ser às vezes virtuoso.

Reconstruir é sempre inventar.

Ser bacharel – uma qualidade que se exige para tudo, e que se não respeita para coisa nenhuma.

Ser espirituoso é metade de ser diplomata.

Toda a virtude que entre os homens se manifesta, logo que lhes arranca uma admiração, é mais cheia de perigos que um aroma muito sensual, ou um canto muito amoroso. A mais humilde esmola, a chaga de um mendigo que se lava, uma simples consolação, desde que se mencionem, são perigos terríveis para a alma, porque a persuadem da sua caridade e excelência. Pelo bem que semeamos nos outros, só colhemos dentro em nós orgulho – e cada obra da nossa caridade desmancha a obra da nossa humildade.

Tudo que não seja viver escondido numa casinhola, pobre ou rica, com uma pessoa que se ame, e no adorável conforto espiritual que dê esse amor – me parece agora vão, fictício, inútil, oco e ligeiramente imbecil.

Um artista é pior que uma mulher – e um artista escandalizado na sua vaidade de colorista e estilista é capaz das maiores infâmias.

Um homem de letras, que não escreve as suas memórias, tem realmente direito a que os outros lhas não escrevam.

Um homem de letras, que não escreve as suas memórias, tem realmente direito a que outros lhas não escrevam.

Um livro de contos é um livro ligeiro de emoções curtas: deve portanto ser leve, portátil, fácil de se levar na algibeira para debaixo de uma árvore, e confortável para se ter à cabeceira da cama. Não pode ter o formato dum relatório, que, sendo destinado em definitivo a embrulhar objectos, deve ter de antemão o tamanho cómodo do papel de embrulho; nem pode ter o volume dum calhamaço de erudição histórica, impresso com o fim de ornamentar uma biblioteca.

Vitor Hugo afirmava que só existiam duas coisas verdadeiramente grandes – o génio e a bondade: Michelet acrescentava que dessas duas grandezas só uma era verdadeiramente real – a bondade. Decerto estes dois homens, supremamente bons e geniais, entendiam por bondade – aquela virtude activa que, pela elevação e amplitude das suas manifestações, participa do heroísmo.

Citações de Manoel de Oliveira

A arte é especial. Há uma só lei: o tempo. O tempo é o grande juiz, é o grande juiz de tudo.

A boa-fé é muito perigosa, é uma abertura a todo o tipo de vigarices. Por boa-fé, a gente confia, e o finório aproveita-se sempre dessa circunstância.

A crítica é indispensável. Mais importante ainda é um complemento. Por isso, o filme só está acabado depois de ser visto. Por algum público e de preferência pelos críticos. São eles que vão acabar o filme. Como há muito de inconsciente no trabalho de um artista, é o crítico que vai buscar esse lado, de que o artista nem se deu conta.

A imagem é uma coisa muito concreta, mas serve para mostrar coisas imateriais. Veem-se fantasmas, personagens que deixaram de existir, que talvez já estejam mortas, mas que têm ali uma aparência de corpos concretos. (…) O cinema é um fantasma da vida que não nos deixa senão uma coisa sensível, concreta: as emoções.

A juventude é um tempo extraordinário em que as pessoas desconhecem que estão verdadeiramente a viver. Só com o passar dos anos é que nos apercebemos dos momentos extraordinários já vividos.

A memória é muito caprichosa, fixa umas coisas e não fixa outras. Fixa uma coisa que aparentemente não vale nada e esquece uma coisa que é muito forte. O que retemos na memória é aquilo que o capricho dela reteve, não aquilo que a gente quis reter. Outras vezes há passagens de que a gente não gostaria de falar. Há sempre um segredo, cada um tem um segredo, qualquer coisa que não gosta de ver revelado.

A nossa memória está nos livros, nas pinturas e nos filmes. Dizia Arturo Ripstein, um realizador mexicano, que os governos deviam ajudar os realizadores não por favor mas por obrigação, porque o cinema é o espelho da vida, não temos outro.

A paixão é uma perturbação, o amor é real, é absoluto, é uma coisa estranha. A paixão dá sempre força a um lado, ou é da mulher ou é do homem. O desejo é fazer dos dois, um.

A política é uma coisa que tem de interessar as pessoas, porque nós vivemos debaixo dela, portanto estamos interessados na acção dela: que não nos incomode, que não nos perturbe, que não nos chateie…

A santidade está ligada ao sentido verdadeiro de liberdade, é o desprendimento total das coisas terrenas. Agora, se está preso pelo dinheiro, por uma paixão, pelo desejo de uma mulher, por isto, por aquilo, anda sempre agarrado a esta porcaria que é o campo terreno.

A televisão é diferente. A televisão é pública e o cinema é cativo, privado. A televisão pode passar o cinema ou uma peça de teatro, mas a sua função é pública, é mostrar os acontecimentos que correm, como um jornal, quase.

A televisão, que mostra sobretudo pornografia, ou violência, tiros, “mata e esfola”. As mulheres trabalham e não estão ao lado dos filhos que ficam, sozinhos, a ver televisão. Hoje em dia há uma perda enorme de valores.

A vida é uma derrota. A gente vive na derrota. Nasce contra vontade, e não é senhor do seu destino.

A vida não mudou absolutamente nada, é exactamente aquilo que era antes. O que evoluiu, que tem evoluído, e muito, é o progresso. O progresso é que evoluiu extraordinariamente.

As conquistas mais importantes, depois da Segunda Guerra Mundial, são as trágicas, as que destroem a natureza. Essa porcaria dos transgénicos, por exemplo, que estão sobrecarregados de químicos para que os bichos não lhes peguem. E quando os bichos não pegam, isso é um péssimo sinal.

As telenovelas são muito ricas, muito bonitas, e eu gosto da diversidade. Não sou nada contra o filme comercial. A gente dos filmes comerciais é que é sempre contra o cinema como arte. Mas eu não. Sou apologista da variedade, mesmo no cinema artístico. Penso que a personalidade do realizador é que é a marca da originalidade. Não há outra.

Às vezes acusam-me de que meus os filmes são muito falados. Ora, falados são os filmes americanos, e falam sem dizer nada. Ao menos os meus filmes dizem alguma coisa porque eu escolho textos ricos, bons, profundos, mais difíceis naturalmente. Mas a imagem é formidável.

Chegámos a este momento, ao problema económico do capitalismo e dos bancos. É um obstáculo da vida e da sociedade mundial. Um obstáculo bastante alto mas devemos dar o pulo e saltar para o outro lado.

Como realizador, estou preso ao contexto. Posso fazer tudo o que quiser, mas sempre dentro do contexto. E do contexto dos filmes da Agustina eu nunca saí. Como do Régio ou do Camilo, também nunca saí. Esse é o meu respeito pelos autores, que é muito forte. Mas eu faço cinema, não faço literatura.

Como sopa, de legumes. Porque um cientista, que fez um exame à nutrição dos americanos que deixaram de comer sopa às refeições, declarou que se eles retomassem a sopa diminuiriam o cancro em mais do que 50 por cento. Também gosto de sopa de peixe…

Creio que o amor por uma paisagem pode ser sensual. Muitas coisas relevam da sexualidade. É um abismo. Mesmo a morte é um ato sexual, o mais virtuoso, o mais belo, o último.

Da vida vem o teatro e do teatro vem o cinema. Mas na vida já se representa.

Desconfio sempre da imaginação. (…) Todos os meus filmes são histórias de agonia, da agonia no seu sentido primeiro, no sentido grego, “a luta”.

É mais importante a saúde do que o dinheiro. Uma pessoa com saúde pode dormir na soleira de uma porta. E um ricalhaço doente pode não ter posição na cama.

É preciso que as pessoas estejam profundamente bem-educadas. A Educação é fundamental. No aspecto das prioridades governamentais, por exemplo, penso que o que deve estar em 1º lugar é a Saúde. Um país sem Saúde não vale nada. Em 2º lugar está a Educação e a seguir a Arte porque é o complemento da Educação, é a condição humana. É essencial conhecer isto, sem isto não se pode funcionar. E depois vem o resto…

É um desejo utópico, é um desejo profundo no homem: um bem-estar, e não esta inquietude permanente de guerras.

Estive agora no México e vi escrito nas paredes de um museu um pensamento dos maias, muito simples, muito correcto, mas ao mesmo tempo perfeito, profundo. Dizia: “Semeia para colheres, colhe para comeres, come para viveres”. É um fundamento da vida. A gente vive no sentido inverso: vive para comer, come para colher e colhe porque semeia. Aqui põe-se o problema do que transcende isso.

Estou a fazer filmes há uns bons anos e muito do que levo para o cinema nasce de uma reflexão generosa, de aprendiz, que faço da literatura. Tudo nesta vida que levamos tem uma duração estabelecida, um momento para acabar, incluindo os valores monetários, menos as histórias que contamos. As histórias que os livros nos contam duram para sempre e o mesmo espero das histórias trazidas pelo cinema.

Estou habituado a que recebam mal os meus filmes e isso não me altera, nem altera nada do que penso sobre o cinema. Eu reprovo o prémio da competição.

Estupidamente, agora as governações proíbem o milho e acaba por se passar fome. Aqui há tempos faltava o milho e ficou tudo aflito. Agora já se pode cultivar milho outra vez. É incompreensível este desprezo pela natureza, da qual nós dependemos inteiramente.

Eu acho que no artista, e mesmo fora do artista, na vida, o subconsciente resolve muita coisa e trabalha tudo. E de vez em quando atira uma coisa para o consciente. Está tudo guardado nessa grande mala que herdamos, que vem no sangue.

Eu admiro os santos, muito mais do que os revolucionários. (…)Porque os santos jogam no abstracto.

Eu era muito tímido, reservado, tinha medo daquilo que dizia, medo que aquilo não fosse certo. Mas sobre o que era cinema, sabia muito bem o que queria e o que não queria, muito mais do que agora! Agora tenho mais dúvidas. O mundo mudou, as coisas mudaram e eu também mudei.

Eu não me prendo aos objetos. Prendo-me mais às pessoas. Quando viajo levo só o computador, não tenho nenhum fetiche.

Eu não sou representante do cinema português. O cinema português é um conjunto de realizadores, e da soma deles – dos bons, claro – é que se retirará um efeito como o da literatura ou da pintura.

Fiz muitas asneiras. Nunca tive um desastre mortal de automóvel, e hoje surpreendo-me: o que tive, realmente, foi muita sorte. Tive o meu anjo da guarda protector, que é o destino. O anjo da guarda e o destino são uma e só coisa.

Fui simpatizante com as ideias comunistas. Mas isso era se elas se realizassem. Mas o que aconteceu foi o contrário.

Há (em Portugal) realizadores muitíssimo bons, e devia ser mais desenvolvido e exportado em força, o que dava entrada de dinheiro! Eu dizia, na proporção de um país pequeno, pobre e na situação em que está, que o nosso cinema merecia uma ajuda para que os filmes corressem mundo e fossem também uma entrada económica de resultados.

Há um poeta português que disse que o espírito é como o ar que se respira. Eu fiquei com essa ideia. E, ultimamente, há um outro escritor que diz que o espírito é como o ar que se respira. Fiquei muito emocionado nesse livro, que eu li era muito novo. Fiquei sempre a pensar… E agora, pensando melhor, realmente, quando se morre, solta-se o espírito. O espírito é como o ar que sai. E o espírito sai e junta-se. Ao sair, perde a personalidade, onde está todo o bem e todo o mal, liberta-se desse bem e mal e junta-se ao absoluto, que é a configuração do espírito, o absoluto. É Deus.

Há uma coisa que gostei de ouvir do Fellini: tinha uma grande admiração pelas pessoas que falham e persistem. Persistem com a mesma vontade, ou mais forte, com a ideia de alcançarem a finalidade última. Considero-me um pouco dentro dessa classe.

Hoje quer-se fazer a globalização, mas de quê? Fazer tudo por igual? Juntar tudo: um só rei, um só Papa, como nas palavras do Padre António Vieira. Há esse desejo utópico. Mas é difícil chegar lá. Perdem-se pelo caminho, tem-se hesitações e há um retorno à Idade Média, em inverso. Agora são os árabes a quererem destruir o mundo ocidental.

Hoje vai-se ver filmes cada vez mais à pressa, cada vez com menos atenção, não exatamente predisposto a confiar [na projeção], a não ser nos efeitos especiais e nos efeitos sonoros espetaculares. A projeção já não chega. A crença no cinema está muito diminuída, [e isso] é terrível porque o que há de mais belo no homem é a sua humanidade, a sua capacidade de confiar nos outros, de ver a imagem dos outros.

Hoje, depois de muitas décadas, já percebo que a minha vocação nesta vida é dirigir filmes. E os meus filmes falam sobre valores que vão além do dinheiro. O meu filme busca saber se existe alma. O tempo… o tempo eu sei que existe. E talvez eu filme como filmo para contemplar o tempo.

Na Europa há um mito histórico e religioso. A União Europeia tende para isso: um só comando genérico e uma só fé que é posta na democracia. Tira-se a religião um pouco para o lado e estabelece-se uma democracia generalizada, a união da Europa com um mesmo fim: um só rei e um só papa. É o mito que se está a tornar uma realidade actualmente com Bruxelas no centro da União Europeia. Acho que é óptimo mas é muito difícil porque há diferentes climas nas regiões, há diferentes idiossincrasias, diferentes línguas. É sempre muito difícil tornar uma coisa acessível a toda essa diversidade.

Nada é verdadeiramente satisfatório. Mesmo a arte a que um artista é vocacionado, e sobre a qual e para a qual vive, está sempre aquém do seu desejo.

Não é normal a ligação mulher com mulher e homem com homem. Mas é tolerável. Eles que façam lá o que entenderem. Mas o casamento tem um único fim: preservar a continuidade da espécie.

Não gosto até da palavra espectador. Ou melhor, da palavra eu gosto. Não gosto é do público, da palavra “público” é que não gosto muito. Porque públicas são as cadeiras do cinema; são públicas. Agora, as pessoas que se sentam nelas, são pessoas, verdadeiramente pessoas, e cada um é distinto do outro. Cada um é um ser autêntico, e, portanto, nem todos estarão aptos ou sensíveis a uma sinfonia, a um trabalho qualquer, seja de que ordem for.

Não há movimento sem tempo. Mesmo parado, o tempo passa, não é preciso que se mova, porque tudo se move, o tempo corre. O tempo é movimento em si. E a imagem…

Não há outra forma de arte que se aproxime mais da vida do que o cinema. E o cinema é também uma síntese de todas as artes – como a própria vida, que contém em si todos os aspectos –, seja a escultura, a pintura ou a própria música.

Não me sinto realizado. Estou a tentar realizar-me neste curto espaço que me resta.

Não uso telemóvel, felizmente. É um vício. Ao contrário do que pensam, as pessoas perdem capacidade de comunicação. Eu fiz um filme sobre isso [a curta-metragem Do Visível ao Invisível].

Não, não olho para o que fiz. Olho para o que vou fazer. Esta é a minha ocupação. Quando me perguntam sempre “qual é o filme que gosta mais”, respondo: é o que vou fazer agora.

Nenhuma arte simula a vida como o cinema. Todavia, não é uma vida. Também não é propriamente uma arte. Porque é uma acumulação, uma síntese de todas as artes. O cinema não existia sem a pintura, sem a literatura, sem a dança, sem a música, sem o som, sem a imagem, tudo isto é um conjunto de todas as artes, de todas sem exceção.

Ninguém nasceu por vontade própria. Somos lançados ao mundo, temos que gramar isto quer queiramos, quer não. Estamos submetidos às forças enigmáticas da natureza, ligados umbilicalmente com a natureza, somos do mesmo processo. Dentro de nós há o mesmo que aconteceu no sudoeste da Ásia: quando estamos irados, é uma tempestade. A natureza é extremamente caprichosa, dá a uns o que tira a outros. E a gente não sabe porquê. Eu mereço mais? Não mereço mais nem menos, sou como os outros, peco como os outros, gozo como os outros, vivo como os outros.

Ninguém tem medo da morte. Ao nascer, não há outra finalidade certa que não seja a morte. Hoje, na minha idade, penso que a morte, quer para um religioso e crente, como eu sou, quer para um leigo, será a única entrada para o absoluto.

Nos filmes, como em qualquer obra de arte, há sempre uma grande parte do subconsciente do artista do qual ele não se dá conta. Por isso, as obras enriquecem com o tempo, a crítica vai descobrindo partes mais ignoradas e as obras ficam mais ricas do que quando saem. Na verdade, o homem não mudou, apenas aquilo que fez: o progresso. A natureza do homem é a mesma: a inveja, a vingança, as paixões ou o amor são manifestações da natureza do homem que não mudaram nada. Há pessoas que, às vezes, mudam de partido. Eu pergunto: também mudam de natureza? Ela é a mesma, e é nela que está todo o bem e o mal do homem.

Nós somos impelidos por forças obscuras, não somos totalmente senhores de nós próprios.

Nunca trabalhei tanto na minha vida. Mas também durmo. Durmo bem, embora me deite sempre tarde.

O cinema dá-nos a possibilidade de, a partir da câmara, repor a vida além da Morte e simular a ressurreição, inclusive a dos grandes heróis da literatura.

O cinema é imaterial, o teatro é material: os actores têm carne e osso, estão lá, vivos, nos cenários. Mas o cinema, não – é um fantasma da realidade.

O cinema é mundano. E a santidade é a fuga do mundano. É o desprendimento – o sentimento de liberdade mais profundo – de tudo quanto é mundano, da vida, das atracções. É separar-se de tudo. Por trás do cinema e do autor está a vaidade. Basta isso para destruir tudo. Ele faz isto – gosta de receber prémios, de receber elogios, que compreendam os seus filmes. E isso é mundano – é deste mundo –, a santidade não é deste mundo.

O cinema é o espelho da vida. E não só é o espelho da vida como não há outro, é o único espelho da vida. E sendo-o é também a memória da vida.

O cinema só trata daquilo que existe, não daquilo que poderia existir. Mesmo quando mostra fantasia, o cinema agarra-se a coisas concretas. O realizador não é criador, é criatura.

O computador tem possibilidades de mais para aquilo de que eu preciso. Não quero saber coisas de computadores. Quero apenas saber o necessário para escrever os meus textos e as minhas planificações. O resto das capacidades dos computadores só me atrapalha.

O homem é um bocado como o gato, fica preso às casas porque nelas se passaram histórias, e a casa é o guardião de todas essas histórias, problemas, alegrias, etc.

O homem tem um tecto, (que os gregos atingiram), para além disso, já não percebemos nada. Somos joguetes do destino. O Espinosa dizia: “Supomos que somos livres porque ignoramos as forças obscuras que nos manipulam”. E S. Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa crença é vã”. Não sabemos: nenhum dos nossos mortos disse qualquer coisa.

O meu público é aquele que vai ver os meus filmes. O cinema dá-nos uma visão da vida.E a vida é um mistério.

O mundo é complexo, incompreensível, talvez não tanto para quem tem uma crença nalguma coisa firme, mas para aqueles onde a dúvida prevalece. E o que proponho é a dúvida. A dúvida é uma maneira de ser.

O que é que nos dá o progresso? Uma coisa só: conforto. Só conforto. O homem da caverna tinha de matar o boi…

O que mais me marcou, no aspecto social e mundial, foi o 25 de Abril. Foi o acto que mais me marcou. Porquê? Porque o 25 de Abril, em si, tem um momento extraordinário: os militares, que fizeram o 25 de Abril, não desejavam tomar o poder. Fizeram-no para entregar o poder democrático ao país. Este é um caso raro e único.

O que nós hoje vemos numa literatura moderna e apressada é uma multiplicação elevada à sétima potência por muitos autores oportunistas, em trabalhos repetitivos da violência pela violência e da pornografia pela pornografia, apenas por estar em moda e de ser de rentabilidade fácil.

O sentimento religioso é uma coisa muito particular, de cada um.

O sexo é um prazer, um vício, como fumar, tomar café, beber uma droga.

O sexo, fonte de toda a pornografia, é cousa abissal, e esse abismo perverte e atrai o lado mais animal do homem. Desumanizando-o. Digo o lado mais animal do homem, porque entre os animais não há pornografia, nem vergonha.

O sofrimento é uma coisa terrível. Eu não tenho medo da morte, mas temo o sofrimento.

O teatro é mais honesto que o cinema, porque o cinema filma sonhos.

O teatro é mais rico. Os actores estão lá, em carne e osso. No cinema, só está a personagem. O actor já não se encontra lá quando o filme é exibido. O cinema é complementar mas tem uma vantagem perdura no tempo. Se houvesse cinema no tempo áureo das tragédias gregas saberíamos como elas eram. Como não há, apenas calculamos como seriam.

Os meus filmes têm histórias um pouco profundas, às vezes difíceis de compreender. Por isso, filmo-os da forma mais clara possível. É preciso que o cinema seja claro, porque tudo o resto (as paixões, a vida), não o é.

Os rituais são muito importantes. Sem eles, a vida seria indecifrável. O cinema não filma senão isso, um conjunto de signos, de convenções. A vida é um enigma, não é legível. São os rituais que nos permitem lê-la.

Para mim os poetas chegam mais longe do que os filósofos. As suas poesias contêm segredos que vão para além. A nossa inteligência não é capaz de os desvendar, a gente sente, mas não desvenda.

Para mim, a expressão mais rica é a literatura.

Para os budistas, quando morre uma pessoa, a alma sai e pode instalar-se num gato. Falei com o Dalai Lama e pus-lhe essa questão: se a pessoa morre e a alma passa de um humano para uma fera, não perde a evolução do raciocínio? Disse-me que não, pois o que conta é o esforço. Percebi que a vida, em si mesmo, é um esforço enorme em tudo que fazemos. Mas é ele que activa a imaginação.

Parar é morrer e isto é aplicável hoje. O pior de tudo é parar, quer dizer, não se fazerem coisas, não se fazer nada, ficar com medo, retrair-se, etc. Esta ideia do povo, diante da crise, correr a tirar o dinheiro dos bancos, com medo de o perder, agrava terrivelmente a situação. É um erro parar, não continuar a despertar as coisas.

Portugal é o país mais universalista do mundo. Os portugueses têm esse dom; se não o tivessem, não teriam feito os Descobrimentos.

Quem tem um sentimento político profundo é que toma posições. Mas o meu sentimento profundo é humanista, não político.

Sabe que esta história política é muito difícil, muito grave. Há uma desmobilização fortíssima, há uma perda de valores enorme! Hoje a aldrabice monta por aí com toda a força, e isso é triste.

Sem identidade não se é. E a gente tem que ser, isso é que é importante. Mas a identidade obriga depois à dignidade. Sem identidade não há dignidade, sem dignidade não há identidade, sem estas duas não há liberdade. A liberdade impõe, logo de começo, o respeito pelo próximo. Isto pode explicar um pouco os limites da própria vida.

Sinto que pertenço a uma deontologia cinematográfica que recusa mostrar o lado íntimo. Só filmo o que é público, embora possa sugeri-lo.

Sinto que precisava de viver mais 50 anos para concretizar todos os projectos que tenho. Se tivesse os meios, não me custava nada fazer dois filmes por ano. Ideias não me faltam, seja através de projecto escritos por mim ou por grandes escritores.

Somos movidos por impulsos que ignoramos da natureza: o ódio, o amor, a paixão, a bondade. Pode-se quase perguntar se somos dependentes porque ninguém nasceu por vontade própria. Seremos verdadeiramente responsáveis pelos nossos actos? Temos a justiça que nos torna responsáveis e a evolução que o homem tem engendrado, mas não somos independentes. Somos dependentes das circunstâncias (…). Tornamo-nos responsáveis perante a lei e pela justiça, mas na verdade somos um joguete do destino.

Somos todos escravos da tecnologia. Lembro-me da sabedoria desses grandes homens que viajavam pelo mundo e passavam por terras diferentes, diferentes línguas. Não conheciam e acabavam por conhecer aquelas gentes e os seus modos de vida diferentes, de um lado para o outro, até à China e por aí fora. Era admirável, não era? Hoje não, vai-se de avião, não se sente nada.

Sou crente e tenho fé. Mas, ao mesmo tempo, sou abordado por um certo pessimismo e frequentemente me lembro de um provérbio russo que diz: o pessimismo é a conclusão do optimista.

Sou um sobrevivente como qualquer outro. A arte é um ofício, uma paixão que as pessoas têm. O usurário tem uma paixão pelo dinheiro e junta o dinheiro para nada – é triste. O artista tende ao absoluto; pode também estar numa situação de revolta. Não é exactamente o meu caso, embora muitas vezes me revolte.

Tenho as minhas convicções, mas tenho sempre medo que essas convicções pareçam demasiado particulares, quando eu queria ter uma visão genérica do que é o cinema.

Toda a arte é um reflexo da vida. Se nós não sabemos a finalidade da vida, como é que vamos saber a finalidade da arte? É um segredo que nos é vedado.

Todos os efeitos especiais pertencem à técnica, não à arte. Para além disto, sugerimos o inacreditável. Onde podemos ir mais longe do que aquilo que somos? Li um realizador dizer que quando apresentava um filme novo, se ouvia que era o filme de um grande realizador, ficava triste. Mas se ouvia que era um grande filme, ficava contente. Isto é evidente: o realizador não deve mostrar-se. Mostra o inconcebível, mas não se mostra a ele próprio.

Todos os meus filmes mostram que, de facto, todos os homens entram em agonia no momento em que chegam ao mundo. Sou um grande lutador contra a morte. Passei a vida a observar a agonia, cada vez com mais experiência, com cada vez mais vontade de mostrá-la. Mas a morte acaba por chegar.

Vivo muito bem, concerteza. Se eu não tivesse atingido esta idade não apanhava esta quantidade de prémios que me começaram a dar agora, no final da vida.

Citações de Padre António Vieira

A admiração é filha da ignorância, porque ninguém se admira senão das coisas que ignora, principalmente se são grandes; e mãe da ciência, porque admirados os homens das coisas que ignoram, inquirem e investigam as causas delas até as alcançar, e isto é o que se chama ciência.

A ausência é o remédio do amor.

A boa e má opinião está na mão de um grande, porque tudo pode. Pode o mal, porque com o poder o executa; pode o bem, porque com a grandeza tudo se obra.

A boa educação é moeda de ouro. Em toda a parte tem valor.

A cabeça tem entendimento especulativo, as mãos têm entendimento prático, e este é só o entendimento que faz as coisas.

A cegueira do juízo e amor-próprio é muito maior que a cegueira dos olhos.

A cegueira que cega cerrando os olhos, não é a maior cegueira; a que cega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas.

A dignidade não se introduziu no mundo senão para abrigo daqueles que a não logram.

A diligência na guerra é tudo para com efeito se alcançar vitória.

A dor não tem juízo, e nenhuma é maior que a do amor ofendido.

A espada da justiça que se sustenta com demasiadas bocas, empobrece a todos, e todos a trazem na boca.

A Esperança é um afecto que, suspirando sempre por ver, vive de não ver, e morre com a vista.

A esperança promete bens, o temor ameaça males, e entre promessas e ameaças tanto vem a se padecer o que se espera, como o que se teme.

A esperança satisfaz-se com a medida do que se espera.

A fé e a caridade são afectos muito fidalgos, e muito bons de contentar. A fé para crer, basta-lhe uma profecia e fica satis­feita; a caridade para amar, quando não tenha benefícios, bastam–lhe agravos, que o amor até de ofensas se sustenta.

A fé não vê, mas vê-se: não vê, porque não vê os seus objectos, mas vê-se, porque se vê nos seus efeitos.

A fé que não dói, é muito fácil de crer; a fé que não se pode praticar sem dor, é muito dificultosa de admitir.

A fortuna com o que dá, faz grandes e o ânimo com o que despreza, faz grandiosos.

A fortuna nunca iguala os desejos dos homens.

A inclinação mais natural, mais viva, e que mais fortes e profundas raízes tem lançado na natureza humana é o desejo ou apetite da glória.

A inveja, como filha primogénita da soberba, pesa para cima, e todos seus tiros se assestam contra o mais alto.

A justiça está entre a piedade e a crueldade: o justo propende para a parte do piedoso; o justiceiro para a de cruel.

A maior capacidade que criou a natureza foi a do coração humano.

A maior gula da natureza racional é o desejo de saber.

A maior miséria da vida humana (outros dirão outra), eu digo que é não haver neste mundo de quem fiar.

A maior parte do que sabemos é a menor do que ignoramos.

A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os pequenos.

A melhor e a pior coisa que há no mundo é o conselho. Se é bom, é o maior bem; se é mau, é o pior mal.

A melhoria não está no lugar, senão na pessoa que o ocupa.

A mesma luz e a mesma candeia ao longe vê-se, ao perto alumeia.

A mim não me faz medo o pó que hei-de ser; faz-me medo o que há-de ser o pó.

A natureza a todos os homens fez iguais; a fortuna é que fez os altos, os baixos, e os baixíssimos.

A natureza fez o comer para o viver e a gula fez o comer muito para o viver pouco.

A nossa alma rende-se muito mais pelos olhos, do que pelos ouvidos.

A peste do governo é a irresolução. Está parado o que havia de correr, está suspenso o que havia de voar, porque não atamos nem desatamos.

A pior coisa que têm os maus costumes é serem costumes: ainda é pior que serem maus.

A primeira coisa que morre em o homem é a língua e a última coisa que lhe acaba é o coração. Será talvez porque a língua é que viveu mais desunida e por isso mais solta. O coração morre com menos pressa, porque todo o sangue se une para sua defesa.

A primeira vitória para alcançar outras muitas é sujeitar o juízo próprio, quem não é sujeito ao mando alheio.

A propriedade da quantidade é poder-se sempre dividir e a propriedade do amor é querer-se sempre dar todo.

A razão por que não achamos o descanso é porque o buscamos onde não está.

A restituição do respeito é muito mais difícil do que a do dinheiro.

A tristeza é um mal e enfermidade universal de que ninguém escapa.

A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto, e que mais facilmente engana os homens.

A vida de um homem compõe-se de muitas idades, e o que acontece em qualquer destas idades se diz com toda a propriedade e verdade que acontece nos dias daquele homem.

A virtude é a que dá o ser à honra e à fama; mas a honra e a fama são as que defendem a virtude.

A vista dos bens alheios cresce o sentimento dos males próprios.

A vitória tanto menos vale, quanto mais custa.

Acautele-se o coração humano e nenhum se fie de si.

Ainda que seja muito segura, muito firme e muito bem fundada a esperança é um tormento esperar.

Amar a quem me aborrece é ser humano com quem o não é comigo; aborrecer a quem me ama, é ser cruel com que mo não merece.

Amar a quem nos aborrece, é acto de generosidade; aborrecer a quem nos ama, é acto de ingratidão.

Amar e não ser amado é o maior tormento; ser amado e não amar é a maior injustiça.

Amar e não ser amado é ser mártir; ser amado e não amar é ser tirano.

Amor e ódio são os dois mais poderosos afectos da vontade humana.

Antes de o amarem poderá haver coração tão duro, que não ame nem queira amar; mas depois de se ver amado, há-de amar, e querer amar, ainda que não quisesse.

Antes de ver o fim não se pode fazer juízo.

Ao trabalho corresponde o fruto que se colhe.

Aos humildes a demasiada honra mais os embaraça do que os melhora.

Aos outros lugares, ainda que não sejam os mais altos, chega-se tarde e com dificuldade; ao último, logo e facilmente.

Aquele a quem convém mais do que é lícito, sempre quer mais do que convém.

As acções de cada um são a sua essência.

As acções generosas, e não os pais ilustres, são as que fazem fidalgos.

As batalhas mais invencíveis são as do entendimento, porque onde as feridas não tiram sangue, nem a fraqueza se vê pela cor, nenhum sábio se confessa vencido.

As cidades com ferro se defendem e não com ouro.

As coisas grandes não se acabam de repente; hão mister de tempo e todas têm seu tempo.

As coisas não começam do princípio como se cuida, senão do fim. O fim porque as empreendemos, começamos e prosseguimos, esse é o seu primeiro princípio, por isso ainda que sejam indiferentes, o fim, segundo é bom ou mau, as faz boas ou más.

As lágrimas são o mais vivo do sentimento, porque são o destilado da dor; são o mais encarecido dos louvores, porque são o preço da estimação; são o mais efectivo da consolação, porque são o alívio da natureza.

As obras de um herói, postas a uma luz escura da razão e da vontade, são borrões que ofendem; à melhor luz do entendimento são primores que admiram.

As varas do poder, quando são muitas, elas mesmo se comem, como famintas sempre de maiores postos.

Assim como a alquimia por arte tudo converte em ouro, assim a obediência por natureza tudo transforma e converte em virtude.

Assim como a obediência é o compêndio e união de todas as virtudes, assim a desobediência é o dispêndio e destruição de todas.

Assim como há esperanças que tardam, há esperanças que vêm. (…) As esperanças que tardam tiram a vida; as esperanças que vêm, não só não tiram a vida, mas acrescentam os dias e os alentos dela.

Assim como o amor só com amor se conquista, assim não há amor tão forte, ou tão fortificado, que se não renda a outro amor.

Bem fora que pudera mais com os homens, a memória, que a esperança.

Brilhar com demasiado luzimento nas acções, mais estorva os aplausos do que os granjeia.

Cada um em seu juízo não se deve estimar mais que aquilo em que ele mesmo se avalia.

Coisa dificultosa é que homens tão derramados nas coisas exteriores, cheguem a se ver interiormente, como convém.

Como a fortuna (…) não costuma subir a ninguém por seus degraus, em faltando degraus para a descida, tudo hão-de ser precipícios.

Como é necessária a vigilância na guerra, é também preciso maior cuidado na paz.

Como na guerra não há coisa mais para estimar que o vencer, assim não há outra mais para temer que a mesma vitória.

Como o que há basta para a ambição dos presentes, não querem aventurar nada com a esperança, porque possuem o que nunca esperaram.

Como temo que os que condenam as coisas novas sejam aqueles que não podem dizer senão as muito velhas, e pode ser que muito remendadas!

Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente, mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos, com satisfação deles, foi impossível.

Considerai e medi bem os degraus, uns tão altos, outros tão baixos, por onde, tropeçando, ajoelhando e caindo, ou se perde a pretensão, ou se chega finalmente a tomar posse do lugar pretendido, e vereis quanto mais custa o alcançar que o merecer.

Crescer a grandeza que se não pode sustentar, é enfraquecer.

Das obras grandes ou pequenas, das acções generosas ou vis, cada um traz na própria cabeça a verdadeira medida.

De duas maneiras cega a fortuna, porque cega como luz e cega como fouce; com uma mão abraça e com outra corta; com a que abraça introduz a cegueira e com a que corta mostra o desengano.

De nenhuma coisa são mais avarentos os homens, que do louvor (…) de nenhuma são mais pródigos, que do desejo de receber.

De um erro nascem muitos, e sobre fundamento tão errado nunca houve edifício certo.

Dizem que temos valor (os portugueses), mas que nos falta dinheiro e união; e todos nos prognosticam os fados que naturalmente se seguem destas infelizes premissas.

Do sábio é próprio mudar o parecer.

Dores certas não se podem curar com remédios duvidosos.

Duas caras tem a inveja: uma com que no interior se entristece e outra com que no exterior se dissimula.

E assim como não há mármore nem bronze tão duro que, ferido do raio do sol, não responda ao mesmo sol com a reflexão do seu raio, assim não há coração tão de mármore na dureza, e tão de bronze na resistência, que, prevenido no amor, o não redobre e corresponda com outro.

É coisa tão dificultosa acomodar-se a trabalhar para viver, quem está costumado a outra vida, que esta mesma dificuldade é a que inventou a arte e artes de furtar.

É consequência própria e natural da inveja, perseguir os presentes e estimar os passados, matar os vivos e celebrar os mortos.

É empresa arriscada e inútil abraçar-se com quem se vai a perder.

É melhor que luzir em todo o tempo, o luzir somente a tempo; assim se enganam os olhos da inveja, e assim se concilia nos ânimos a estimação.

E que significa possuir a alma em vão, senão ser dotado de alma racional e não poder raciocinar?

É tão grande o sabor do alheio, é tal a doçura e suavidade do que se furta, que até pão e água, se é furtado, é manjar muito saboroso.

É verdade que muitas vezes tem maiores dificuldades o conservar, que o fazer, mas quem se gloria da feitura, não deve recusar o peso da conservação.

Em havendo olhos maus, não há obras boas.

Em nenhuma parte tanto como em Portugal se gasta tanto papel, ou se gasta tanto em papéis.

Em tempo em que só vale a lisonja, não podia parecer bem quem professa só a verdade.

Em todas as coisas há aumento, estado e declinação. O aumento pende do estado, mas a declinação sempre se origina do aumento.

Em todas as outras coisas o deixar de ser é sinal de que já foram; no amor o deixar de ser é sinal de nunca ter sido.

Em todos os parentes o amor é acidente que se pode mudar; no amigo fiel é essência, e por isso imutável.

Enfim, que neste jogo que o mundo chama da fortuna, não consta o ser má ou boa, senão no bom ou mau uso dela.

Enquanto os conselhos se não dão à execução, por mais conselhos e por mais decretos que haja, ainda se não tem dado princípio a nada.

Enquanto Portugal teve homens de “havemos de fazer” (que sempre os teve) não tivemos liberdade, não tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos homens de “quid facimus” (que fazemos), logo tivemos tudo.

Entre o conhecimento do bem e do mal há uma grande diferença: o mal conhece-se quando se tem e o bem quando se teve; o mal, quando se padece, o bem, quando se perde.

Entre todas as injustiças, nenhumas clamam tanto ao Céu como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres e as que não pagam o suor aos que trabalham.

Entregar o coração com os olhos abertos, é querer a vista por prémio do amor: entregar o coração com os olhos fechados, é não querer no amor nem o prémio da vista.

Esta é a injustiça da fama, que tanto desacredita com o presumido, como ofende com o verdadeiro.

Estar todo em todo e todo em qualquer parte é propriedade só dos espíritos; e assim está em nós a nossa alma.

Estude-se nos acontecimentos passados, que são a melhor regra para os acertos, porque, como os livros são mestres para a vida, são aqueles sucessos lição para os prudentes.

Fazer mais ostentosa a dignidade do que ela é em si, é afectar fortunas; e se lográ-las é motivo para a inveja, afectá-las é estímulo para o ódio.

Fé e liberalidade são virtudes sinónimas; e quem está duvidoso no dar, não está firme no crer.

Fiar-se só de si, e aconselhar-se só consigo, tem o perigo do amor-próprio; fiar-se só de outro, e aconselhar-se só com outro, tem o risco do interesse alheio.

Foram muito menos os danos em que caíram os homens por lhes faltar a notícia do passado, que aqueles que cegamente se precipitaram pela ignorância do futuro.

Grande miséria é que não bastem os serviços, o amor e a verdade para conservar a graça dos príncipes e que baste a calúnia para se perder.

Grandes males não se curam senão com grandes remédios, e estes não se aplicam sem grande resolução.

Há casos em que a felicidade consiste não em se achar o que se busca e deseja, senão em se não achar.

Há casos em que por pedir licença se perdem as mais gloriosas acções.

Há homens que são como as velas; sacrificam-se, queimando-se para dar luz aos outros.

Humildade essencialmente é o conhecimento da própria dependência, da própria imperfeição e da própria miséria.

Ingratidão que desama, grande ingratidão é, mas a ingratidão que chega a desconhecer, é a maior de todas.

Instruir é construir.

Lembra-te, homem, que és pó levantado e hás-de ser pó caído.

Luzir português entre portugueses, e muito menos luzir com a sua luz, é coisa muito dificultosa na nossa terra.

Maior a utilidade que podemos e devemos tirar do conhecimento das coisas futuras, que da notícia das passadas.

Mais afronta a mesura de um adulador, que uma bofetada de um inimigo.

Mais aptos e capazes são dos grandes lugares os que pretendidos os recusam, que os que ambiciosos os pretendem.

Mais arriscada foi sempre a boa que a má fama, porque as grandes prendas são muito ruidosas, e muitas vezes foi reclamo para o perigo mais certo o mais estrondoso ruído.

Mais dá quem despreza o que espera, que quem dá o que possui.

Mais dificultoso é ganhar pouco com pouco, que muito com muito.

Mais fácil é unir distâncias, que casar opiniões e entendimentos.

Mais para temer é um homem desarmado, com entendimento, que todas as feras armadas, sem ele.

Mais se conquistam os reinos com a guerra civil dos próprios, que com a guerra viva dos estranhos.

Mais se dedicam as lisonjas ao interesse de quem as obra, do que ao decoro de quem as admite.

Mais temo eu a Portugal os perigos da opulência, que os danos da necessidade.

Mal é dizer mal, mas depois de o haverdes dito, dizerdes ainda que dizeis bem, é um mal maior sobre outro mal, porque é estar obstinado nele.

Meditar não é outra coisa que cuidar um homem no que lhe importa ou deseja e nenhum há que não medite.

Melhor fora não intentar que não conseguir; nem desejar os fins se não se hão-de aplicar os meios.

Melhor será arrepender agora, que quando o mal passado não tenha remédio.

Muitas vezes a mentira hoje no mundo é mais poderosa que a verdade.

Muito à pressa vive o que tudo quer lograr de uma só vez.

Muito mais custa abrir a boca para pedir, que fechá-la para calar.

Muito mais faz quem pede para dar, do que quem dá o que tem.

Muito mais para temer é o inimigo oculto e dissimulado, que descoberto.

Muito tempo há que a mentira se tem posto em pés de verdade, ficando a verdade sem pés e com dobradas forças a mentira.

Muitos cuidam da reputação, mas não da consciência.

Muitos diferentes visos fazem as acções generosas aos olhos da inveja, conforme a luz a que se opõe, e logo se vêem com agrados ou com defeitos.

Muitos não têm o coração dentro em si, senão fora de si e muito longe. Fora de si, porque não cuidam em si e muito longe de si, porque todos os seus cuidados andam só atentos e aplica­dos às coisas temporais e mundanas que amam.

Muitos neste mundo alcançam os cargos só pelo merecimento do seu vestido.

Na mesa onde se frequentar muito o jogo, cedo faltará o comer.

Nada receia perder, quem nada espera interessar.

Não basta que as coisas que se dizem sejam grandes, se quem as diz não é grande.

Não basta que as coisas que se dizem sejam grandes, se quem as diz não é grande. Por isso os ditos que alegamos se chamam autoridade, por que o autor é o que lhe dá o crédito e lhe concilia o respeito.

Não basta ver para ver, é necessário olhar para o que se vê.

Não creio nem crerei nunca a quem pode o que quer enquanto não quiser o que pode.

Não crer é ter o entendimento cego e obstinado; crer uma coisa e obrar outra, é totalmente não ter entendimento.

Não depende a grandeza, para a ruína, mais que de si mesma.

Não descuidar da sucessão, é reconhecer a mortalidade.

Não devemos condenar os amigos pela informação dos inimigos.

Não é amante quem morre porque amou, senão quem amou para morrer.

Não é de heróis a vingança.

Não está o erro em desejarem os homens ser, mas está em não desejarem ser o que importa.

Não há alegria neste mundo tão privilegiada, que não pague pensão à tristeza.

Não há amor que mais facilmente perdoe, e mais benignamente interprete e dissimule defeitos, que o amor de pai.

Não há coisa boa sem contradição, nem grande sem inveja.

Não há coisa que mais sintam os pais do que os castigos e penas dos filhos e descendentes.

Não há coisa que tanto mude as feições, como a fortuna.

Não há coisa tão preciosa, e tão útil, que continuada não enfade.

Não há inocência que esteja segura de um falso testemunho.

Não há leis tão justas e leves que não necessitem de quem as faça executar e guardar.

Não há poder maior no mundo que o do tempo: tudo sujeita, tudo muda, tudo acaba.

Não pode haver maior cegueira, nem mais cega, que ser um homem cego, e cuidar que o não é.

Não pode haver modo melhor de conhecer a desigualdade das forças que medindo-as.

Não se fazerem mercês, é faltar com o prémio à virtude; fazerem-se, é semear benefícios para colher queixas.

Não se há-de estar tão casado com o amor-próprio, que todos os partos do entendimento, por serem filhos próprios, pareçam formosos.

Não sei qual é a maior tentação, se a necessidade, se a cobiça.

Não só vos condenam os homens pelo que vós nunca imaginastes, mas condenam-vos pelo que nem eles imaginam de vós.

Não ver nada, é privação; ver uma coisa por outra é erro.

Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem.

Necessário é logo que haja prémios, para que haja soldados.

Nem todos os futuros são para desejar, porque há muitos futuros para temer.

Nenhum homem há que não dê pelo pão e ao pão todo o seu cuidado.

Nenhum segredo é segredo perfeito, senão o que passa a ser ignorância, porque o segredo que se sabe, pode-se dizer, o que se ignora, não se pode manifestar.

Nenhum segue mais leis que as da conveniência própria. Imaginar o contrário é querer emendar o mundo, negar a experiência e esperar impossíveis.

Nenhuma coisa desengana a quem quer enganar-se.

Nenhuma coisa deste mundo pára ou permanece, todas passam.

Nenhuma coisa se pode prometer à natureza humana mais conforme a seu maior apetite, nem mais superior a toda a sua capacidade, que a notícia dos tempos e sucessos futuros.

Nenhuma coisa trazemos os homens mais esquecida e desconhecida, nenhuma trazemos mais detrás de nós, que a nós mesmos.

Ninguém se contenta com a estatura que Deus lhe deu, e não há homem tão pigmeu ou tão formiga, que não aspire a ser gigante.

No golfo de uma privança, nunca o perigo é mais certo, que quando a fortuna é mais próspera.

No homem o poder é pouco e limitado, e o querer, sempre insaciável e sem limite.

Nós (portugueses) temos a nossa desunião, a nossa inveja, a nossa presunção, o nosso descuido e a nossa perpétua atenção ao particular.

Nos grandes são mais avultados os erros, porque erram com grandeza e ignoram com presunção.

Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos apenas duramos.

Nunca se empregam os homens na luz que vêem, senão nos defeitos que a luz lhes mostra.

O amor acredita-se no supérfluo: quem ama pouco, contenta-se com o que basta: quem ama muito, contenta-se com o que sobeja; e quem ama mais que muito, nem com o que basta nem com o que sobeja se contenta, ainda sobe mais, ainda passa mais adiante.

O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor.

O amor depois da perda vê-se na dor; antes dela, no receio.

O amor é o preceito; a correspondência, a obrigação; o amar, império; o ser amado, obediência.

O amor em matéria de ausência, se é sofrido, não é grande; se não é impaciente, não é amor.

O amor essencialmente é união e a união não pode unir um extremo, sem que una também o outro.

O amor essencialmente é união, e quanto mais une ou procura unir os que se amam, tanto maiores efeitos tem, e tanto maiores afectos mostra de amor.

O amor fino não busca causa nem fruto. E não pode haver mais fino nem mais provado amor que aquele que entrega o coração e fecha os olhos. Entregar o coração com os olhos abertos é querer a vista por prémio do amor; entregar o coração com os olhos fechados é não querer no amor nem o prémio da vista.

O amor não é união de lugares, senão de vontades; se fora união de lugares, pudera-o desfazer a distância, mas como é união de vontades, não o pode esfriar a ausência.

O amor perfeito, e que só merece o nome de amor, vive imortal sobre a esfera da mudança, e não chegam lá as jurisdições do tempo.

O amor pesa-se na balança da paciência: padecer menos, é amar menos; padecer mais, é amar mais.

O amor sempre é amoroso, mas umas vezes é amoroso e unitivo, outras vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, ajunta os extremos mais distantes; enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos.

O avarento chama pródigo ao liberal; o covarde temerário ao valente; o distraído hipócrita ao modesto; e cada um condena o que não tem, por não confessar o que lhe falta.

O bem ou é presente, ou passado, ou futuro: se é presente, causa gosto; se é passado, causa saudade; se é futuro, causa desejo.

O certo é que toda a fortuna tem jurisdição no amor: se é adversa, ninguém vos ama; se é próspera, a ninguém amais.

O efeito da memória é levar-nos aos ausentes, para que estejamos com eles, e trazê-los a eles a nós, para que estejam connosco.

O entendimento acha o que há; a vontade acha o que quer.

O erro por que muitas vezes se não acertam as eleições dos ofícios, é porque se buscam os homens grandes nas casas grandes, e eles estão escondidos nas casas pequenas.

O fim para que os homens inventaram os livros foi para conservar a memória das coisas passadas contra a tirania do tempo e contra o esquecimento dos homens, que ainda é maior tirania.

O fruto, quando está maduro, se se não colhe, cai e apodrece. Não está a felicidade em viver muito, senão em viver bem.

O homem incapaz de julgar, por um lado, nem vê o que é melhor nem o aprova; por outro, aprova o que é pior e segue-o como se fosse o melhor.

O ingrato não só esteriliza os benefícios, senão também o benfeitor: esteriliza os benefícios, porque os paga com ingratidões e esteriliza o benfeitor, porque vendo o benfeitor que se pagam com ingratidões os seus benefícios, cessa, e não os quer continuar.

O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive.

O livro visto por fora, não mostra nada; por dentro está cheio de mistérios.

O livro, sendo o mesmo para todos, uns percebem dele muito, outros pouco, outros nada.

O maior pensar da criatura humana é comer; desde que o homem nasce até que morre anda a procurar o pão para a boca.

O mal não está em ser tentado, está em ser vencido.

O melhor modo de pedir é agradecer.

O merecimento da esmola não consiste em que a comam aqueles para quem a dais, senão em que vós a deis para que eles a comam.

O merecimento sempre foi mal visto dos invejosos; são os olhos da inveja os que dão quebranto às acções generosas, que, como de cristal, estalam ao lume dos mesmos olhos que as vêem.

O não ter respeito a alguns, é procurar, como a morte, a universal destruição de todos.

O ofício e obrigação dos poetas não é dizerem as coisas como foram, mas pintarem-nas como haviam de ser ou como era bem que fossem.

O ofício há-de transformar-se em natureza, a obrigação há-de converter-se em essência, e devem os homens deixar o que são, para chegarem a ser o que devem.

O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem nem o entendimento o alcança.

O primeiro efeito, ou consequência, da necessidade é o desprezo da honra; o segundo, a destruição da virtude.

O que dá e tira os reinos do mundo é o direito das armas.

O que se põe em questão e disputa, igualmente se põe em dúvida; e quem duvida da sua fé, qualquer que seja, já é herege dela.

O querer e o poder, se divididos são nada, junto e unidos são tudo.

O retractar-se não é argumento de não saber, mas de saber que muitas vezes pode acertar o menos douto no que o mais letrado não advertiu.

O ruído que faz a grande fama também faz com que o grande seja de todos roído, quando nas asas da fama se vê mais sublimado.

O Sol pode fazer dias longos: dias grandes só os fazem e podem fazer as acções.

O tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade.

O tempo umas coisas melhora e outras corrompe.

O tudo deste mundo e do outro é a alma, não é o mundo.

O uso de ver tem fim com a vida, o apetite de ser visto não acaba com a morte.

Obra-se mal não só quando se obra, nem só quando se aconselha, senão também quando se permite.

Oh, se os livros falassem, quantas ignorâncias haviam de dizer que consultam com eles de noite, os que de dia se publicam grandes letrados.

Onde há muito em que eleger, não pode haver pouco sobre que duvidar.

Ordinariamente vemos grandes resplendores, onde não há luz, e grandes luzes sem nenhum resplendor.

Os afectos da nossa alma, se são extremamente intensos, ateiam-se pela vizinhança ao corpo, chegando o corpo a padecer por enfermidade o que a alma padece por sentimento.

Os ânimos desejosos de fazer bem, mais os lisonjeia quem lhes pede, que quem os louva.

Os bens que mais nascem do ânimo que da fortuna, melhor se asseguram, porque aqueles guardam-se no peito, e estes cansam os ombros.

Os bons anos não os dá quem os deseja, senão quem os assegura.

Os brutos distinguem-se dos homens, em que os homens se governam pelo entendimento, e os brutos pelos sentidos.

Os dois nervos da guerra são gente e dinheiro.

Os exemplos dos tempos passados costumam ser as regras e documentos para os presentes e futuros.

Os governos são para fazer bem com o pão próprio, e não para acrescentar os bens com o pão alheio.

Os homens costumam conhecer nos outros, não a pessoa, senão a fortuna.

Os homens não amam o que cuidam que amam.

Os homens quando testemunham de si mesmos, uma coisa é o que são, e outra coisa é o que dizem.

Os impérios e reinos não os dá nem os defende a espada da justiça, senão a justiça da espada.

Os inimigos da campanha podem-se vencer uma e muitas vezes, os da nossa corte são invencíveis; aqueles com as vitórias vão-se diminuindo, estes com elas crescem mais.

Os inimigos que mais temo a Portugal são soberba e ingratidão, vícios tão naturais da próspera fortuna que, como filhos da víbora, juntamente nascem dela e a corrompem.

Os ladrões são casta de gente em que se emprega melhor o castigo do que se pode esperar a emenda.

Os mais felizes reinos não são aqueles que têm as mais bem entendidas cabeças, senão aqueles que têm as mais bem entendidas mãos.

Os martírios vistos de perto são muito mais feios que de longe.

Os modos de guerrear são tantos, quantos tem inventado o amor para a defesa própria, e o ódio para a ruína do inimigo.

Os muros, como o cinto, não são muros enquanto se não fecham.

Os olhos da inveja nunca vêem sem dar olhado.

Os outros lugares, quanto mais altos, tanto menos segurança têm, e a sua mesma altura é o prognóstico certo da sua ruína.

Os Portugueses não se contentam com se lhes dar o pão partido; há-se-lhes de dar todo o pão, sob pena de não ficarem contentes. Daqui se segue que nunca é possível que o estejam.

Os que cuidam que tudo sabem necessitam de mais advertências, porque erram mais torpemente; por isso necessitam de mais conselhos, porque presumem que de nada carecem, cegueira em que os mais advertidos tropeçam.

Os que pela experiência do que têm visto crêem o que está prometido, vê-lo-ão, porque são dignos de o verem; os que não crêem, ou não querem crer, a sua mesma incredulidade será a sua sentença e já que o não creram, não o verão.

Os textos são da justiça, as interpretações podem ser da lisonja.

Os vícios nunca nos fartam, a virtude logo nos enfastia.

Para aprender não basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro.

Para conseguir efeitos grandes, e para levar a cabo empresas dificultosas, mais segura é uma ignorância bem aconselhada, que uma ciência presumida.

Para falar ao vento bastam palavras, para falar ao coração são necessárias obras.

Para não mentir, não é necessário ser santo, basta ser honrado, porque não há coisa mais afrontosa, nem que maior horror faça a quem tem honra, que o mentir.

Para ver com uma candeia, não basta só que a candeia esteja acesa, é necessário também que a distância seja proporcionada.

Pelo que fizeram, se hão-de condenar muitos, pelo que não fizeram, todos.

Perguntado a um grande filósofo, qual era a melhor terra do mundo, respondeu a mais deserta, porque tinha os homens mais longe.

Pior é uma verdade diminuída que uma mentira muito declarada.

Pois, o que é ignorar invencivelmente senão ignorar e não conseguir saber? E o que é a ignorância invencível senão a ignorância acompanhada da incapacidade de saber aquilo que se ignora?

Por mais que sejam muitos os notadores dos livros, são muito mais os que no mundo vivem notados.

Porque é timbre da nossa nação (Portugal), tanto que sai à luz quem pode luzir, tragá-lo logo, para que não luza.

Porque importa pouco o ter tomado, se se não conservar o que se tomou.

Pouco conhece a riqueza da saúde, quem cuida que por algum preço pode ser cara, quanto mais caríssima.

Pouco fez, ou baixamente avalia as suas acções, quem cuida que lhas podiam pagar os homens.

Prudência é o saber acomodar, para melhor luzir e viver.

Quaisquer meios são mortos se não forem activamente postos em acção por vivos e fortes instrumentos aptos para operar.

Quando as dores são iguais, sentem-se todas; quando uma é maior, suspende as outras.

Quando julgamos os outros, condenamo-nos a nós.

Quando o amor deixa de ser credor, só então é pobre. Finalmente, ser tão grande o amor que se não possa pagar, é a maior glória de quem ama…

Quando o propósito do arrependimento se ajunta com a resolução do pecado, nem é arrependimento nem é propósito, porque a resolução de pecar contradiz o propósito da emenda, e o pecado presente desfaz o arrependimento futuro.

Quando se procede contra partes não ouvidas, ainda que se pronuncie o que é justiça, sempre se procede sem justiça.

Quanto é mais eficaz e poderosa para mover os ânimos dos homens a esperança das coisas próprias, que a memória das alheias?

Quanto maior é na cabeça o esvaecimento, vem a ser mais no coração a fraqueza.

Quanto o bem desejado está mais vizinho, tanto é maior o desejo.

Que cousa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo?

Que não crerá o amor, quando se lhe promete o que deseja muito!

Quem ama porque o amam, é agradecido; quem ama para que o amem, é interesseiro; quem ama, não porque o amam nem para que o amem, esse só é fino.

Quem busca o desengano tarde, não se desengana.

Quem diz o que entende, tão fora está de mentir, que antes mentiria se fizesse o contrário.

Quem em tudo quer parecer maior, não é grande.

Quem hoje se atreveu ao criado, amanhã se atreverá ao senhor.

Quem levanta muita caça e não segue nenhuma, não é muito que se recolha de mãos vazias.

Quem não dá todos os dias do ano, não dá o ano, dá partes dele somente.

Quem não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar.

Quem não pergunta por ignorância, pergunta por gosto.

Quem não tem poder não tem amigos.

Quem nas asas da fama voa também padece, porque não há asas sem penas, ainda que estas sejam as plumagens com que o benemérito se adorna.

Quem padece muito pelo que muito ama, a sua cruz é a sua glória.

Quem pode mostrar em sua mão os despojos, sempre tem por si a presunção da vitória.

Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem.

Quem quer mais que lhe convém, perde o que quer e o que tem.

Quem quiser apurar os quilates do amor, toque o amor do que se ama com o amor do que se deixa, e logo conhecerá quão fino é.

Quem se confessa por réu, não lhe fazem agravo as testemunhas.

Quem só dá aos particulares, diminui o poder, porque se faz senhor de poucos.

Quem tem muito dinheiro, por mais inepto que seja, tem talentos e préstimo para tudo; quem o não tem, por mais talentos que tenha, não presta para nada.

Quem tem seis asas e voa só com duas, sempre voa e canta. Quem tem duas asas e quer voar com seis, cansará logo e chorará.

Queremos ir ao Céu, mas não queremos ir por onde se vai para o Céu.

Saudar com os iguais é acto de amizade, com os maiores de urbanidade, e com todos de humanidade.

Se as dores inconsoláveis podem ter alguma consolação e alívio, é a semelhança ou companhia de outrém, que as padeça iguais.

Se não quero fazer companhia, arrisco-me a ficar só. Se quero ser amigo de todos, arrisco-me a ter todos por inimigos.

Se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o passado, segue-se que no passado e no futuro se vê o presente, porque o presente é futuro do passado, e o mesmo presente é o passado do futuro.

Se nos vendemos tão baratos, porque nos avaliamos tão caros?

Se o só não terá quem o levante, também não terá quem o derrube. E maior felicidade é carecer do perigo de quem me derrube, que haver mister o socorro de quem me levante.

Se um homem está verdadeiramente arrependido, se conhece verdadeira e profundamente as suas culpas, nunca ninguém dirá dele tanto mal, que ele se não julgue por muito pior.

Seja o futuro emenda do passado, e o que há-de ser, satisfação do que foi.

Sem igualdade e igualdade com todos, não há paz.

Sempre se deram as mãos a ruína e a felicidade.

Sempre se deve antes escolher paz do que guerra, principalmente quando na guerra é tão certa a ruína.

Sendo a glória o fim e a graça o meio de a conseguir, antepor a graça à glória e o meio ao fim, não só parece dissonância, senão desordem manifesta.

Sendo muito poucos no mundo os homens que podem luzir, aqueles diante dos quais se possa luzir, ainda são muito menos.

Sendo tão natural ao homem o desejo de ver, o apetite de ser visto é muito maior.

Só a necessidade há-de obrigar à guerra, mas a vontade sempre há-de desejar a paz.

Só no que sobeja se segura o que basta.

Só quem tem por natureza o mais, tem confiança para se chamar o menos.

Só se sabe querer bem, quem se sabe livrar de si.

Sobre presunções não assenta bem alguma condenação de direito, principalmente quando é grave.

Tanto depende o que se diz da autoridade de quem o diz.

Tanto foi em todas as idades do mundo e tanto é hoje, na curiosidade humana, o apetite de conhecer o futuro!

Tanto são maiores finezas, quanto mais ocultas, porque fazer o benefício e esconder a mão, assim como é maior generosidade, assim é maior fineza.

Tem o interesse olhos de multiplicar, ou as dignidades a que anela, ou as riquezas a que aspira, parecendo-lhe sempre mais do que são, porque estão inficcionados com o achaque da cobiça.

Todo o relógio perfeito não só dá horas, mas tem um braço mostrador com que as aponta.

Todos atiram ao alvo e poucos acertam, porque o acertar é de uma só vez, e o errar é de muitas.

Todos imos embarcados na mesma nau, que é a vida, e todos navegamos com o mesmo vento, que é o tempo.

Todos os que na matéria de Portugal se governaram pelo discurso, erraram e se perderam.

Todos querem mais do que podem, nenhum se contenta com o necessário, todos aspiram ao supérfluo, e isto é o que se chama luxo.

Três mais há neste mundo pelos quais anelam, pelos quais morrem e pelos quais matam os homens: mais fazenda; mais honra; mais vida.

Três mais há neste mundo, pelos quais suspiram, pelos quais anelam, pelos quais morrem, e pelos quais se matam os homens: mais fazenda, mais honra, mais vida.

Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma, porém o primeiro rendido é o entendimento.

Um grande delito muitas vezes achou piedade; um grande merecimento nunca lhe faltou a inveja.

Uma das potências da alma é o entendimento, o qual nunca aumenta e cresce, senão quando já desfalece o corpo; amostra desta verdade é a experiência, pois nunca os homens se vêem mais avultados no entendimento, senão quando muito crescidos nos anos, e para se aumentar aquela potência da alma, parece que com os muitos anos necessariamente se hão-de desfazer as forças do corpo.

Uma velhice enganada é a maior sem-razão do tempo: uma mocidade desenganada, é a maior vitória da razão.

Uns se conservam pelo que foram, outros pelo que são.

Vemos que todo este mundo é vaidade, que a vida é um sonho, que tudo passa, que tudo acaba, e que nós havemos de acabar primeiro que tudo, e vivemos como se fôramos imortais, ou não houvera eternidade.

Vencer é avantajar-se, competir é medir-se.

Viver do próprio a pão e água é a maior penitência: viver do alheio, ainda que seja a pão e água, é grande regalo. Tão saboroso bocado é o alheio!

Citações de Marquês de Maricá

A actividade sem juízo é mais ruinosa que a preguiça.

A alegria do pobre, ainda que menos durável, é sempre mais intensa que a do rico.

A ambição é um enredo que nos enreda por toda a vida.

A ambição sujeita os homens a maior servilismo do que a fome e a pobreza.

A amizade mais perfeita e mais durável é somente aquela que contraímos com o nosso interesse.

A aura popular é como a fumaça, que desaparece em poucos instantes.

A autoridade de poucos é e será sempre a razão e argumento de muitos.

A avareza contribui muito para a longevidade, pela dieta e abstinência.

A beleza é uma letra que se vence à vista, a sabedoria tem o seu vencimento a prazos.

A beneficência da vaidade é algumas vezes mais profusa que a da virtude.

A beneficência é sempre feliz e oportuna quando a prudência a dirige e recomenda.

A celebridade, que custa pouco, tem pequeno fulgor e duração.

A civilidade é uma impostura indispensável, quando os homens não têm as virtudes que ela afecta, mas os vícios que dissimula.

A cobardia, aviltando, preserva frequentes vezes a vida.

A companhia dos livros dispensa com grande vantagem a dos homens.

A constância nas nossas opiniões seria geralmente embaraço e oposição ao progresso e melhoramento da nossa inteligência.

A credulidade e confiança de muitos tolos faz o triunfo de uns poucos velhacos.

A democracia é como a tesoura do jardineiro, que decota para igualar; a mediocridade é o seu elemento.

A dialética do interesse é quase sempre mais poderosa que a da razão e consciência.

A dissimulação algumas vezes denota prudência, mas ordinariamente fraqueza.

A duração de um bem não assegura a sua perpetuidade.

A esperança descobre recursos, a desesperação os renuncia.

A experiência que não dói pouco aproveita.

A falsa ciência não aumenta o nosso saber, agrava a nossa ignorância.

A familiaridade tira o disfarce e descobre os defeitos.

A filosofia desagrada, porque abstrai e espiritualiza; a poesia debita, porque materializa e figura todos os seus objectos. Quereis persuadir e dominar os homens, falai à sua imaginação, e confiai pouco na sua razão.

A filosofia não entorpece a sensibilidade, quando muito pode chegar a regulá-la.

A força é hostil a si própria, quando a inteligência a não dirige.

A força sem inteligência é como o movimento sem direcção.

A fruição desencanta muitos bens e prazeres sensuais, que a imaginação, os desejos e as esperanças figuravam encantadores.

A harmonia da sociedade, como da natureza, consiste e depende da variedade e antagonismo dos seus elementos e carácteres.

A herança dos sábios tem sempre maior extensão e perpetuidade que a dos ricos: compreende o género humano, e alcança a mais remota posteridade.

A ignorância dócil é desculpável, a presumida e refractária é desprezível e intolerável.

A ignorância pasma ou espanta-se, mas não admira.

A ignorância que deverá ser acanhada, conhecendo-se, é audaz e temerária quando não se conhece.

A ignorância tem os seus bens privativos, como a sabedoria os seus males peculiares.

A ignorância vencível no homem é limitada, a invencível infinita.

A ignorância, exagerando a nossa pouca ciência, promove a nossa grande vaidade.

A ignorância, lidando muito, aproveita pouco: a inteligência, diminuindo o trabalho, aumenta o produto e o proveito.

A igualdade repugna de tal modo aos homens que o maior empenho de cada um é distinguir-se ou desigualar-se.

A imaginação é o paraíso dos afortunados, e o inferno dos desgraçados.

A imaginação exagera, a razão desconta, o juízo regula.

A impaciência, quando não remedeia os nossos males, agrava-os.

A imperfeição é a causa necessária da variedade nos indivíduos da mesma espécie. O perfeito é sempre idêntico e não admite diferenças por excesso ou por defeito.

A impunidade é segura, quando a cumplicidade é geral.

A inconstância humana é o produto necessário das variações da natureza, das circunstâncias e dos eventos.

A incredulidade que é da moda nas pessoas jovens, torna-se o seu tormento na velhice.

A indiferença ou apatia que em muitos é prova de estupidez pode ser em alguns o produto de profunda sapiência.

A ingratidão dos povos é mais escandalosa que a das pessoas.

A intemperança da língua não é menos funesta para os homens que a da gula.

A intolerância irracional de muitos escusa ou justifica a hipocrisia ou dissimulação de alguns.

A intriga que alcança os empregos não habilita para bem servi-los.

A inveja de muitos anuncia o merecimento de alguns.

A inveja, que abrevia ou suprime os elogios, é sempre minuciosa e prolixa na sua crítica e censura.

A liberdade é a que nos constitui entes morais, bons ou maus; é um grande bem para quem tem juízo; e para quem o não tem, um mal gravíssimo.

A liberdade que nunca é suficiente para os maus é sempre sobeja para os bons.

A má educação consiste especialmente nos maus exemplos.

A maior parte dos males e misérias dos homens provêm, não da falta de liberdade, mas do seu abuso e demasia.

A maledicência é uma ocupação e lenitivo para os descontentes.

A maledicência pode muitas vezes corrigir-nos, a lisonja quase sempre nos corrompe.

A memória dos velhos é menos pronta, porque o seu arquivo é muito extenso.

A mocidade é a estação da felicidade sensual, a velhice, a da moral e intelectual.

A mocidade é temerária; presume muito porque sabe pouco.

A mocidade é um sonho que deleita, a velhice uma vigília que incomoda.

A mocidade expande-se para conhecer o mundo e os homens, a velhice contrai-se por havê-los conhecido.

A mocidade viciosa faz provisão de achaques para a velhice.

A moda determina as opiniões de muita gente.

A moderação em muitos homens é o reconhecimento da própria fraqueza ou mediocridade.

A modéstia doura os talentos, a vaidade os deslustra.

A morte anula sempre mais planos e projectos do que a vida executa.

A morte de um avarento equivale à descoberta de um tesouro.

A morte que desordena muitas coisas, coordena muitas outras.

A morte que tira a importância a todos, confere-a a muito poucos.

A mudança rápida da temperatura do ar não é mais funesta à saúde individual do que a das opiniões políticas à tranquilidade das nações.

A nossa imaginação gera fantasmas que nos espantam durante toda a nossa vida.

A novidade incomoda os velhos, a uniformidade os moços.

A obstinação nas disputas é quase sempre efeito do nosso amor-próprio: julgamo-nos humilhados se nos confessamos convencidos.

A opinião da nossa importância nos é tão funesta como vantajosa e segura a desconfiança de nós mesmos.

A opinião pública é sempre respeitável, não pelo seu racionalismo, mas pela sua omnipotência muscular.

A opinião pública é sujeita à moda, e tem ordinariamente a mesma consistência e duração que as modas.

A opinião que domina é sempre intolerante, ainda quando se recomenda por muito liberal.

A paciência dispensa a resistência e a reacção.

A paciência em muitos casos não é mais senão medo, preguiça ou impotência.

A paixão da leitura é a mais inocente, aprazível e a menos dispendiosa.

A pobreza e a preguiça andam sempre em companhia.

A pobreza não tem bagagem, por isso marcha livre e escuteira na viagem da vida humana.

A preguiça dificulta, a actividade tudo facilita.

A preguiça enfada e quebranta mais que o trabalho regular.

A preguiça gasta a vida, como a ferrugem consome o ferro.

A prudência é uma arma defensiva que supre ou desarma todas as outras.

A razão destrói nos homens as criações da sua própria imaginação.

A razão dos filósofos é muitas vezes tão extravagante como a imaginação dos poetas.

A razão é escrava quando a fé e autoridade são senhoras.

A razão prevalece na velhice, porque as paixões também envelhecem.

A razão também tiraniza algumas vezes, como as paixões.

A razão, sem a memória, não teria materiais com que exercer a sua actividade.

A religião amansa os bravos e alenta os fracos.

A religião supre o juízo e a razão que falta em muita gente.

A riqueza doura a sabedoria e os talentos, mas não os constitui.

A riqueza não acompanha por muito tempo os viciosos.

A sabedoria é geralmente reputada como pobre, porque não se podem ver os seus tesouros.

A sabedoria é sintética; ela expressa-se por máximas, sentenças e aforismos.

A sabedoria humana, bem ponderada, vale sempre menos do que custa.

A sabedoria indigente é menos invejada que a ignorância opulenta.

A sinceridade é muitas vezes louvada, mas nunca invejada.

A sinceridade imprudente é uma espécie de nudez que nos torna indecentes e desprezíveis.

A solidão liberta-nos da sujeição das companhias.

A tirania não é menos arriscada para o opressor, do que penosa para o oprimido.

A vaidade de muita ciência é prova de pouco saber.

A vaidade é talvez um grande condimento da felicidade humana.

A velhice reflexiva é um grande armazém de desenganos.

A verdade é tão simples que não deleita: são os erros e ficções que pela sua variedade nos encantam.

A vida a uns, a morte confere celebridade a outros.

A vida humana é uma intriga perene, e os homens são recíproca e simultaneamente intrigados e intrigantes.

A vida humana parece de algum modo tríplice, quando reflectimos que vivemos e sentimos em três tempos, no pretérito, presente e no futuro.

A vida humana seria incomportável sem as ilusões e prestígios que a circundam.

A vida reluz nos olhos, a razão nas palavras e acções dos homens.

A vida tem uma só entrada: a saída é por cem portas.

A vingança comprimida aumenta em violência e intensidade.

A vingança do sábio desatendido ou maltratado é o silêncio.

A virtude diviniza-nos, o vício embrutece-nos.

A virtude é comunicável, mas o vício contagioso.

A virtude é o maior e mais eficaz preservativo dos males da vida humana.

A virtude remoça os velhos, o vicio envelhece os moços.

A virtude resplandece na adversidade, como o incenso reacende sobre as brasas.

A vitória de uma facção política é ordinariamente o princípio da sua decadência pelos abusos que a acompanham.

Achar em tudo desordem é prova de supina ignorância; descobrir ordem e sistema em tudo é demonstração de profundo saber.

Admiramo-nos do que é raro, ou singular, tanto no mal como no bem.

Adular os tolos é um meio ordinário de os desfrutar; os velhacos empregam-no eficazmente.

Afectamos desprezar as injúrias que não podemos vingar.

Afectamos desprezar os bens que não podemos conseguir.

Aflige-nos a glória alheia contrastada com a nossa insignificância.

Agrada-nos o homem sincero, porque nos poupa o trabalho de o estudarmos para o conhecermos.

Ainda que perdoemos aos maus, a ordem moral não lhes perdoa, e castiga a nossa indulgência.

Amamo-nos sempre em tudo o que mais amamos fora de nós.

Amamo-nos sobre tudo, e aos outros homens por amor de nós.

Ambicionando o louvor e admiração dos outros homens, provocamos frequentes vezes a sua inveja e aversão.

Ambos se enganam, o velho quando louva somente o passado, o moço quando só admira o presente.

Amigos há de grande valia, que todavia não podem fazer-nos outro bem, senão impedindo pelo seu respeito que nos façam mal.

Aprovamos algumas vezes em público por medo, interesse ou civilidade, o que internamente reprovamos por dever, consciência ou razão.

Aproveita muito subir aos maiores empregos do Estado, para nos desenganarmos da sua vanglória e inanidade.

Aquele que se envergonha ainda não é incorrigível.

Arguimos a vaidade alheia porque ofende a nossa própria.

As circunstâncias ordinariamente nos dominam, poucas vezes nos obedecem.

As crenças religiosas fixam as opiniões dos homens, as teorias filosóficas perturbam-nas e confundem.

As desgraças que vigoram os homens probos e virtuosos, enervam e desalentam os maus e viciosos.

As esperanças, quando se frustram, agravam mais os nossos infortúnios.

As grandes livrarias são monumentos da ignorância humana. Bem poucos seriam os livros se contivessem somente verdades. Os erros dos homens abastecem as estantes.

As ideias novas são para muita gente como as frutas verdes que travam na boca.

As nossas necessidades unem-nos, mas as nossas opiniões separam-nos.

As opiniões de um século causam riso ou lástima em outros séculos.

As paixões são como os vidros de graus, que alteram para mais ou para menos a grandeza e volume dos objectos.

As revoluções frequentes fazem raquíticas as nações recentes.

As revoluções, que regeneram as nações velhas, arruinam e fazem degenerar as novas.

As verdades mais triviais parecem novas quando se enunciam por um modo mais elegante e desusado.

As virtudes são económicas, mas os vícios dispendiosos.

As virtudes são racionais, os vícios sensualistas.

As virtudes se harmonizam, os vícios discordam sempre entre si.

Bem curta seria a felicidade dos homens se fosse limitada aos prazeres da razão; os da imaginação ocupam os maiores espaços da vida humana.

Capitulamos quase sempre com os nossos males, quando os não podemos evitar ou remover.

Com pouco nos divertimos, com muito menos nos afligimos.

Com trabalho, inteligência e economia só é pobre quem não quer ser rico.

Como a luz numa masmorra faz visível todo o seu horror, assim a sabedoria manifesta ao homem todos os defeitos e imperfeições da sua natureza.

Como o espaço compreende todos os corpos, a ambição abrange todas as paixões.

Como os sábios não adulam os povos, estes também não os promovem.

Condenamos por ignorantes as gerações pretéritas, e a mesma sentença nos espera nas gerações futuras.

Custa menos ao nosso amor-próprio caluniar a sorte, do que acusar a nossa má conduta.

De nada vale a celebridade, quando os grandes crimes também a conseguem.

Deixamos de subir alto quando queremos subir de um salto.

Descontentes de tudo, só nos contentamos com o nosso próprio juízo, por mais limitado que seja.

Desejamos que prosperem as pessoas de cuja prosperidade esperamos participar por algum modo, e receamos a elevação daquelas cujas intenções não nos são favoráveis.

Desempenhar bem os grandes empregos depende muitas vezes mais das circunstâncias que dos homens.

Desesperar na desgraça é desconhecer que os males confinam com os bens, e que se alternam ou se transformam.

Desperdiçamos o tempo, queixando-nos sempre de que a vida é breve.

Desprezos há, e de pessoas tais, que honram muito os desprezados.

Deve-se julgar da opinião e carácter dos povos pelo dos seus eleitos e predilectos.

Deve-se usar da liberdade, como do vinho, com moderação e sobriedade.

Disputa-se com mais frequência sobre as coisas frívolas do que nas mais importantes; as primeiras alcançam a compreensão de todos.

Disputa-se sobre tudo neste mundo; argumento irrefragável do nosso pouco saber.

Divertimo-nos com os doidos na hipótese de que o não somos.

Dizer-se de um homem que tem juízo é o maior elogio que se lhe pode fazer.

Dói mais ao nosso amor-próprio sermos desprezados, que aborrecidos.

Dói tanto a injúria publicada como a ferida exposta ao ar.

Dos especuladores em revoluções muitos se perdem, e poucos prosperam por algum tempo.

É bem singular que os moços sejam pródigos podendo esperar uma vida longa, e que os velhos sejam avarentos estando ameaçados de uma morte próxima ou iminente.

É condição dos grandes homens serem perseguidos e maltratados na vida, e depois da sua morte lastimados, glorificados e vingados.

É fácil avaliar o juízo ou a capacidade de qualquer homem, quando se sabe o que ele mais ambiciona.

É falta de habilidade governar com tirania.

É felicidade para os homens que cada um deles a defina a seu modo com variedade, na sua essência e objectos.

É judiciosa a economia de palavras, tempo e dinheiro.

É mais difícil sustentar uma grande reputação que granjeá-la ou merecê-la.

É mais fácil cumprir certos deveres, que buscar razões para justificar-nos de o não ter feito.

É mais fácil maldizer dos homens do que instruí-los e melhorá-los.

É mais fácil perdoar os danos do nosso interesse, que os agravos do nosso amor-próprio.

É mais fácil refutar erros que descobrir verdades.

É mais útil algumas vezes a extirpação de um erro, que a descoberta de muitas verdades.

É muito difícil, e em certas circunstâncias quase impossível, sustentar na vida pública o crédito e conceito que merecemos na vida privada.

É muito provável que a posteridade, para quem tantos apelam, tenha tão pouco juízo como nós e os nossos antepassados.

É nas grandes assembleias deliberantes que melhor se conhece a disparidade das opiniões dos homens, e o jogo das paixões e interesses individuais.

É necessário saber muito para poder admirar muito.

É necessário subir muito alto para bem descortinar as ilusões e angústias da ambição, poder e soberania.

É no mundo intelectual que se admiram e apreciam as maravilhas inumeráveis do mundo sensível e material.

É quando menos se crê em milagres que os povos os exigem dos que governam.

É tal a falibilidade dos juízos humanos, que muitas vezes os caminhos por onde esperamos chegar à felicidade conduzem-nos à miséria e à desgraça.

É tal a incapacidade pessoal de alguns homens, que a fortuna, empenhada em sublimá-los, não pode conseguir o seu propósito.

É tão fácil enganar, quanto é difícil desenganar os homens.

É tão fácil o prometer, e tão difícil o cumprir, que há bem poucas pessoas que cumpram as suas promessas.

É tão fácil sentir a felicidade como é difícil defini-la.

É triste a condição de um velho que só se faz recomendável pela sua longevidade.

Em certas circunstâncias o silêncio de poucos é culpa ou delito de muitos.

Em diversas épocas da nossa vida somos tão diversos de nós mesmos como dos outros homens.

Em geral o temor ou medo, e não a virtude, mantêm a ordem entre os homens.

Em matérias e opiniões políticas os crimes de um tempo são algumas vezes virtudes em outro.

Em saber gozar e sofrer, os animais levam-nos grande vantagem: o seu instinto é mais seguro do que a nossa altiva razão.

Em tese geral não há homem feliz sem mérito, nem desgraçado sem culpa.

Em vão procuramos a verdadeira felicidade fora de nós, se não possuímos a sua fonte dentro de nós mesmos.

Enganamo-nos ordinariamente sobre a intensidade dos bens que esperamos, como sobre a violência dos males que tememos.

Fazemos ordinariamente mais festa às pessoas que tememos do que àquelas a quem amamos.

Folgamos com os erros alheios como se eles justificassem os nossos.

Formam-se mais tempestades em nós mesmos que no ar, na terra e nos mares.

Ganhamos frequentes vezes perdoando oportunamente.

Há benefícios conferidos com tal rudeza e grosseria que de algum modo justificam os beneficiados da sua ingratidão.

Há certos passatempos e prazeres ilícitos, que censuramos nos outros, mais por inveja do que por virtude.

Há crimes felizes que são reputados heróicos e gloriosos.

Há duas coisas que não se perdoam entre os partidos políticos: a neutralidade e a apostasia.

Há empregos em que é mais fácil ser homem de bem, que parecê-lo ou fazê-lo crer.

Há enganos que nos deleitam, como desenganos que nos afligem.

Há homens para nada, muitos para pouco, alguns para muito, nenhum para tudo.

Há homens que afectam de muito ocupados, para que os creiam de muito préstimo.

Há homens que hoje crêem pouco ou nada, porque já creram muito e demasiado.

Há homens que parecem grandes no horizonte da vida privada, e pequenos no meridiano da vida pública.

Há males na vida humana que são preservados de outros maiores, e muitas vezes ocasionam bens incalculáveis.

Há mentiras que são enobrecidas e autorizadas pela civilidade.

Há muita gente boa e feliz, porque não tem suficiente liberdade para se fazer má e desgraçada.

Há muita gente infeliz por não saber tolerar com resignação a sua própria insignificância.

Há muita gente para quem o receio dos males futuros é mais tormentoso que o sofrimento dos males presentes.

Há muita gente que procura apadrinhar com a opinião pública as suas opiniões e disparates pessoais.

Há muita gente que, assim como o eco, repete as palavras sem lhes compreender o sentido.

Há muitas ocasiões em que a mesma prudência recomenda o aventurar-nos.

Há muitas ocasiões em que os ricos e poderosos invejam a condição dos pobres e insignificantes.

Há muitos homens que se queixam da ingratidão humana para se inculcarem benfeitores infelizes ou se dispensarem de ser benfazentes e caridosos.

Há muitos homens reputados infelizes na nossa opinião, que todavia são felizes a seu modo, segundo as suas ideias.

Há opiniões que nascem e morrem como as folhas das árvores, outras, porém, que têm a duração dos mármores e do mundo.

Há opiniões que, assim como as modas, parecem bem por algum tempo.

Há pessoas que dizem mal de tudo para inculcar que prestam para muito.

Há pessoas que ganham muito em ser lidas, e perdem tudo em ser tratadas: escrevem com estudo e vivem sem ele.

Há pessoas que, assim como as modas, parecem bem por algum tempo.

Há povos que são felizes em não ter mais que um só tirano.

Há sempre entre os homens uma sabedoria da moda, como um penteado, um calçado ou um vestuário.

Há um limite nas dores e mágoas que termina a nossa vida, ou melhora a nossa sorte.

Há verdades que é mais perigoso publicar do que foi difícil descobrir.

Ignorância e pobreza vêm de graça, não custam trabalho nem despesa.

Ignorância e preguiça a ninguém enriquecem.

Instruir e divertir os povos deve ser o empenho dos escritores; os mais hábeis são os que instruem divertindo.

Inveja-se a riqueza, mas não o trabalho com que ela se granjeia.

Louvamos encarecidamente o estado, ciência ou arte que professamos, para justificar a nossa escolha e honrar as nossas pessoas.

Louvemos a quem nos louva para abonarmos o seu testemunho.

Mudai os tempos, os lugares, as opiniões e circunstâncias, e os grandes heróis se tornarão pequenos e insignificantes homens.

Mudai um homem de classe, condição e circunstâncias, vós o vereis mudar imediatamente de opiniões e de costumes.

Mudamos de paixões, mas não vivemos sem elas.

Muita luz deslumbra a vista, muita ciência confunde o entendimento.

Muitas pessoas se prezam de firmes e constantes que não são mais que teimosas e impertinentes.

Muito se perde por falta de inteligência, porém muito mais por preguiça e aversão ao trabalho.

Muitos homens são louvados porque são mal conhecidos.

Na admissão de uma opinião ou doutrina, os homens consultam primeiramente o seu interesse, e depois a razão ou a justiça, se lhes sobeja tempo.

Na mocidade buscamos as companhias, na velhice evitamo-las: nesta idade conhecemos melhor os homens e as coisas.

Na nossa conta corrente com a natureza raras vezes lhe creditamos os muitos bens de que gozamos, mas nunca nos esquecemos de debitar-lhe os poucos males que sofremos.

Nada agrava mais a pobreza, que a mania de querer parecer rico.

Não desenganemos os tolos se não queremos ter inumeráveis inimigos.

Não desespereis na desgraça, ela é frequentes vezes uma transição necessária para a boa fortuna.

Não é a fortuna, mas juízo somente, o que falta a muita gente.

Não é dado ao saber humano conhecer toda a extensão da sua ignorância.

Não é livre quem não tem inteligência suficiente para adquirir ou defender a liberdade.

Não é menos funesto aos homens um superlativo engenho, do que às mulheres uma extraordinária beleza: a mediocridade em tudo é uma garantia e penhor de segurança e tranquilidade.

Não é raro aborrecermos aquelas mesmas pessoas que mais admiramos.

Não emprestes, não disputes, não maldigas, e não terás de te arrepender.

Não há coisa mais fácil que vencer os outros homens, nem mais difícil que vencer-nos a nós mesmos.

Não há escravidão pior que a dos vícios e paixões.

Não há homem que não deseje ser absoluto, aborrecendo cordialmente o absolutismo em todos os outros.

Não há inimigo desprezível, nem amigo totalmente inútil.

Não haveria História mais insípida e insignificante que a dos homens, se todos tivessem juízo.

Não invejemos os que sobem muito acima de nós: a sua queda será muito mais dolorosa do que a nossa.

Não podemos deixar de ser difusos com os ignorantes, mas devemos ser concisos com os inteligentes.

Não provoques o Poder, que ele se tornará cruel e despótico no seu desagravo.

Não são incompatíveis muita ciência e pouco juízo.

Não se apaga o fogo com resinas, nem a cólera com más palavras.

Não se pode formar bom conceito de quem não tem boa opinião de pessoa alguma.

Não se reconhece tanto a ignorância dos homens no que confessam ignorar, como no que blasonam de saber melhor.

Não somos sempre o que queremos, mas o que as circunstâncias nos permitem ser.

Nas revoluções dos povos a insignificância é a maior garantia de segurança pessoal.

Nas revoluções políticas os povos ordinariamente mudam de senhores sem mudarem de condição.

Nenhum governo é bom para os homens maus.

Nenhum homem é tão bom como o seu partido o apregoa, nem tão mau como o contrário o representa.

Nenhum tempo e nenhum lugar nos agrada tanto como o tempo que não existe, e o lugar em que não estamos.

Ninguém avalia tão caro o nosso merecimento, como o nosso amor-próprio.

Ninguém considera a sua ventura superior ao seu mérito, mas todos se queixam das injustiças dos homens e da fortuna.

Ninguém duvida tanto como aquele que mais sabe.

Ninguém é grande homem em tudo e em todo o tempo.

Ninguém é mais adulado que os tiranos: o medo faz mais lisonjeiros que o amor.

Ninguém é tão prudente em despender o seu dinheiro, como aquele que melhor conhece as dificuldades de o ganhar honradamente.

Ninguém é tão solícito e diligente em requerer empregos, como aqueles que menos os merecem.

Ninguém mente tanto nem mais do que a História.

Ninguém nos aconselha tão mal como o nosso amor-próprio, nem tão bem como a nossa consciência.

Ninguém nos aconselha tão mal como o nosso amor-próprio, nem tão bem como à nossa consciência.

Ninguém quer passar por tolo, antes prefere parecer velhaco.

Ninguém resiste à lisonja sendo administrada, oportunamente, com a perícia e destreza de um hábil adulador.

Ninguém se agasta tanto do desprezo como aqueles que mais o merecem.

Ninguém se conhece tão bem como aquele que mais desconfia de si próprio.

Nobre e ilustrada é a ambição que tem por objecto a sabedoria e a virtude.

Nos altos empregos os grandes homens parecem ainda maiores; mas os pequenos figuram de mais diminutos.

Nos nossos revezes, queremos antes passar por infelizes, do que por imprudentes, ou inábeis.

Num povo ignorante a opinião pública representa a sua própria ignorância.

Nunca os louvores que damos são gratuitos; temos sempre em vista alguma retribuição por este sacrifício do nosso amor-próprio.

Nunca perdemos de vista o nosso interesse, ainda mesmo quando nos inculcamos desinteressados.

O ambicioso, para o ser muito, afecta algumas vezes não valer nada.

O amor na mocidade é ocupação, na velhice distracção ou alienação.

O amor-próprio do tolo, quando se exalta, é sempre o mais escandaloso.

O arrependimento é ineficaz quando as reincidências são consecutivas.

O ateísmo é tão raro quanto é vulgar o politeísmo e a idolatria.

O avarento é o mais leal e fiel depositário dos bens dos seus herdeiros.

O avarento, por um mau cálculo, sofre de presente os males que receia no futuro.

O coração enlutado eclipsa o entendimento e a razão.

O desejo da glória literária é de todas as ambições a mais inocente, sem ser todavia a menos laboriosa.

O entusiasmo é um género de loucura que conduz algumas vezes ao heroísmo, e muitas outras a grandes crimes e malfeitorias.

O erro máximo dos filósofos foi pretender sempre que os povos filosofassem.

O espírito de intriga inculca demérito nos intrigantes.

O espírito vive de ficções, como o corpo se nutre de alimentos.

O estudo confere ciência, mas a meditação, originalidade.

O estudo da história acumula sobre a experiência individual a de muitos séculos e milénios.

O fraco ofendido atraiçoa, o forte e magnânimo perdoa.

O fraco ofendido desabafa maldizendo.

O futuro é como o papel em branco em que podemos escrever e desenhar o que queremos.

O governo dos tolos é sempre mais infesto aos povos que o dos velhacos.

O homem de juízo aproveita, o tolo desaproveita a experiência própria.

O homem de palavra é aquele que menos fala.

O homem mais sensível é necessariamente o menos livre e independente.

O homem que cala e ouve não dissipa o que sabe, e aprende o que ignora.

O homem que despreza a opinião pública é muito tolo ou muito sábio.

O homem que frequentes vezes se inculca por honrado e probo, dá justos motivos de suspeitar-se que não é tal ou tanto como se recomenda.

O homem que não é indulgente com os outros, ainda não se conhece a si próprio.

O hóspede acanhado é um dobrado incómodo para quem o hospeda.

O ignorante espanta-se do mesmo que o sábio mais admira.

O império mais poderoso e fatal que existe é o das circunstâncias.

O insignificante presume dar-se importância maldizendo de tudo e de todos.

O interesse explica os fenómenos mais difíceis e complicados da vida social.

O interesse forma as amizades, o interesse dissolve-as.

O interesse sempre transparece no desinteresse que afectamos.

O invejoso é tirano e verdugo de si próprio: ele sofre porque os outros gozam.

O juízo, por mais vulgar, é menos apreciado que o engenho.

O lisonjeiro conta sempre com a abonação do nosso amor-próprio.

O louvor fecundo distingue menos que a admiração silenciosa.

O louvor não merecido embriaga como o vinho.

O louvor que mais prezamos é justamente aquele que menos merecemos.

O luxo, assim como o fogo, tanto brilha quanto consome.

O luxo, como o fogo, devora tudo e perece de faminto.

O mal ou bem que fazemos aos outros reverte sobre nós acrescentado.

O medo é a arma dos fracos, como a bravura a dos fortes.

O medo e o entusiasmo são contagiosos.

O medo faz mais tiranos que a ambição.

O meio mais eficaz de nos vingarmos dos nossos inimigos é fazendo-nos mais justos e virtuosos do que eles.

O melhor sono da vida a inocência o dorme, ou a virtude.

O muito juízo é um grande tirano pessoal.

O mundo floresce pela vida, e renova-se pela morte.

O nosso amor-próprio é muitas vezes contrário aos nossos interesses.

O nosso amor-próprio é tão exagerado nas suas pretensões, que não admira se quase sempre se acha frustrado nas suas esperanças.

O nosso amor-próprio exalta-se mais na solidão: a sociedade reprime-o pelas contradições que lhe opõe.

O nosso bom, ou mau procedimento, é o nosso melhor amigo, ou pior inimigo.

O nosso espírito é essencialmente livre, mas o nosso corpo torna-o frequentes vezes escravo.

O nosso orgulho eleva-nos para que nos precipitemos de mais alto.

O ódio e a guerra que declaramos aos outros gasta-nos e consome-nos a nós mesmos.

O orgulho pode parecer algumas vezes nobre e respeitável, a vaidade é sempre vulgar e desprezível.

O pobre lastima-se de querer e não poder, o avarento ufana-se de que pode, mas não quer.

O poder repartido por muitos não é eficaz em nenhum.

O prazer do crime passa, o arrependimento sobrevem e o remorso perpetua-se.

O prazer que mais deleita é o que provém da satisfação de uma necessidade mais incómoda e urgente.

O pródigo pode ser lastimado, mas o avarento é quase sempre aborrecido.

O que ganhamos em autoridade, perdemos em liberdade.

O que há de melhor nos grandes empregos é a perspectiva ou a fachada com que tanta gente se embeleza.

O que mais sabe, menos sofre: a sabedoria infinita é impassível.

O que se qualifica em alguns homens como firmeza de carácter não é ordinariamente senão emperramento de opinião, incapacidade de progresso, ou imutabilidade da ignorância.

O remorso é no moral o que a dor é no físico da nossa individualidade: advertência de desordens que se devem reparar.

O roubo de milhões, enobrece os ladrões.

O saber é riqueza, mas de qualidade tal que a podemos dissipar e desbaratar sem nunca empobrecermos.

O sábio que não fala nem escreve é pior que o avarento que não despende.

O silêncio é o melhor rebuço para quem não se quer revelar, ou fazer-se conhecer.

O silêncio é o melhor salvo conduto da mais crassa ignorância como da sabedoria mais profunda.

O silêncio, ainda que mudo, é frequentes vezes tão venal como a palavra.

O temor da morte é a sentinela da vida.

O tempo pretérito se torna presente pela memória, e o futuro pela nossa imaginação.

O trabalho é amargo, mas os seus frutos são doces e aprazíveis.

O trabalho involuntário ou forçado é quase sempre mal concebido e pior executado.

O valor mais resoluto é o que procede da desesperação.

O velho calcula muito, executa pouco: a mocidade é mais executiva que deliberativa.

O velho crê-se feliz em não sofrer, o moço infeliz em não gozar.

O velho teme o futuro e abriga-se no passado.

Ocupados em descobrir os defeitos alheios, esquecemo-nos de investigar os próprios.

Onde os homens se persuadem que os governos os devem fazer felizes, e não eles a si próprios, não há governo que os possa contentar nem agradar-lhes.

Ordem social é limitação de liberdade; desordem, liberdade ilimitada.

Ordinariamente nos fingimos distraídos quando não nos convém parecer atentos.

Ordinariamente tratamos com indiferença aquelas pessoas de quem não esperamos bens nem receamos males.

Os abusos, como os dentes, nunca se arrancam sem dores.

Os acontecimentos políticos humilham e desabonam mais a sabedoria humana que quaisquer outros eventos deste mundo.

Os aduladores são como as plantas parasitas que abraçam o tronco e ramos de uma árvore para melhor a aproveitar e consumir.

Os anarquistas são como os jogadores infelizes ou inábeis, que, baralhando muito as cartas, ou mudando de baralhos, esperam melhorar de fortuna e condição.

Os anos mudam as nossas opiniões, da mesma forma que alteram a nossa fisionomia.

Os arrufos entre amantes podem ser renovações de amor, mas entre os amigos são deteriorações da amizade.

Os benefícios conferidos levam sempre o ónus da gratidão e reconhecimento.

Os bens de que gozamos exercem sempre menos a nossa razão do que os males que sofremos.

Os bens que a ambição promete são como os do amor, melhores imaginados que conseguidos.

Os bens que a virtude não dá ou não preserva são de pouca duração.

Os bons conselhos desagradam aos apaixonados como os remédios aos que estão doentes.

Os bons presumem sempre bem dos outros; os maus, pelo contrário, sempre mal; uns e outros dão o que têm.

Os bons tremem quando os maus não temem.

Os conselhos dos moços derivam das suas ilusões, os dos velhos, dos seus desenganos.

Os crimes fecundam as revoluções, e dão-lhes posteridade.

Os elogios de maior crédito são os que os nossos próprios inimigos nos tributam.

Os empregos que por intrigas e facções se alcançam, por facções e intrigas se perdem.

Os erros circulam entre os homens como as moedas de cobre, as verdades como os dobrões de ouro.

Os erros de uns são lições para outros, estes acertam porque aqueles erraram.

Os erros de uns são lições para outros; estes acertam porque aqueles erraram.

Os espíritos metódicos são ordinariamente os menos sublimes e transcendentes.

Os faladores não nos devem assustar, eles revelam-se: os taciturnos incomodam-nos pelo seu silêncio, e sugerem justas suspeitas de que receiam fazer-se conhecer.

Os filósofos vivem em disputa e morrem na dúvida.

Os governos fracos fazem fortes os ambiciosos e insurgentes.

Os governos tendem à monarquia, como os corpos gravitam para o centro da terra.

Os grandes empregos desacreditam e ridicularizam os pequenos homens.

Os grandes homens em certas relações são pequenos homens em outras.

Os grandes, os ricos e os sábios sorriem-se: os pequenos, os pobres e os néscios dão gargalhadas.

Os homens afectam desinteresse para melhor promoverem os seus interesses.

Os homens crêem tão pouco na autoridade da própria razão que acabam por justificá-la com a alegação da dos outros.

Os homens de bem perdem e empobrecem nos mesmos empregos em que os velhacos ganham e se enriquecem.

Os homens de extraordinários talentos são ordinariamente os de menor juízo.

Os homens de pouca inteligência não sabem encarecer a própria capacidade sem rebaixar a dos outros.

Os homens disfarçam-se, tal como as mulheres se enfeitam, para agradarem ou enganarem.

Os homens em geral ganham muito em não serem perfeitamente conhecidos.

Os homens em geral ganham muito em não serem perfeitamente conhecidos.

Os homens em sociedade são como as pedras numa abóbada, resistem e ajudam-se simultaneamente.

Os homens enganam-se miseravelmente quando esperam encontrar a sua felicidade, mais na forma dos seus governos que na reforma dos seus costumes.

Os homens geralmente preferem ser enganados com prazer a ser desenganados com dor e desgosto.

Os homens mais orgulhosos são geralmente os mais irritáveis e vingativos.

Os homens mais respeitados não são sempre os mais respeitáveis.

Os homens não sabem avaliar-se exactamente: cada um é melhor ou pior do que os outros o consideram.

Os homens nos parecerão sempre injustos enquanto o forem as pretensões do nosso amor-próprio.

Os homens poderiam parecer-nos mais justos ou menos injustos, se não exigíssemos deles mais do que podem ou devem dar-nos.

Os homens preferem geralmente o engano, que os tranquiliza, à incerteza, que os incomoda.

Os homens probos são menos capazes de dissimulação do que os velhacos.

Os homens são geralmente tão avaros do seu dinheiro, como pródigos dos seus conselhos.

Os homens são poucas vezes o que parecem; eles trabalham incessantemente por parecer o que não são.

Os homens são sempre mais verbosos e fecundos em queixar-se das injúrias do que em agradecer os benefícios.

Os homens sem mérito algum, brochados de insígnias e de ouro, são comparáveis aos maus livros ricamente encadernados.

Os homens têm geralmente saúde quando não a sabem apreciar, e riqueza quando a não podem gozar.

Os homens têm querido dar razão de tudo, para dissimular ou encobrir o seu pouco saber.

Os homens, para não desagradarem aos maus de quem se temem, abandonam muitas vezes os bons, a quem respeitam.

Os ignorantes exageram sempre mais que os inteligentes.

Os ingratos pensam minorar ou justificar a sua ingratidão, memorando com frequência os vícios e defeitos dos seus benfeitores.

Os insignificantes são como os mascarados, audazes por desconhecidos.

Os louvores que nos dão os nossos inimigos podem ser diminutos, mas nunca são exagerados.

Os maiores detractores dos governos são aqueles que pretendem governar.

Os mais arrojados em falar são ordinariamente os menos profundos em saber.

Os maldizentes, como os mentirosos, acabam por não merecer crédito ainda que digam verdades.

Os males da vida são os nossos melhores preceptores, os bens, os nossos maiores aduladores.

Os maus não nos levam em conta a nossa bondade e indulgência, reputam-na fraqueza, e tiram o argumento para multiplicar as suas malfeitorias.

Os maus não são exaltados para serem felizes, mas para que caiam de mais alto e sejam esmagados.

Os maus queixam-se de todos, os bons de poucos, os melhores de ninguém ou de si próprios.

Os moços de juízo honram-se em parecer velhos, mas os velhos sem juízo procuram figurar como moços.

Os moços são tão solícitos sobre o seu vestuário, quanto os velhos são negligentes: aqueles atendem mais à moda e à elegância, estes à sua comodidade.

Os moços, por falta de experiência, de nada suspeitam, os velhos, por muito experimentados, de tudo desconfiam.

Os nossos inimigos contribuem mais do que se pensa para o nosso aperfeiçoamento moral. Eles são os historiadores dos nossos erros, vícios e imperfeições.

Os nossos maiores inimigos existem dentro de nós mesmos: são os nossos erros, vícios e paixões.

Os Outros

Os pequenos inimigos, ainda que menos danosos, são sempre mais incómodos que os grandes.

Os pobres divertem-se com pouco dinheiro, os ricos enojam-se com muita despesa.

Os povos desencantados tornam-se insubordinados.

Os povos, como as pessoas, variam de opiniões e gostos, e na sua inconstância passam frequentes vezes de um a outro extremo.

Os que asseveram que os maus são ou podem ser felizes, não têm noções claras da genuína felicidade.

Os que falam em matérias que não entendem parecem fazer gala da sua própria ignorância.

Os que governam preferem o engano que os deleita à verdade que os incomoda.

Os que mais possuem não são os que melhor digerem.

Os que não sabem aproveitar o tempo dissipam o seu, e fazem perder o alheio.

Os que reclamam para si maior liberdade são os que ordinariamente menos a toleram e permitem nos outros.

Os sábios duvidam mais que os ignorantes; daqui provém a filáucia destes e a modéstia daqueles.

Os sábios falam pouco e dizem muito, generalizando e abstraindo resumem tudo.

Os sábios que são respeitados pelos seus escritos são algumas vezes desprezíveis pelas suas acções.

Os soberbos são ordinariamente ingratos; consideram os benefícios como tributos que se lhes devem.

Os tolos são muitas vezes promovidos a grandes empregos em utilidade e proveito dos velhacos, que melhor os sabem desfrutar.

Os velhacos têm por admiradores todos os tolos, cujo número é infinito.

Os velhos caluniam o tempo presente atribuindo-lhes os males de que padecem, consequências do passado.

Os velhos dão bons conselhos para se redimirem de ter dado maus exemplos.

Os velhos erram muitas vezes por demasiadamente prudentes, os moços quase sempre por temerários.

Os velhos invejam a saúde e vigor dos moços, estes não invejam o juízo e a prudência dos velhos: uns conhecem o que perderam, os outros desconhecem o que lhes falta.

Os velhos prezam ordinariamente os mortos e desprezam os vivos.

Os velhos que se mostram muito saudosos da sua mocidade não dão uma ideia favorável da maturidade e progresso da sua inteligência.

Os velhos que seguem as modas, presumem rejuvenescer com elas.

Os velhos ruminam o pretérito, os moços antecipam e devoram o futuro.

Os velhos tornam-se nulos e inúteis à força de prudência e circunspecção.

Os vícios, como os cancros, têm a qualidade de corrosivos.

Para bem conhecer os homens, é necessário primeiramente vê-los e praticá-los de perto, e depois estudá-los e meditá-los de longe.

Para quem não tem juízo os maiores bens da vida convertem-se em gravíssimos males.

Perante um auditório de tolos, os velhacos tornam-se fecundos, e os doutos silenciosos.

Perdoamos mais vezes aos nossos inimigos por fraqueza, que por virtude.

Podemos reunir todas as virtudes, mas não acumular todos os vícios.

Pouco dizemos quando o interesse ou a vaidade não nos faz falar.

Pouco espírito inutiliza muito saber.

Pouco saber exalta o nosso amor-próprio, muito saber humilha-o.

Prezamos e avaliamos a vida muito mais no seu extremo que no seu começo.

Quando a cólera ou o amor nos visita a razão se despede.

Quando a consciência nos acusa, o interesse ordinariamente nos defende.

Quando defendemos os nossos amigos, justificamos a nossa amizade.

Quando moços, contamos tantos amigos quantos conhecidos; porém maduros pela experiência, não achamos um homem de cuja probidade fiemos a execução do nosso testamento.

Quando não podemos gozar a satisfação da vingança, perdoamos as ofensas para merecer ao menos os louvores da virtude.

Quando o amor nos visita, a amizade despede-se.

Quando o interesse é o avaliador dos homens, das coisas e dos eventos, a avaliação é quase sempre imperfeita e pouco exacta.

Quando os tiranos caem, os povos levantam-se.

Queixam-se muitos de pouco dinheiro, outros de pouca sorte, alguns de pouca memória, nenhum de pouco juízo.

Queixamo-nos da fortuna para desculpar a nossa preguiça.

Quem desconfia de si próprio, menos pode confiar nos outros.

Quem muito nos festeja, alguma coisa de nós deseja.

Quem não desconfia de si, não merece a confiança dos outros.

Quem não espera na vida futura, desespera na presente.

Quem não pode ou não sabe acumular, nunca chega a ser sábio nem rico.

Querendo parecer originais, tornamo-nos ridículos ou extravagantes.

Sabei escusar o supérfluo, e não vos faltará o necessário.

Saber viver com os homens é uma arte de tanta dificuldade que muita gente morre sem a ter compreendido.

São incalculáveis os benefícios que provêm da noção de incerteza do dia e ano da nossa morte: esta incerteza corresponde a uma espécie de eternidade.

Se a vida é um mal, por que tememos morrer; e se um bem, porque a abreviamos com os nossos vícios?

Se as viagens simplesmente instruíssem os homens, os marinheiros seriam os mais instruídos.

Se fôssemos sinceros em dizer o que sentimos e pensamos uns dos outros, em declarar os motivos e fins das nossas acções, seríamos reciprocamente odiosos e não poderíamos viver em sociedade.

Sem as ilusões da nossa imaginação, o capital da felicidade humana seria muito diminuto e limitado.

Sempre haverá mais ignorantes que sabedores, enquanto a ignorância for gratuita e a ciência dispendiosa.

Sobeja-nos tanto a paciência para tolerar os males alheios, quanto nos falta para suportar os próprios.

Sofrei privações na mocidade, e sereis regalados na velhice.

Somos benfazentes mais vezes por vaidade que por virtude.

Somos bons consoladores, e muito maus sofredores.

Somos em geral demasiadamente prontos para a censura, e demasiadamente tardos para o louvor: o nosso amor-próprio parece exaltar-se com a censura que fazemos, e humilhar-se com o louvor que damos.

Somos enganados mais vezes pelo nosso amor-próprio do que pelos homens.

Somos muitas vezes maldizentes para nos inculcarmos perspicazes.

Somos muito generosos em oferecer por civilidade o que bem sabemos que por civilidade se não há-de aceitar.

Somos muitos francos em confessar e condenar os nossos pequenos defeitos, contanto que possamos salvar e deixar passar sem reparo os mais graves e menos defensáveis.

Somos tão avaros em louvar os outros homens, que cada um deles se crê autorizado a louvar-se a si próprio.

Sucede aos homens como às substâncias materiais, as mais leves e menos densas ocupam sempre os lugares superiores.

Sucede frequentes vezes admirarmos de longe o que de perto desprezamos.

Ter privança com os que governam é contrair responsabilidade no mal que fazem, sem partilhar o louvor do bem que operam.

Todas as virtudes são restrições, todos os vícios, ampliações da liberdade.

Todos querem liberdade, muitos a possuem, poucos a merecem.

Todos reclamam reformas, mas ninguém se quer reformar.

Todos se queixam, uns dos males que padecem, outros da insuficiência, incerteza, ou limitação dos bens de que gozam.

Um grande crime glorificado ocasiona e justifica todos os outros crimes e atentados subsequentes.

Um grande mérito força o respeito, e afugenta a adulação.

Um homem pode saber mais do que muitos, porém nunca tanto como todos.

Um povo corrompido não pode tolerar um governo que não seja corrupto.

Uma grande qualidade ou talento desculpa muitos pequenos defeitos.

Uma grande reputação é talvez mais incómoda que a insignificância pessoal.

Unir para desunir, fazer para desfazer, edificar para demolir, viver para morrer, eis aqui a sorte e condição de natureza humana.

Uns homens ocasionam os males e exigem que outros os remedeiem.

Uns homens sobem por leves como os vapores e gases, outros como os projécteis pela força do engenho e dos talentos.

Viver é doce; viver é agro: nesta alternativa se passa a vida.